O apartamento de 100 metros quadrados não é mais o sonho de consumo, mas, sim, um chalezinho à beira de uma praia ou em um sítio no interior do Paraná, Minas Gerais, São Paulo ou em qualquer um dos mais de 5.500 municípios brasileiros.
Uma das primeiras lembranças da minha infância é cuidar do garrafão de fermento natural que minha mãe renovava toda semana para o sagrado pão feito religiosamente aos sábados. A mistura de batata ralada e água, acrescentada ao restinho do fermento deixado na semana anterior, era exposta ao sol até a rolha do garrafão estourar. Cabia a mim levar o recipiente para o sol e depois de algumas horas devolvê-lo à cozinha, onde repousava um dia antes de ser usado. Pronto, estava feito o ingrediente essencial da massa sovada exaustivamente no cilindro e, depois de crescer com força, ser assada no forno de barro. Os pães ficavam rechonchudos, perfumavam a nossa casa no interior do Paraná e, além de nos alimentar durante a semana, davam um toque especial nas nossas tardes de sábado. Era quase uma festa na simplicidade de nossa rotina.
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Hoje, constato que aquele fermento natural preparado pela minha mãe é o levain destacado na gastronomia moderna, tão disseminada pelos panificadores e chefs de cozinha famosos em suas lives frequentes na internet. Atualmente, a maneira natural de colocar os pães para crescer surge como um dos tantos movimentos de busca por menos artificialidade não só no preparo dos alimentos. Mas de conexão com a natureza. Antes que ela acabe.
Assim como a adesão à fermentação natural tem sido cada vez mais frequente, também é comum sabermos de alguém aqui e acolá que decidiu trocar a vida na cidade pela roça – ou campo, como preferem os mais sofisticados. O apartamento de 100 metros quadrados não é mais o sonho de consumo, mas, sim, um chalezinho à beira de uma praia ou em um sítio no interior do Paraná, Minas Gerais, São Paulo ou em qualquer um dos mais de 5.500 municípios brasileiros.
Nas redes sociais, proliferam os grupos sobre a vida no campo, no sítio, na roça. Com uma organização rápida e marcada pelo êxodo rural, portanto desordenada, resultando na expansão das cidades desprovidas de infraestrutura, o Brasil tem atualmente 80% de sua população vivendo em centros urbanos. Se no século passado a grande maioria dos moradores das zonas rurais procurou lugares para viver onde acreditavam alcançar uma vida melhor, agora uma parte dos brasileiros pensa em fazer o trajeto inverso. Mas, infelizmente, quem pode fazer esta opção é uma ínfima parcela.
Assim como se dar ao trabalho de produzir o fermento natural próprio, morar em uma casa de sítio, rodeada por árvores, criar galinhas e colher ovos no ninho, acordar com o canto dos passarinhos, essas maravilhas não são para todos. Quantas famílias que moram nas periferias das grandes cidades conseguiriam comprar uma terrinha, por menor que fosse, para cultivar seus alimentos, quem sabe vender o excedente e obter dinheiro para, enfim, tirar da terra seu sustento? Esse sonho de um “fermento” na renda dos mais humildes parece seguir hoje a mesma ilusão que marcou o país em outras épocas, a de que era preciso ver o “bolo” crescer primeiro para depois dividi-lo. Com ou sem levain… nem bolo, nem pão para todos.