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Francisco Beltrão
sexta-feira, 30 de maio de 2025

Edição 8.215

30/05/2025

A tragédia do naufrágio da balsa no Rio Iguaçu completa 47 anos

Morreu muita gente.

 

Por Marcos Witeck*

          “O Brasil inteiro sofreu acompanhando as notícias do trágico afundamento da balsa que fazia a travessia do Iguaçu, entre os municípios de Dois Vizinhos e Quedas do Iguaçu… O drama das famílias dos vitimados, a dor e angústia que viveram todos os que acompanharam o desenrolar dos acontecimentos”… Assim, o Jornal “Correio da Imprensa”,  jornalista responsável Luiz A. N. Fernandes, dava início a mais longa reportagem e relatando o dia a dia do resgate da tragédia que se tem conhecimento a respeito do maior acidente ocorrido no Sudoeste do Paraná. Realmente, a notícia repercutiu no país, chocou a população do Distrito de Foz do Chopim e região. 

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              No mês de setembro, completa 47 anos do naufrágio da “Balsa Vitoria” da empresa Andreis, de propriedade de Atílio Toniazzo, no Rio Iguaçu; fazia a travessia do rio ligando os municípios de Dois Vizinhos a Quedas do Iguaçu, na localidade de Foz do Chopim. No momento do acidente a balsa estava do lado de Quedas do Iguaçu e faria a última viagem do dia em direção ao lado de Dois Vizinhos, pois a noite se aproximava e o rio encontrava-se muito cheio, devido à constante chuva dos dias anteriores. A população local lembra vagamente dos detalhes do maior acidente ocorrido no Rio Iguaçu. Muitos sobreviventes e famílias das vítimas fatais deixaram a comunidade, depois da conclusão das Usinas Júlio de Mesquita Filho, no Rio Chopim, e de Salto Osório, no Rio Iguaçu.

      “Eu trabalhava em Cornélio Procópio, quando fiquei sabendo do naufrágio da balsa, através do plantão de noticias da Rede Tupi, que interrompeu a novela “Mulheres de Areia” para noticiar a tragédia ocorrida no rio Iguaçu, na comunidade da Foz do chopim.  O que me impressionou foi quando retornei a Foz do Chopim, a quantia de pessoas  vestindo roupas pretas”– afirma Vilson Andrejov, que viera passar o natal com os seus pais. “Recordo ter ouvido a clássica música do plantão de notícias do “Seu Reporte Esso”, logo após o programa Voz do Brasil ou do Projeto Minerva, em seguida a notícia sobre o naufrágio da balsa no Rio Iguaçu, isso, quando morávamos ainda no Rio Grande do Sul” – afirma Marcos, que veio a conhecer o local da tragédia em dezembro de 1976.

         Passaram-se 47 anos e o povo guarda na memória o triste ocorrido no final de tarde de quarta feira, 19 de setembro de 1973, onde se perderam submergidos, juntamente com os dois caminhões caçamba Mercedes Benz de propriedade de Darci Mario Fantin, que tinham por motorista Valdir Nicolodi, casado, 28 anos, e Antônio Rodrigues (o Negão), casado, 35 anos, e um caminhão Chevrolet de propriedade da empresa Nodari, carregado de bebidas, conduzido por Valdemar Duarte, 43 anos, um dos sobreviventes, um ônibus da empresa Cattani, com 22 pessoas, dos quais três crianças, e o motorista Altamir Paz da Silva e o cobrador, se salvaram, havia um carro de aluguel/Táxi, de placa LP-0326 de Quedas do Iguaçu, marca Aero Willys Itamaraty de propriedade do senhor Germano Artur Busteimann, 48 anos, um dos sobreviventes, com duas passageiras, e dezenas de pessoas, trabalhadores da Usina Hidroelétrica de Salto Osório. “Perdi meu carro, mas cumpri com meu dever de solidariedade humana, consegui salvar cinco pessoas, entre elas as duas passageiras”, confirma Germano. Os feridos foram atendidos no hospital do canteiro de obras da Usina de Salto Osório, em Quedas do Iguaçu. A escuridão, a largura do rio e a violência das águas se misturavam aos gritos de pânico e lamentos e, sobre as águas, o aceno desesperado de mãos pedindo por socorro, chapéus e capacetes descendo rio abaixo.            

               A ocorrência foi assustadora e horrível para os que dela participaram. E quando chega a informação do naufrágio na vila de Foz do Chopim, correria e gritos nas ruas, principalmente das esposas dos trabalhadores na barragem de Salto Osório. O clima era de pânico, revolta e desolação! Uma multidão de pessoas se dirigiu ao local do acidente. Era um tumulto, um desespero, havia um isolamento no local, pra evitar  do povo cair na água. Familiares das vítimas gritavam e estavam aos prantos em busca de informações. “Lembro que, logo após a balsa afundar, um menino de bicicleta veio correndo me avisar. Fui até o porto e vi que não podia fazer nada. Estava tudo escuro. Então, vim avisar o prefeito Ervelino Coletti  e as autoridades”, lembra Ladir Pacce que era soldado da Polícia Militar em Foz do Chopim. Mais de uma centena de pessoas estavam sobre a balsa. Era hora dos trabalhadores regressarem de Salto Osório, horário da passagem do ônibus da empresa Cattani, que fazia a linha de Dois Vizinhos a Laranjeiras do Sul, inclusive estava sendo aguardado pelos balseiros. Este trajeto era feito em estradas de chão esburacada e empoeirada. O ônibus era a principal condução das pessoas, já que havia poucos carros na região.

Na margem do Rio Iguaçu, multidão foi ver o resgate dos corpos.

 

        “Eu estava em casa quando fui informado pelo policial Pacce. Em seguida, convoquei meu secretário de obras o senhor Leonel Cazella, nos dirigimos ao local da tragédia que estava escuro e o rio muito cheio. Naquela noite nada conseguimos, apenas tentávamos acalmar as famílias e acomodar as pessoas no alojamento da Copel. Fiquei três dias, depois por quinze dias ficou meu secretário, acompanhando e dando assistência ao pessoal. Recebi do senhor bispo dom Agostino José Sartori uma carta escrita de próprio punho, manifestando a sua solidariedade e profunda consternação ao ocorrido. Dali uns dias viajei a Palmas e fiz uma solicitação ao senhor bispo, que designasse pra comunidade de Foz do Chopim irmãs religiosas para acalentar, confortar e acompanhar as famílias aflitas pelo incidente”– relata  Ervelino Coletti, que havia assumido o cargo de prefeito naquele ano. O prefeito da época Pedro Alcides Giraldi do município de Quedas do Iguaçu rapidamente criou uma comissão de assistência no resgate dos corpos e dos desaparecidos, e assistência a parentes e no que mais fosse necessário naquele momento terrível.  “Em setembro de 1973, Dom Agostinho sentindo amor e carinho pela população, pediu junto à superiora geral, Irmã Anna de Mattos Castilho, uma comunidade religiosa que assumisse o trabalho de Pastoral junto à comunidade de Foz do Chopim”– assim descreve a Ir Marinês, em seu relatório de trabalho que deixou nos arquivos da Capela São Cristóvão. No livro Tombo I da Paróquia Nossa Senhora de Fátima de Cruzeiro do Iguaçu, página 10v, encontramos a seguinte anotação: “Dia, 9 de março de 1974, chegam as irmãs Franciscanas do Coração de Maria, para trabalharem em Chopim Dois. Foram recebidas com foguetes e pela criançada e o povo do Chopim com muita alegria e entusiasmo”. Elas permaneceram na comunidade até o final do ano 1996, quando  transferiram de residência para Cruzeiro do Iguaçu.

               Quantos morreram? Não há dados oficiais sobre vítimas fatais. Isso ninguém pode afirmar ao certo. As opiniões a respeito continuam contraditórias. “Entreguei, no local do acidente, numa só vez 31 caixões, todo o meu estoque, a pedido da Eletrosul. Mas, também, havia a Copel, as empresas acompanhando os trabalhos de resgate”, afirma  seu Claudino Luís Dalbosco, proprietário da funerária Dalbosco & Cia Ltda, a única  em Quedas do Iguaçu.

A manchete do Jornal do Brasil, do dia 22 de setembro, afirma que “Homens-rãs tentam resgatar 27 corpos desaparecidos no Iguaçu”, e ao final da reportagem do jornalista Paulo Roberto Marins, traz a relação dos nomes dos desaparecidos. A população contesta a versão oficial da Defesa Civil de 37 mortos e do levantamento realizado pela Igreja Católica, que constatou a morte de 45 pessoas e 40 teriam conseguido se salvar, segundo a afirmação do pároco padre Natalício José Weschenfelder, que esteve acompanhando o resgate e confortando com palavras amigas as famílias atingidas pela tragédia. O povo, no entanto, continua afirmando que o número de mortos e desaparecidos supera a casa de 100 pessoas que morreram afogadas ou esmagadas.

                Os dias posteriores à tragédia foram de intensa dor e tristeza. Chegou-se a instalar um necrotério às margens do rio para identificação de corpos e exames de praxe, dado ao estado de decomposição dos mesmos. Foi resgatado um corpo, encontrado em Marmelândia, a dezenas de quilômetros do local do acidente, identificado como sendo de Odair Tadeu Teixeira.  “Uns culpavam os balseiros, outros a ponte que caíra e não fora reconstruída”, afirma Pacce. Nenhuma família das vítimas fatais e nem sobreviventes receberam indenização da empresa que mantinha a balsa.

                 Alguns anos depois, coube a Osvanir Saggin, funcionário da empresa Cattani, que se dirigiu ao local do acidente na mesma noite, fazer o pagamento às famílias atingidas, a indenização que veio do seguro. “Morreram oito passageiros identificados que estavam no ônibus”– afirma Osvanir, que trabalhou por trinta anos na empresa. As demais que estão recebendo, enfrentaram um martírio de 18 meses, precisaram providenciar toda a documentação e enfrentar a morosidade dos órgãos públicos. Não há informação de ações judiciais impetradas pelas famílias das vítimas contra a empresa. As únicas ações judiciais foram as do Tribunal Marítimo no Rio de Janeiro e da Comarca de Laranjeira do Sul.

                No dia seguinte ao naufrágio o proprietário da balsa, Atílio Toniazzo, procurou o advogado Nereu Carlos Massignan para defendê-lo no processo que foi aberto no Tribunal Marítimo. O desfecho do caso, para o advogado e para o proprietário da balsa, foi um sucesso. O resultado do julgamento do processo foi que houve “força maior”(invasão de gente sobre a balsa), que isentou o proprietário de culpa, eximindo o Atílio de responsabilidade. “Para mim foi um dos casos mais desafiadores da minha carreira como advogado!”, diz Nereu Massignan.

                  Na comarca de Laranjeiras do Sul, tramitou processo criminal que denunciava os funcionários da balsa, contendo mais de 242 páginas, processando os funcionários Domingos Bonamigo e Ezelino Polese, que estavam  trabalhando no dia do acidente. Mas a Promotoria Pública solicitou a extinção da punibilidade dos responsáveis do naufrágio da balsa sobre o Rio Iguaçu, em Foz do Chopim, ao Juiz Manoel Sebastião Silveira Filho, que acatou o pedido em 17 de janeiro de 1984. A Promotoria Pública alegou que o naufrágio havia ocorrido há mais de dez anos, o que pesou na decisão do juiz, que determinou a prescrição do processo, declarando extinta a punibilidade em conformidade com os artigos 107 e 109 e seus incisos IV, do Código Penal Brasileiro.                        

                 O acidente inspirou música que fala do sofrimento das famílias que perderam parentes e amigos. Os irmãos Davi de Coronel Vivida gravaram a música “Cruz na Praia”, abordando o assunto do naufrágio, que teve o crivo da censura do governo militar.  Em 1977, a dupla sertaneja Erotides de Souza Costa e Inácio Rodrigo de Morais, do conjunto “Os Pistoleiros do Sul d’ Oeste”, gravou seu primeiro LP, contendo uma música, que fez muito sucesso na época, falando do naufrágio da balsa e do sofrimento das famílias. Quatro meses após o lançamento do LP, em julho de 1978, esta música foi vencedora do Festival Arizona de Violeiros, promovido pela Rádio Celinauta de Pato Branco. “Fazíamos show e éramos conhecidos por causa da música”, afirma Inácio Rodrigo de Morais.

                   Em qualquer show que a dupla de Eneas Marques fosse, as pessoas pediam para tocar a música que falava do naufrágio da balsa. “Muitas pessoas choravam ao ouvir a melodia na época em que o LP foi lançado”, afirma Albino Casarotto. As duas mil cópias do LP foram vendidas em pouco tempo. Erotides de Souza Costa, compositor da letra “Naufrágio da Balsa”, tinha amigos que morreram no acidente. A música fala da tragédia, pede o consolo de Deus às vítimas fatais e aos familiares. Há famílias que ainda guardam o LP como uma das poucas relíquias da tragédia, como é o caso de Albino Casarotto: “Cada vez que leio me emociono, a ponto de chorar”. Odete Bertol, que perdeu seu pai no naufrágio da balsa, e guarda uma certa quantidade de recortes de jornais da época que falam do ocorrido no Rio Iguaçu.

                        Quarenta e sete anos se passaram do naufrágio da balsa no Rio Iguaçu, na localidade de Foz do Chopim, distrito de Cruzeiro do Iguaçu. Há famílias que ainda guardam o LP, fotografias, recortes de jornais, como relíquias da tragédia.  Os nossos sentimentos de saudades às pessoas que partiram “engolidas” pelas águas do Iguaçu, hoje, submersa pelo lago de Salto Caxias, que também encobriu a usina hidroelétrica Júlio de Mesquita Filho.  Que os pecados de omissão e pressa sejam lavadas pelas águas sagradas do Rio Iguaçu. 

*Marcos Geraldo Witeck é ex-vereador, ex-secretário de Educação, professor de História, ex-diretor do Colégio Estadual Dr. Arnaldo Busato, Ensino Fundamental e Médio, de Cruzeiro do Iguaçu, formado em Filosofia, UPF, pós-graduado em História do Brasil-Revolução Federalista; Revolta dos Posseiros no Sudoeste do Paraná e Pedagogia Escolar. Membro fundador do Centro de Letras de Francisco Beltrão.

 

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