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Francisco Beltrão
segunda-feira, 02 de junho de 2025

Edição 8.217

03/06/2025

Sorriso Empoeirado

O som que seus pés faziam enquanto caminhava sobre as pedras britas lembrava o mastigar de sucrilhos

Pegou a xícara de café e acessou o site de notícias. A beleza do canto dos pássaros naquela manhã nada representava o que estava lendo. Não sentiu abalo algum. Nenhuma gota de angústia pingou em sua garganta. Percebeu que aquele era um sinal horrível. Havia se acostumado com a barbárie? Organizou sua pasta e foi para o trabalho.

Quando chegou, estacionou o carro na garagem. Não desligou o motor. Baixou a cabeça e terminou de apreciar a canção triste que maximizava sua desesperança. O som que seus pés faziam enquanto caminhava sobre as pedras britas lembrava o mastigar de sucrilhos. Sentiu saudade de uma época que jamais irá voltar.

Sentou-se diante do computador e começou a trabalhar. Não lembrava onde havia parado no dia anterior. Seus movimentos eram tão automáticos que às vezes esquecia se já havia lavado a cabeça no banho. Os colegas de trabalho falavam sobre o estado caótico do País e o medo de uma iminente demissão em massa na empresa. Ficou aguardando o medo que, timidamente, nem cogitou mostrar seu rosto.

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Conforme a manhã avançou, o sol invadiu a janela e encarou suas olheiras. Eram tão profundas que daria para fazer duas piscinas de camundongos. Reuniu suas forças e foi fechar a persiana. Quando se aproximou da vidraça, olhou do alto do primeiro andar em que o escritório ficava e notou um pai e sua filha sentados no gramado da praça. Debruçou os cotovelos no parapeito e afinou os olhos para prestar atenção. 

Um sorriso gigantesco brotava no rosto da criança cada vez que o pai fazia uma palhaçada. O poder de iluminação daquela pequena boca de pouquíssimos dentes se igualava ao do sol. Aquilo era incrível. Subitamente, um colega de trabalho o interrompeu perguntando: “Está rindo do que?”. Sim, um sorriso, que estava tão empoeirado quanto uma esquecida estante de livros, inundava sua face magra. Voltou para seu cubículo. A janela continuou aberta. Seu coração, também. 

Aquele sorriso o acompanhou no resto do dia. Havia voltado a sentir.

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