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Francisco Beltrão
quarta-feira, 11 de junho de 2025

Edição 8.223

11/06/2025

O desfile da democracia no Dia da Independência

O que, afinal, está sendo gestado para a data cívica mais importante de nosso calendário oficial? Há de tudo no frenesi das redes sociais e nos órgãos de comunicação, de alertas a um suposto golpe ao esforço de lideranças pela harmonia entre os Poderes.

Em dezembro de 1968 eu nem tinha 8 anos completos ainda. Não entendia a raiva de meu pai dando murro na parede, ao lado da prateleira onde tentava colar o ouvido no rádio mal sintonizado para entender a notícia mais recente. Lembro bem de um palavrão no dialeto italiano que costumava usar nessas horas e depois completar: “Fecharam o Congresso!”. Sem ideia do que era Congresso, muito menos o que significava seu fechamento, mais ainda a razão da raiva do meu pai, me restava desconfiar que se tratava de algo relevante. Afinal, meu pai não era de socar a parede sem algum motivo.

Somente quando cheguei à juventude, quando participei de um grupo de teatro amador dirigido por um diretor que nos fazia ler e saber o que acontecia no Brasil do final dos anos 1970, fui entender que o Arthur Lavoratti reagia ao Ato Institucional número 5, o famigerado AI-5. E que o dia era 13 de dezembro de 1968, mesma data em que, em consequência do AI-5, o governo militar decretava o fechamento do Congresso Nacional. Nada menos de 181 parlamentares tiveram seus mandatos cassados e o Legislativo Federal foi reaberto somente em outubro de 1969 para escolher o presidente general Emílio Garrastazu Médici em substituição a Artur da Costa e Silva.

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A interferência do governo no Congresso Nacional foi apenas um dos efeitos práticos do AI-5, cujo texto autorizava ainda o presidente da República a decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sítio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República (Artigo 2°, AI-5). E ia mais além: o Artigo 11 do AI-5 excluía de qualquer apreciação judicial (ou seja, nenhum juiz ou tribunal poderiam fazer qualquer análise) todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como os seus respectivos efeitos. Ou seja, o poder foi concentrado no Executivo, em detrimento do Legislativo e Judiciário, prejudicando o equilíbrio entre os três poderes, eixo de um sistema democrático.

O que veio depois, todos sabemos. Inclusive a redemocratização e a restauração do Estado de Direito, tendo como pontos altos a campanha das Diretas Já (1984) e a Constituição Cidadã (1988). Todas essas mudanças feitas por meio da negociação política, aos trancos e barrancos, mas perpassado pelo acordo consensual das forças da sociedade brasileira. Mas antes, muito antes da ira de Arthur Lavoratti, “medebista” roxo e admirador de Ulysses Guimarães, o Brasil foi declarado independente de Portugal. Em 7 de setembro de 1822, Dom Pedro I gritou “Independência ou morte”. Por isso, à imagem de meu pai furioso reúno outras lembranças de minha infância. Desta vez embaladas pelo colorido e o som poderoso dos desfiles de 7 de setembro, em que as fanfarras dos colégios faziam trepidar as ruas e emocionavam todos com seus ritmos e evoluções. E essas memórias ganham ainda mais força quando vemos uma crise institucional em curso e o país assiste à mais estridente proximidade de um 7 de setembro já registrada nas últimas décadas.

O que, afinal, está sendo gestado para a data cívica mais importante de nosso calendário oficial? Há de tudo no frenesi das redes sociais e nos órgãos de comunicação, de alertas a um suposto golpe de Estado ao esforço de lideranças políticas nacionais pela harmonia entre os Poderes e a defesa intransigente da democracia e da Constituição. Mobilizações e chamamentos para concentrações em Brasília são desarticulados pela Justiça — ela própria no centro das atenções —, enquanto se assiste a cartas, manifestos e posicionamentos de políticos e lideranças de ambos os lados no País das polarizações. A pandemia, a crise econômica, o ano eleitoral que se aproxima, tudo contribui para o acirramento dos ânimos e o barulho também estridente de quem se acha do lado certo. Que o som das fanfarras seja mais forte para lembrar que só há um desfile possível no Brasil de todos nós — o da legalidade e da democracia, como sempre defendeu seu Arthur.

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