Talvez o único consenso é que esta realidade “pegou todo mundo de surpresa”.

As salas de aula estão vazias, mas os alunos da rede estadual de ensino do Paraná continuam com atividades remotas, disponibilizadas pela Seed.
Fotos: Leandra Francischett/JdeB
As salas de aula estão vazias, mas os alunos da rede estadual de ensino continuam com atividades remotas. Qual a avaliação da Secretaria de Estado da Educação e do Esporte (Seed), do Núcleo Regional de Educação (NRE), dos professores, dos pais e dos estudantes? A reportagem apresenta o posicionamento de alguns dos envolvidos, para divulgar as diversas versões.
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A Seed, de acordo com a Agência Estadual de Notícias, divulgou nesta semana um balanço do Aula Paraná, programa de aulas não presenciais adotado em função da pandemia do novo coronavírus. Cinco ferramentas garantem a cobertura de 99,7% do Estado e o atendimento a mais de 1 milhão de alunos da rede estadual de ensino. As estratégias são a transmissão de videoaulas na TV aberta, o uso dos aplicativos Aula Paraná e Google Classroom, conteúdo disponibilizado também no YouTube, além da entrega de material impresso para aqueles alunos que não têm acesso às tecnologias.
Atualmente 97% dos professores estão presentes nas salas virtuais do Classroom, plataforma em que são ministradas as aulas. Todo o conteúdo já divulgado nas salas virtuais também foi disponibilizado em um site aberto (http://www.aulaparana.pr.gov.br) para que o aluno possa buscar conteúdos.
Aulas a distância: uma novidade
Para Wagno da Silva, diretor do Colégio Estadual do Campo de Vista Alegre, em Eneas Marques, as atividades não presenciais pegaram todos de surpresa. “Tivemos que sair de uma realidade presencial e passar para uma realidade não presencial, de um dia para o outro. Isso exigiu muita adaptação, dores de cabeça e um dos maiores problemas encontrados foi a falta de acessibilidade para alguns alunos, principalmente os que moram nas comunidades mais distantes, como nosso colégio, que fica no interior de Eneas Marques”. Diante disso, Wagno e pessoas da comunidade se mobilizaram para comprar um celular para uma das alunas do Colégio Vista Alegre.
Ele cita como dificuldades a falta de preparo técnico dos professores e da equipe pedagógica, bem como a instabilidade do sistema de aulas a distância proposto pelo Governo, mas acredita que, com o tempo, a situação está melhorando. “O que não se consegue melhorar é o acesso dos alunos das comunidades mais distantes. Neste sentido, as atividades impressas estão sendo distribuídas no colégio a cada 15 dias, junto com a merenda. Os alunos vêm, retiram as atividades, levam e aí fica uma falha, porque eles não têm um acompanhamento do professor e nem uma aula pela televisão ou pelo YouTube. Embora no nosso colégio, cerca de 80% dos alunos estão tendo acesso às aulas via Classroom”, acrescenta.
Wagno entende que não é o ideal, mas é uma questão para o momento. “Enquanto pedagogo, acredito que vai sim amenizar o impacto da falta de estudo presencial. Não vai suprir, de maneira alguma, mas vai amenizar. Então, o que estamos orientando nossos professores, que deem atividades não cansativas, adaptem essas questões também que estão vindo da rede estadual, porque quem conhece os alunos é o professor que estava com eles até pouco na sala.”
Dificuldades de acesso
Uma professora que prefere não se identificar tem opinião semelhante. Ela explica que a rotina do estudante da escola pública se divide em dois momentos: assistir as Aulas Paraná pelo aplicativo, pelo YouTube ou pela TV em canal aberto e acessar a plataforma do Google Classroom. “Todos os dias os estudantes são tomados por atividades. Um aluno que estuda no período da tarde, por exemplo, pode ter que assistir as cinco aulas pela manhã no Aula Paraná, que são ministradas por professores contratados pela Seed, e mais cinco aulas à tarde na plataforma. Eles ficam sabendo com antecedência que aula será, mas muitos não têm acesso à internet. Há famílias que têm apenas um celular para várias pessoas, não possuem computador, outras moram no interior, sem acesso à internet ou qualquer outra tecnologia que possam utilizar.”
Os professores também precisam assistir às Aulas Paraná e cumprem sua carga horária ficando disponíveis na plataforma Classroom, postando, corrigindo atividades e, às vezes, tirando dúvidas. “Digo às vezes porque na maioria das turmas, os alunos não conseguem nem acessar a plataforma, por diversos motivos, sendo que a presença é computada pelo acesso. A sobrecarga de trabalho tem sido intensa para os professores que não receberam formação para o uso de tecnologias digitais e que precisam se apoiar em tutoriais para aprender a trabalhar em ambiente virtual. Além disso, precisam utilizar os recursos tecnológicos próprios, os quais nem sempre são considerados ideais, e atender as demandas dos alunos quando precisam.
Para os alunos que, comprovadamente, não têm acesso à internet, a escola disponibiliza as atividades e existe um cronograma de entrega previamente divulgado. “No entanto, não temos percebido muito rendimento, os pais não conseguem acompanhar o estudo dos filhos, as Aulas Paraná às vezes coincidem com o momento em que eles têm que entrar na plataforma, além de que alguns alunos trabalham ou cuidam dos irmãos.”
Outro agravante é que alguns alunos do ensino médio só dizem bom dia para confirmar a frequência, copiam as respostas das atividades diretamente de sites da internet, enquanto que as turmas do fundamental pouco conseguem interagir. “Na minha opinião, esse sistema não é muito produtivo, somente tem sobrecarregado os pais, alunos e professores, além de não garantir o efetivo aprendizado por parte do aluno.”
Esta situação rende muitos questionamentos
Quanto tempo é o ideal para uma aula remota? Quantas atividades devem ser solicitadas? Quanto tempo cada atividade deve demandar do dia? Há estudos, mas nenhum responde a essas questões na totalidade.
Segundo a psicopedagoga Mayara Regina Pereira, a realidade vivenciada em tempos de Covid-19 aborda o debate sobre o uso saudável de eletrônicos na infância. “A educação escolar passou a ter a sua via de acesso nesses recursos, que tanto discutíamos em seus benefícios e prejuízos, porém muitas reflexões que até então estavam silenciadas na vida cotidiana vieram à tona. Práticas podem ser adotadas por parte da família e assim contribuir para uma efetividade durante um dia da vida de uma criança, afinal, a infância é um período crucial do desenvolvimento humano, pois nele se formam diversos hábitos que o indivíduo mantém ao longo de sua vida.”
Mayara sugere aos pais como prática o monitoramento do tempo, conteúdo e horário para essa exposição. “Usar conjuntamente em família, sob orientação, educação e favorecimento da potencialização de efeitos benéficos.”
Dificuldades na aprendizagem
Franciele Maliski, assim como muitos dos pais consultados, está tendo dificuldades nas aulas on-line e a própria filha, que está no 7º ano e tem 11 anos de idade, lamenta essa forma de aprendizado. “Está superdifícil aprender, principalmente Matemática, que, se você perder uma aula, não consegue ir pra frente”, diz Franciele.
Camila Da Rosa Vanin, mãe de uma aluna do 6º ano, acredita que, dentro do que é possível, o Estado está fazendo bem. “É o ideal? Na minha opinião, claro que não. Mas dentro do período atípico que estamos vivendo, não tenho o que reclamar das medidas tomadas. Minha filha não tem assistido às aulas. Estamos realizando as tarefas enviadas pelos professores, com minha supervisão — ainda que não total — e é isso. Acho que assistir às aulas e ainda fazer as tarefas é muito tempo demandado. Estou deixando-a dormir um pouco mais de manhã, chamando-a a participar mais das atividades da casa, aproveitando para outros aprendizados.”
Uma nova forma de aprendizado
Para Camila, diante das possibilidades, todos estão se esforçando. “A diretora e a coordenadora têm mandado mensagens quase diárias para o grupo dos pais, alertando sobre a importância de fazer as tarefas e, caso alguém não tenha acesso, que entre em contato com elas. Por outro lado, temos pais que não têm condições de dar suporte aos filhos.
Acredito que o processo ensino-aprendizagem se dá na escola, no convívio, na comunidade. Mas, infelizmente, não temos isso no momento. A aprendizagem não será a mesma de forma alguma.”
Logo que passe este momento, teremos a retomada dos estudos presenciais
Lurdinha Bertani*
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Em dois meses, muito aconteceu na Educação do nosso País, da mesma forma que no nosso Estado do Paraná. Ao perceber a necessidade de que não houvesse grandes prejuízos para os nossos alunos, assim como atender aos objetivos do isolamento social para o combate à transmissão do Coronavírus (Covid-19), a Secretaria de Estado da Educação e Esporte do Paraná (Seed) elaborou e organizou, em tempo recorde, um movimento para atender aos alunos com atividades remotas e não presenciais, ao qual deu o nome de Aula Paraná. Como a ação teria que ser imediata, é claro que houve percalços, como acesso às ferramentas, entendimento do formato das atividades, sinal de TV inexistente ou com problemas, entre outros. A questão é que, em pouco tempo, muito se teria que fazer, e assim aconteceu. Com o envolvimento de profissionais da educação nas escolas, com o apoio das famílias, a implantação e a interação de alunos, professores e pais, foi acontecendo gradativamente. Hoje, podemos dizer que ainda temos ajustes a serem feitos, mas o essencial é que nossos alunos têm, na grande maioria, acesso aos conteúdos e ao aprendizado numa metodologia diferente da que estávamos acostumados, mas que só acontece com a participação efetiva de discentes e docentes. Verificamos a cada dia o aumento da interação nas atividades e, embora saibamos que há dificuldades de compreensão para alguns — assim como também acontece em sala de aula –, é evidente que conteúdos que possam ficar fragilizados terão que ser retomados, porém, é assim a prática de muitos profissionais nos últimos anos. Confiamos, como sempre, que os profissionais nas escolas saberão abordar de forma que não haja prejuízos de conhecimento aos alunos. Logo que passe este momento, teremos a retomada dos estudos presenciais, com novos desafios e novas possibilidades. Assim como a escola é vida, a vida é uma escola, e precisamos aprender e nos aperfeiçoar para, de fato, propiciar uma educação de qualidade aos nossos estudantes, além de formar cidadãos íntegros e responsáveis.
*Lurdinha Bertani é chefe do Núcleo Regional de Educação de Francisco Beltrão.