Primeiras aulas foram em salas improvisadas e jovens que estudaram na escola hoje voltam como professores.

Quando centenas de famílias acamparam numa fazenda no interior de Francisco Beltrão, para tentar garantir um pedaço de chão, uma das primeiras ações foi garantir que as crianças continuassem os estudos. Era junho de 1996 e uma das casas da fazenda passou a ser utilizada como sala de aula improvisada. Assim nasceu a Escola Irmão Cirilo, que na última quinta-feira, 17, completou 25 anos de criação, com uma trajetória que se confunde com a história do Assentamento Missões.
“As famílias que vieram pra cá eram, em sua maioria, de filhos de agricultores vindos de várias comunidades rurais e muitos já tinham filhos também. Logo nas primeiras semanas, a gente já decidiu que era preciso que as crianças continuassem estudando, mesmo que fosse no acampamento”, conta Gelson Rosset, presidente da associação de moradores do Assentamento.
As cerca de 350 famílias que invadiram a fazenda —penhorada à União— se abrigaram em galpões de confinamento de gado. Uma casa de campo em frente ao lago foi escolhida para abrigar a escolinha. A diretora, Ivone Castoldi Griz, foi designada pela Secretaria de Educação para definir o início das aulas. “Fiquei um dia só organizando as séries, pois era preciso fazer um levantamento de quantas crianças tinham, a idade e de quais escolas vinham, pra fazer a transferência”, lembra.
O início foi improvisado: a retirada de uma parede entre os quartos da casa criou a primeira sala de aula e outros cômodos do imóvel também eram usados para as aulas e como refeitório. Professoras de outras escolas do campo passaram a ser chamadas para lecionar no acampamento e materiais eram levantados entre os moradores ou enviados pela Prefeitura. Com o tempo, a escola se formalizou e o número de alunos cresceu. Isso porque outras escolas de comunidades próximas eram fechadas e os estudantes encaminhados para o Assentamento, além da ampliação do ensino para até a antiga 8ª série.
Outras casas da comunidade passaram a ser ocupadas para as aulas e teve época em que a escola dividia espaço com a igreja. Para pressionar o município a construir novas salas, pais, alunos e professores fizeram um dia de aula em frente à Prefeitura. Em 2003, veio a nova estrutura, de alvenaria, utilizada até hoje. A escolha do nome da escola não foi difícil. Irmão Cirilo tinha uma relação próxima com a comunidade de assentados e a homenagem ao religioso foi feita ainda em vida. Hoje, a escola atende cerca de 110 alunos de 14 comunidades rurais e a Irmão Cirilo funciona na mesma estrutura do Colégio Paulo Freire, criado quando o Estado assumiu as séries finais.
Formação
Daniela Lorensetti chegou no acampamento com 4 anos e suas primeiras aulas foram na antiga casa improvisada. Hoje ela é educadora na escola que a formou. “Fiz todas as séries iniciais aqui, depois o ensino médio e a faculdade de Pedagogia na cidade, mas acabei voltando, porque aqui temos uma relação diferente com a escola e a comunidade”, diz. Além dela, outras quatro ex-alunas lecionam na Irmão Cirilo. A jovem Adriele Osowski trabalha como auxiliar de serviços gerais na escola e lembra com carinho de quando aprendeu a ler e escrever: “como não tinha carteira pra todo mundo, alguns alunos apoiavam os materiais nuns banquinhos que o pessoal daqui mesmo construiu e sentava no chão pra fazer as atividades”. Um dos diferenciais da escola, aliás, tem sido a participação dos pais nas ações e na vida escolar dos filhos.
Resgate
Do acampamento improvisado nasceu o assentamento, dando terra a 135 famílias e que hoje é uma referência em agricultura familiar e produção leiteira. Assim como a escola, os moradores também se estruturaram, mas passados 25 anos desde sua criação, a Irmão Cirilo agora quer se voltar mais para o contexto da comunidade que a fundou. “Estamos iniciando um processo de resgate daquela escola nascida em meio ao acampamento. Os alunos são fruto daqui, da terra, e precisam de um currículo que tenha esse enfoque do campo”, comenta Juliana Rodrigues, uma das coordenadoras pedagógicas.
Para isso, a escola está investindo em formação dos professores, reestruturando o projeto político-pedagógico e passou a ser denominada como escola do campo. Uma das iniciativas que a equipe quer resgatar é a criação da horta pelos alunos. “Esse processo é algo que vai sendo construído aos poucos, demora anos e envolve toda a comunidade escolar”, pondera Juliana.