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Francisco Beltrão
sábado, 21 de junho de 2025

Edição 8.230

21/06/2025

Já podeis da pátria filhos (João Ubaldo Ribeiro) – Meninos, eu li

Romancista consagrado, João Ubaldo Ribeiro (1941-2014) também deu sustentação à carreira de escritor como cronista e contista. Manteve, por anos, colunas nos jornais A Tarde, O Estadão e O Globo produzindo textos que depois ganharam as livrarias em coletâneas. 

Nesta edição, a coluna “Meninos, eu li” destaca “Já podeis da pátria filhos”, livro com 17 contos. Ele foi lançado em 1981 com o título “Livro de histórias”. A mudança no nome veio dez anos depois, quando a obra foi reeditada e ganhou dois novos contos – “Patrocinando a arte” e “Estouro da boiada”. 

As histórias narradas por João estão mais uma vez ambientadas na Ilha de Itaparica, no Recôncavo Baiano – boa parte dos romances do autor também utilizaram este local de pano de fundo. São narrativas divertidas e fantasiosas, como no conto-título (Já podeis da pátria filhos”), em que reflete sobre o futebol e o modo peculiar – através da safadeza – com que os itaparicanos usam para vencer uma partida contra estrangeiros.

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Para atrair o leitor para a obra, destaco “O santo que não acreditava em Deus”, estória que em 2003 ganhou adaptação para o cinema, sob o título “Deus é brasileiro”. Siga:

O Santo que não acreditava em Deus

“Deus é brasileiro”: Antônio Fagundes e Wagner Moura na adaptação de “O santo que não acreditava em Deus”. Foto: Reprodução

“O santo anda dificílimo. Quando eu acho um, boto logo as mãos para o céu.” Esse o desabafo de Deus para um pescador, às margens da Ilha de Itaparica. Nosso Senhor surgiu escorado numa torre velha no meio d’água, com calças arregaçadas, um chapéu velho e suspensório por cima da camisa. Estava em busca de um santo. 

Pra fazer o sujeito acreditar que quem estava ali de fato ele era Deus, precisou primeiro provar: um cardume saltou em revoada, um peixe pairou no ar e deu uma rabanada na cara do pescador. Pronto!

Deus primeiro desabafou. Falou da dificuldade de se encontrar um santo. A situação não andava nada boa pro seu lado. “Depois que eu fiz tudo isso aqui, todo mundo quer que eu resolva os problemas todos, mas a questão é que eu já ensinei como é que resolve e quem tem que resolver é vocês, senão, se fosse para eu resolver, que graça tinha?”

Explicou ao pescador que o santo assim se torna pelas ações que faz pelos outros no dia dia. “Esse negócio de milagre é coisa para a providência, é negócio de emergência, uma correçãozinha que a gente dá. Esse pessoal não entende que, toda vez que eu faço um milagre, tem de reajustar tudo, é uma trabalheira que não acaba, a pessoa se afadiga. Buliu aqui, tem de bulir ali, é um inferno, com perdão da má palavra.”

Tendo explicado o dilema, pediu ao pescador que o levasse à feira de Maragogipe. Estava a procura de um certo Quinca das Mulas, assim chamado porque podendo ser rico tudo deu aos outros, preterindo passar o tempo “causando perturbação, ensinando besteiras e fazendo questão de dar uma mão a todos que ele dizia que eram boas pessoas, sendo estas boas pessoas dele todas desqualificadas”. 

O pior de tudo era que o dito Quinca sequer acreditava em Deus e até brigava com o padre. 

Encontraram-no numa barraca em Maragogipe, já depois de ter tomado algumas. E, assim, comendo um sarapatel com o Criador, na maior camaradagem, iniciou-se a labuta para convencer o homem de que quem estava ali era Deus e, depois, para que se tornasse santo. “Você tem que ser santo, seu desgraçado”, gritava Nosso Senhor. 

A seguir, a lista dos 17 contos de “Já podeis da pátria filhos”

  • Alandelão de la patrie
  • O bom robalo de compadre Edinho
  • Pensamentos, palavras e obras
  • A vez quando Luiz Cuiúba comeu seis ou sete veranistas
  • Já podeis da pátria filhos
  • Vavá Paparrão contra Vanderdique Vanderlei
  • O poder da arte e da palavra
  • Brincando de doutor
  • O diabo que assoviava
  • O boi insidioso
  • O artista que veio aqui dançar com as moças
  • O santo que não acreditava em Deus
  • O jegue Boneco e o jegue Suspiro
  • O magnata do voto
  • Patrocinando a arte
  • O estouro da boiada
  • Era um dia diferente quando se matava porco

Referências

  • Título: Já podeis da pátria filhos;
  • Gênero: Crônicas;
  • Autor: João Ubaldo Ribeiro;
  • Número de páginas: 194;
  • Editora: Alfaguara;
  • Ano de lançamento: 1992.

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