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Francisco Beltrão
sexta-feira, 06 de junho de 2025

Edição 8.220

06/06/2025

A vida não acontece por acaso

Eleandro Vieira

Eleandro Vieira*

Uma das principais coisas que deveríamos aprender nesse mundo é que a vida não acontece por decreto. Aprendi isso nos bares cidade adentro. Ouvindo as dores que lapidam as caras tristes. A cerveja gelada e barata amenizando o cotidiano que se prolonga sempre igual. Por mais racionais e equilibrados que sejamos, a vida nem sempre toma o sentido do paraíso criado nos sonhos de infância. Quando vê, você tem trinta e perdeu o amor da sua vida. Quando vê, você tem 30 e já tem grande parte dos cabelos brancos. Quando vê, você tem 30 e não vive a vida que quer.

A vida não acontece por decreto, como pensam esses senhores da burocracia e os ministros das economias do mundo. Acontece por instantes. Em um dia você acha que vai conquistar o mundo. No outro está se arrastando no trabalho. Em um dia você brinca na chuva e não compreende porque todos se escondem em suas casas. No outro você reclama porque os pingos molharam seus cabelos no tempo que sai pela porta da casa e entra na porta do carro que deixou estacionado na rua. Em um dia você não aceita a injustiça cometida a um colega na escola. No outro finge não ver um velhinho sentado na calçada chorando as dores do mundo. A eternidade é cruel e ela existe. Instantes que não nos deixam. Arrependimentos, maldades, choro, risos, amores, gozos.

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Ressentimentos. Essa sucessão de instantes nem sempre na mesma sintonia, na mesma vibração e no mesmo sentido destroem a vida romantizada pelas catequistas dos sábados à tarde. Nem Deus, nem o destino, nem a sorte, nem ninguém. A vida não acontece por decreto. Somos galáxias diferentes de um universo infinito, mas não ordenado como esse que vimos nos livros didáticos. Somos uma infinita galáxia em eterno estado de caos. Do caos fez-se a ordem, diria algum texto sagrado. A gente só entende que a vida é o espaço entre o assopro e o apagar da vela quando já estamos a uma certa altura da vida e quando lemos Leminski. Por que tanto medo? Por que tanto silêncio? Por que tanto barulho desnecessário? Nem todos os dias são bons, ela me disse. Coloquei uma canção do Roberto. Ninguém ouve mais isso. Escrevi uma poesia ruim sobre a solidão e tomei uma garrafa inteira de chimarrão.

Uma das primeiras coisas que deveríamos aprender é que a vida não acontece por decreto e que o positivismo das redes sociais é canto da sereia. Nada é sólido. Instantes se desmancham no ar e se impregnam na alma. Nem todo dia é bom. Nem todo instante acaba. Alguns ficam pra sempre. Levamos conosco. Em alguns dias doem mais que os outros. Em outros nem tanto. E em alguns, quase nada. A vida não acontece por decreto.
*Cronista, de Marmeleiro

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