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Francisco Beltrão
sexta-feira, 30 de maio de 2025

Edição 8.216

31/05/2025

”A Covid-19 lembrou que a vida acontece no aqui e agora”

Psicólogas da Clínica Íntegra explicam cuidados e sinais de alerta para manutenção da saúde mental durante a pandemia: “É preciso estar atento”.

A chegada da pandemia trouxe incontáveis mudanças na vida das pessoas ao redor do mundo. De repente, rotinas foram impactadas e mudadas bruscamente e, diante dessa ruptura do que era a “vida normal”, surgiu uma outra preocupação: como manter a saúde mental em um cenário tão novo e incerto?

Se de um lado houve quem criou uma apatia à doença, outros se tornaram mais preocupados e temerosos. Quadros que, muitas vezes, podem mostrar um problema mais profundo e que acendem um sinal de alerta. “É preciso estar atento a mudanças comportamentais, principalmente sua intensidade e frequência, como, por exemplo, comportamentos de irritabilidade, comportamentos ansiosos, comportamentos depressivos mais frequentes e intensos. Comportamentos de apatia, desinteresse, medo, preocupações excessivas também são sinais de alerta. Ao perceber, tanto em si quanto em pessoas próximas, é preciso buscar auxílio de profissionais competentes”, destacam as psicólogas Gabriela Kuchinski e Beatriz Rigo, que junto das psicólogas Aline Bonetti e Everline Bedin fazem parte da Clínica Íntegra, de Francisco Beltrão.

Nesta entrevista à Revista Gente do Sul, elas explicam quais são os fatores de risco e como estar atento a si mesmo para manter a saúde mental em tempos de pandemia.

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Gente do Sul: Devido à pandemia, passamos a ficar mais isolados. Como esse fator pode desequilibrar a saúde mental e o que pode ser feito para se cuidar nesse momento em que estamos “mais sozinhos”?
Beatriz Rigo: Somos seres sociais, precisamos estar conectados com nossos pares, com a nossa sociedade, ou seja, é difícil vivermos sozinhos, e o isolamento social fez com que passássemos mais tempo com nós mesmos e menos com os outros. Para muitas pessoas, esse comportamento trouxe sofrimento, angústias, ansiedade e tristezas, por não ter mais a sua rotina, ter que lidar com a frustração de planos que precisaram ser adiados, a distância dos amigos e familiares, enfim, tantas contingências novas e desafiadoras ocuparam o lugar da zona de conforto de cada um. Este contexto também nos aproxima de nossas particularidades e nos impede de nos esquivarmos de nossas próprias limitações, por nossas possibilidades de desvio de atenção estarem limitadas, sendo necessário enfrentar aquelas características que reconhecemos, ou não, como desafiadoras e prejudiciais.

Profissionais do Samu já relataram que passaram a atender mais casos de crise de ansiedade devido à pandemia. Enfermeiros da linha de frente também observaram que algumas pessoas que chegam com “falta de ar”, na verdade, também estão em crise ansiosa. Como evitar essa situação e o que fazer caso tenha alguma?
Beatriz: É importante destacar que a ansiedade é uma emoção, todos nós a sentimos em algum momento da nossa vida. O fator de alerta passa a ser quando essa ansiedade torna-se patológica, ou seja, um transtorno de ansiedade. É nesses casos que ocorrem as crises de ansiedade, nos quais a pessoa vivencia a falta de ar, taquicardia, dor no peito, pensamentos de preocupação constante, entre outros sintomas fisiológicos. Indivíduos que possuem algum transtorno de ansiedade devem estar em psicoterapia e, em alguns casos, dependendo da frequência e intensidade, é necessário também o acompanhamento psiquiátrico e a medicação. A partir do momento em que você sente que a ansiedade está atrapalhando ou impedindo algumas questões na sua vida, essa é a hora de procurar o atendimento psicológico. Reconhecendo que sintomas ansiosos encontram-se presentes e acentuados em grande parte da população, tanto pela brusca mudança de rotina como pela insegurança e medo de contrair a Covid-19, é de extrema importância que durante o dia existam atividades que sejam fonte de prazer para cada indivíduo, que sejam reforçadoras e estimulantes, que os horários de trabalho, para os que estão em home office, sejam delimitados impedindo que se crie uma tensão ainda maior em relação ao não conseguir separar o momento de trabalho do de lazer.

O aumento do suicídio é uma preocupação neste período?
Beatriz: Sim. As pesquisas sobre a temática, infelizmente, apontam o aumento de casos no segundo semestre de todos os anos. Como forma de prevenir, existe a campanha do Setembro Amarelo, que tem como objetivo a valorização da vida, levando informações sobre o tema. O isolamento social pode ser um gatilho para os indivíduos que apresentam a depressão e os comportamentos de ideação ou tentativas suicidas. Por isso, o acompanhamento psicológico nestes casos é imprescindível.

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Quais são os sinais de alerta que as pessoas precisam observar em si e também nas pessoas que convivem para evitar o adoecimento mental?
Gabriela Kuchinski: É preciso estar atento a mudanças comportamentais, principalmente sua intensidade e frequência, como, por exemplo, comportamentos de irritabilidade, comportamentos ansiosos, comportamentos depressivos mais frequentes e intensos. Comportamentos de apatia, desinteresse, medo, preocupações excessivas também são sinais de alerta. Ao perceber, tanto em si quanto em pessoas próximas, mudanças que afetem o desempenho diário, de maneira disfuncional, tanto profissional quanto pessoal, é preciso buscar auxílio de profissionais competentes. É preciso olhar com mais atenção para a sua saúde mental.

Outros quadros deste momento são o comportamento negacionista (“não, não há pandemia”) e o estado paranoico (“não posso sair de casa nem para levar o lixo”). Como cada um deles se manifesta, o que os potencializa e o que fazer quando se percebe estar se comportando dessa maneira?
Gabriela: Muitas pessoas estão se esquivando da pandemia, agindo como se ela não existisse ou que o vírus não tivesse importância. É necessário destacar que, em muitos desses casos, os indivíduos não conseguem lidar com a possibilidade de entrar em contato com a realidade de uma pandemia, por isso apresentam esses comportamentos de esquiva, pois estar em contato com essa realidade pode ser muito doloroso. Em outros casos, o medo do contágio é tão intenso que o ser humano não se sente confortável a realizar pequenas atividades, como levar o lixo. É nessas situações que o medo se torna uma ansiedade patológica, é quando o indivíduo deixa de realizar atividades que precisa, por medo. Nesses casos, o ideal é iniciar um processo psicoterapêutico para conseguir lidar com essas novas contingências.

Quais outras situações que podem vir com a pandemia vocês têm observado?
Gabriela: Os transtornos de ansiedade e depressão são os que mais estão surgindo como demanda na atuação clínica. Casos como queixa de comportamentos de frustração perante a realidade e os planos que haviam sido feitos, e como a pandemia os interrompeu, também estão presentes. Indivíduos que já estavam em psicoterapia por algum desses motivos apresentaram um aumento na intensidade sobre essas queixas. Muitos também perceberam a pandemia como uma oportunidade para iniciar o processo terapêutico. Acredito que a Covid-19 lembrou que a vida acontece no aqui e agora, ou seja, algumas pessoas que estavam adiando esse início deram uma oportunidade para o autoconhecimento.

De forma geral, o que se deve fazer nesse período para se manter com saúde mental equilibrada? Exercícios físicos e um hobbie podem ajudar?
Gabriela: É importante tentar manter uma rotina para conseguir realizar as tarefas necessárias, como o trabalho e os estudos. As práticas de autocuidado também auxiliam na promoção de saúde mental. Nesse sentido, encaixam-se os exercícios físicos, fazer uma atividade que gosta, seja assistir um filme ou ler livros, manter contato com os amigos e familiares, dedicar um tempo para si mesmo, enfim, são inúmeras as possibilidades de atividades que podem ajudar na manutenção do bem-estar e da saúde mental. Esse momento de isolamento social pode ser uma oportunidade para descobrir o que te faz bem.

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