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Francisco Beltrão
quarta-feira, 28 de maio de 2025

Edição 8.214

29/05/2025

Que rumo está tomando a educação médica?

O JdeB quis saber a opinião de um professor universitário de Medicina com experiência.

Dr. Diogo Kussakawa é ortopedista pediátrico do COB (Centro Ortopédico Beltronense).

Foto: Assessoria

Muitas mudanças estão acontecendo nos cursos de Medicina pelo Brasil. Em Francisco Beltrão, essa transformação não é diferente. Até onde a tecnologia pode ajudar no ensino desse curso?
O JdeB fez esse questionamento para o dr. Diogo Kussakawa, ortopedista pediátrico, sócio-proprietário do COB (Centro Ortopédico Beltronense) e professor do curso de Medicina da Unioeste de Francisco Beltrão.

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JdeB – Que rumo que está tomando a educação médica?
Dr. Diogo – Eu tenho que te dizer o seguinte: talvez a gente tenha que dividir essa conversa em níveis. Tem um nível aí que é mais político, social, que tem relação com essa expansão das faculdades médicas aqui, no Brasil, e não é só no Brasil, a gente tem visto faculdades na Argentina, na Bolívia, no Paraguai, e essas faculdades, apesar de não darem um diploma pra trabalhar no Brasil, são uma espécie de ponte que você pode fazer, entre uma formação médica e o trabalho no Brasil, através de instituições privadas, de provas que você pode fazer para adquirir um diploma aqui. Talvez seja uma maneira mais fácil de você fazer um curso de medicina, porque o vestibular aqui é um pouco afunilado, só passam sempre os melhores. Às vezes, as pessoas vão buscar alternativas em outros países, pra conseguir um diploma de médico e isso está gerando um problema sério de muitas pessoas trabalhando, pra pouca demanda, até tem uma demanda aumentada em algumas regiões do País, mas não aqui na nossa região. Então, eu acho que aqui a gente tem um atendimento muito bom, se for comparar com outras localidades, até aqui mesmo dentro do Paraná, a região Sudoeste está muito bem servida. Mas a gente tem essa preocupação, que se estão vindo mais pessoas, que a qualificação está ruim, e que o atendimento fique ruim, esse é o grande problema. A classe médica está vendo isso como uma preocupação, porque você está formando pessoas nas faculdades privadas, as públicas, todas as faculdades estão formando profissionais com uma qualidade, não tão boa, como deveria ser, e quem vai sofrer é a população. Mas os gestores de saúde não estão preocupados se você é um médico bom ou se é médio, tão preocupados se você vai cobrar caro ou barato, e isso acaba, também, dando um prejuízo pra profissão no achatamento dos honorários. A classe médica está vendo isso como uma preocupação. Em relação à educação, a gente está mais preocupado ainda, porque tem faculdades de medicina, em cidades pequenas, que o cara tem 100, 120 vagas, e um curso de medicina, hoje, está (custando) em média de 7, 8 mil reais. Então, a pessoa não está tão preocupada com qualidade. Às vezes ela está preocupada com o bolso dela. O cara que tem uma faculdade quer lucro, ele consegue tirar 30, 40 milhões num ano, dependendo da qualidade de alunos, ele consegue até mais que isso. Esse é o rumo que está tomando a educação, muito comercial e superficial, não é um problema de agora, não de governos petistas, é uma coisa que está vindo já há muito tempo, desde o Fernando Henrique, houve uma abertura desenfreada de escolas médicas, e isso que está modificando o panorama.

Em alguns aspectos, é bom, porque você tem uma pressão pra que a medicina se reorganize e você ocupe espaços que não eram ocupados. Então, tem muita gente que é carente e está tendo acesso à medicina agora, mas aí a qualidade da medicina que essas pessoas estão tendo acesso nem sempre é a melhor. É claro que, às vezes, a gente analisa que a qualidade é custo, pra você ter qualidade na medicina, muitas vezes você precisa de exames, precisa de uma série de centros cirúrgicos bons, hospitais bons. Claro que é a medicina do possível que está sendo feita agora, o cara vai lá no interior, é atendido por um médico que não tem nenhum recurso, mas pelo menos está sendo atendido. Nesse sentido, eu vejo que ainda não é ruim, mas às vezes é um caso lá que “será que nós realmente estamos salvando vidas, com essa medicina de baixa qualidade?”.

Está gerando números?
Exato. A classe, como um todo, está vendo isso com maus olhos, e eu não vejo que seja tão ruim você ter mais profissionais. A concorrência é importante, ela vai fazer com que a medicina crie novas alternativas, mas a gente tem que focar em melhorar a qualidade da educação e não deixar médicos mal formados entrarem no mercado pra corromper o atendimento das pessoas. Eu acho que isso é o primeiro nível assim, é um nível Brasil mesmo.

Outra coisa que eu acho que está muito ruim é a informação rápida; está tão acelerada que acaba que os cursos de medicina estão sendo muito pequenos pra se aprender tudo. O que acontece: você achata todo o conteúdo de medicina em seis anos e aí tem anos com 15 matérias, aí o cara tem que focar nas mais difíceis pra poder passar, e mais simples não passa ou não dá ênfase. Ele vai ter que fazer algumas escolhas, priorizar em questão a algumas outras, senão ele não vai conseguir viver, ele vai só estudar, 24 horas, pra poder cumprir todo o conteúdo. Então a organização curricular, nós temos um pecado, eu acho que nesse ponto é uma falha do Governo Federal que não está enxergando muito bem isso, ou até eles têm propostas que são razoáveis, mas na realidade atual das escolas elas são inatingíveis. As universidades não têm uma reflexão, porque os professores de medicina, que são quem lidera essa parte da organização, que poderiam contribuir, mas não se interessam muito pelos assuntos da educação. Eles querem dar aula só, e essa organização ninguém quer fazer. Os próprios professores nem sempre dão aula pensando no que é mais prático, no que é mais comum, como que é a necessidade do aluno pro curso geral de medicina. Às vezes o cara é um especialista extremo, ele quer dar uma aula da especialidade dele, e aí o cara tem que aprender conteúdos que só o especialista vai ver, então acho que tem algumas articulações desses fatores que fazem com que a organização do currículo não seja muito boa.

E você falou antes: que quem está aprendendo medicina também está aprendendo uma forma nova de atuar, que é mais como uma troca com os pacientes, não mais o vertical que era igual antigamente. Como que você avalia isso?
Acho que isso não é uma coisa que se aprende em teoria, na observação prática do movimento com o professor. Nosso professor já adota essa rotina de ter uma orientação mais aproximada, dando opções, debatendo o tratamento e aí, eu acho que o aluno acaba aprendendo também. Não acho que isso seja uma coisa que você consiga ensinar na teoria. Assim como ética médica, eu não vejo como você ensinar ética sem ser na prática, sem ser no atendimento.

Existem éticas de vários níveis. Tem a ética do “bom dia”, isso é agradável para as pessoas, e tem a ética médica mesmo, um relacionamento que você tem que ser mais honesto, todos os valores. Eu acho que o aluno tem que aprender bastante essa parte de honestidade, humildade, de comunicação horizontal, esse eixo ético aí. Nada que se aprenda teoricamente, e sim com o exemplo que o professor dá.

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