Em Francisco Beltrão, a remuneração média caiu acima da média do Paraná e o número de vínculos empregatícios também teve queda.

Por Niomar Pereira – É cada vez maior o número de pessoas que abre mão do emprego com carteira assinada para “trabalhar por conta própria”. É um movimento que se intensificou durante a pandemia. Muitas empresas tiveram que demitir em virtude da crise econômica, essas pessoas iniciaram atividades informais ou empreenderam e agora o mercado de trabalho tem vagas sobrando, mas não há candidatos suficientes.
Em Francisco Beltrão, por exemplo, diariamente a Agência do Trabalhador tem abertas, em média, 140 vagas de emprego para as mais variadas atividades. Um levantamento do Jornal de Beltrão indicou que, pelo menos 40 destas, não exigem experiência na função, muitas vezes nem sequer ensino superior, contudo, elas dificilmente são preenchidas.

Francisco Beltrão tem atraído grandes investimentos públicos e privados nos últimos anos e por isso há grande demanda por mão de obra, seja ela especializada ou não. “Algumas de nossas vagas se renovam quase todos os dias e o nosso objetivo é sempre zelar pelo nosso trabalhador e tentar colocá-lo no mercado de trabalho em uma oportunidade que valorize seus conhecimentos e habilidades”, comenta a gerente da Agência do Trabalhador, Noely Thomé. Apesar da dificuldade, no primeiro trimestre deste ano a Agência já encaminhou 784 pessoas para o mercado de trabalho.
Márcia Regiane Ramão, 36 anos, é natural de Francisco Beltrão e sempre trabalhou no comércio. Com mais de 16 anos de carteira assinada, durante a pandemia percebeu que precisava de mais tempo para si e sua família. Deixou o emprego fixo, abriu um MEI (Microempreendedor Individual) e não quer mais voltar para a vida de assalariada. Assim como ela, muitos outros trabalhadores estão seguindo o mesmo exemplo. Só nos três primeiros meses de 2022 já foram abertos 393 novos MEIs, mais do que todo o ano de 2021 (236).

Márcia, por exemplo, começou num grande supermercado da cidade, em seguida fez cursos e se tornou vendedora, sempre trabalhando com vendas internas em lojas. Veio então sua segunda gravidez, que fez ela repensar o ritmo de vida que estava levando. “Eu tive meu menino, que hoje tem 5 anos, e fiquei um ano em casa com ele. Depois disso, comecei a trabalhar numa loja do bairro, mas sempre com aquela sensação de que eu podia fazer algo a mais, só que a gente é criado para trabalhar para os outros né. Então sempre tem aquele medo, aquele receio.”
Márcia começou a ter problemas para conciliar o emprego e o cuidado com o filho. “O que me levou a sair do emprego foi o tempo, porque a última empresa que eu trabalhava era de segunda a sábado e eu não tinha tempo pra cuidar do meu filho, pra dar atenção, pra cuidar da casa, então a gente fica sempre naquela turbulência e, às vezes, o que a gente ganha não compensa.”
Márcia também é mãe de uma jovem, de 18 anos, e conta que aproveitou pouco a infância da filha. “Eu não vi ela crescer. Saía de casa ela estava dormindo e voltava já estava dormindo de novo. Então, isso é muito desgastante pra mãe, sabe?”
Início da pandemia
Márcia começou fazendo laços de cabelo. Não tinha nenhuma experiência com costura, mas foi aprendendo e, aos poucos, criando novos produtos. “Quando eu trabalhava nessa loja aprendi a montar árvore de Natal, fazer laço e aí que veio a minha ideia de fazer laço de cabelo.” Com a ajuda de uma sobrinha, as duas começaram a produzir e vender. Logo veio a pandemia e a demanda por máscaras cresceu. “Então a gente falou, vamos fazer máscara também. Ela (sobrinha) já tinha noção, então a gente se uniu e começou a fazer esse trabalho.”
Márcia abriu um MEI e começou sua empresa com R$ 160 de capital. Hoje, tem mais de R$ 20 mil em estoque e consegue plenamente manter suas despesas pessoais com a renda das vendas. Com o tempo, a sobrinha decidiu voltar a ter um emprego formal, mas Márcia se manteve firme no seu propósito. “Eu falei: não, eu quero continuar e eu vou continuar sempre perseverando.”
Além de laços e máscaras, ela começou a pesquisar e novos produtos foram surgindo como bodys customizados com o nome de crianças, roupa para crianças, roupinha para pets, calcinha bunda de rica, “que era uma coisa que não tinha mais aqui na cidade, que é uma calcinha cheia de fru-fru”.
A microempreendedora foi fazendo cursos on-line e se especializando cada vez mais. “A internet é uma ferramenta muito importante, que a gente aprende tudo que a gente quer lá, se a gente quiser.” Começar um negócio próprio não é fácil, principalmente para quem começa com pouco dinheiro. “Claro que muitas vezes a gente pensa em desistir, porque ser dono do próprio negócio nem sempre é fácil. Às vezes você tem a mercadoria, mas não tem a venda e tu precisa de dinheiro pra pagar as contas. Mas tem que perseverar.”
Apesar dos percalços, Márcia diz que está feliz. “Hoje eu consigo conciliar tudo. Tenho um ponto lá no calçadão [feira dos MEIs] que eu consigo trabalhar na quinta e no sábado e conheço muita gente assim. Sempre gostei de trabalhar com o público. Sempre falo pra quem tá insatisfeito no que faz que todo mundo tem um talento. As pessoas têm que descobrir mais os seus talentos e investir naquilo que gostam.”
Mercado de trabalho encolheu durante a pandemia
O mercado de trabalho encolheu em Francisco Beltrão durante os anos de pandemia. A remuneração média do trabalhador reduziu de R$ 2.742,30, em 2019, para R$ 2.496,46, em 2020, (-8,96%) e a quantidade de vínculos empregatícios no município caiu, no mesmo período, de 26.361 para 24.550 (-6,87%). Os dados fazem parte do Boletim Informativo de Conjuntura Econômica elaborado pela equipe da Unioeste de Francisco Beltrão, com base na RAIS (Relação Anual de Informações Sociais).
Segundo o qual, a queda do rendimento pode ser explicada principalmente pela queda de pessoas empregadas no setor de serviços, que apresenta a maior remuneração média. A queda de vínculos no setor serviços foi de 21,77% aproximadamente. Analisando os dados do Caged (Sistema do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), observa-se que em 2021 os vínculos ativos aumentaram, inclusive do setor de serviços, que pode indicar que a remuneração média tenha crescido, mas essa informação só estará disponível nos dados da RAIS.
Nessa de se reinventar, muita gente virou MEI
Francisco Beltrão tem atualmente 5.674 pessoas inscritas como MEIs. No Paraná são mais de 865 mil. Mas para a secretária municipal de Desenvolvimento Econômico, Liliana Andrade, o aumento dos MEIs não impacta imediatamente na redução de empregados com carteira assinada. “Até porque muitos microempreendedores também trabalham com registro em carteira. Acho que o próprio ambulante, o autônomo tem procurado se formalizar, já que até um tempo atrás ninguém procurava essa forma (MEI) de regularização.”
A secretária salienta que na pandemia muita gente foi desligada do emprego e quem tinha alguma habilidade com artesanato ou alimentação conseguiu se formalizar e construir uma nova renda.
“O que fez de fato muito isso daí foi a pandemia. A gente sabe do número de desligamentos que ocorreram neste período a nível nacional e que todo mundo teve que se reinventar, e nessa de se reinventar fez subir o número de microempreendedores”
Na opinião dela, há uma desburocratização maior para se formalizar e profissionais, como da construção civil, que no passado sequer pensavam em se formalizar, hoje têm mais acesso.
“A gente sabe da dificuldade, mas que também não é de hoje, de encontrar mão de obra qualificada. As empresas tentam encontrar um profissional mais técnico, mais esse profissional é um pouco mais difícil de se achar. É preciso formar essa mão de obra.”