Aumento do dólar não significa que o Brasil esteja vivendo uma crise cambial.
Na semana passada, a população brasileira viu a cotação do dólar superar os R$ 4,20, a maior alta desde que o Plano Real entrou em vigor, em 1994. Depois da impressionante escalada, a moeda recuou e está na casa dos R$ 4. A preocupação dos economistas é que essa valorização deverá impactar na inflação, principalmente com os mais pobres. Nos últimos 12 meses, os grupos familiares que ganham até 2,5 salários mínimos (R$ 1.970,00) conviveram com uma inflação de 10,4%, acima da média da população, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
De acordo com o economista José Maria Ramos, a desvalorização do Real não significa que o país viva uma situação de crise cambial, uma vez que o volume das reservas brasileiras é superior a 370 bilhões de dólares. “O que se pode dizer é que o mercado está fazendo um ajuste na cotação do dólar, a partir da sinalização do próprio governo. Esse ajuste demorou demais para ocorrer, por isso essa forte queda do Real.”
Ele observa que a significativa desvalorização do real frente ao dólar nas últimas semanas decorre da especulação do mercado financeiro, da nova política cambial adotada pelo Banco Central do Brasil e ainda dos problemas de ordem política que afetam o Governo Federal.
Salienta ainda que a moeda brasileira estava valorizada e isso trouxe alguns problemas à economia como, por exemplo, para a balança comercial, em 2014 teve um deficit de 3,930 bilhões de dólares, pior resultado desde 1998. “Essa situação provoca um desajuste no balanço de pagamentos do país, provoca uma concorrência mais acirrada com produtos importados; reduz a competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional, que pode provocar perdas de postos de trabalho nos setores exportadores.”
Por outro lado, a vantagem do Real valorizado é a possibilidade de viagens e compras internacionais, redução de passivos (dívidas) em dólares e a oportunidade de fazer investimentos que demandem algum tipo de importação de máquinas e equipamentos ou matéria-prima.
Uns ganham, outros perdem
O empresário Roberto Flavio Pécoits afirma que o impacto do aumento do dólar será sentido por todos os agentes econômicos, uns para melhor e outros para pior. “No turismo o choque é direto, favorecendo o turismo interno e prejudicando, e muito, os passeios para o exterior. Na indústria o impacto no custo também é muito grande, pois se importa muita matéria-prima, sem dúvida, no momento econômico em que estamos é jogar gasolina na fogueira da inflação. Para o agronegócio é um belíssimo incentivo no momento de baixa internacional dos preços agrícolas.”
Pécoits diz que perde quem tem contas a pagar em dólares – importadores – e ganha o agronegócio – exportadores em geral. Na avaliação dele, o dólar alto vai afetar em muito toda a população, pois a retomada do crescimento fica postergada, sem data, aumentando a crise econômica. Em virtude das incertezas políticas e econômicas, Pécoits salienta que é difícil ocorrer uma estabilização da taxa de câmbio.

Desvalorização rápida
O economista explica que a desvalorização do real já vinha sendo sinalizada pelo Banco Central, diante da possibilidade de aumento dos juros do FED (Banco Central dos EUA), que pode gerar significativas mudanças no comportamento de investidores, ou seja, migração de investidores no Brasil para os EUA, gerando fuga de dólares. E o próprio problema da balança comercial brasileira, que precisa reverter seus deficits. “Contudo, o que ninguém esperava é que a desvalorização fosse tão forte e rápida. Com isso, me atrevo a dizer que o mercado financeiro prevendo dias difíceis para o governo, com chamada ´pauta-bomba´ no Congresso Nacional, que aumenta as despesas do governo, justamente no momento em que há uma necessidade urgente de equilibrar contas nacionais, se aproveitou da situação para especular e derrubar o valor do real.”
Quem ganha?
Basicamente o setor exportador de commodities (minério de ferro, grãos, carnes; alguns manufaturados como automóveis entre outros). Com o aumento das exportações, o país melhora sua situação na balança comercial, porém, de outro lado, implica no aumento do passivo (dívidas) em dólares. E para as empresas que têm dívidas em dólares a desvalorização do real significa um aumento da sua dívida.
Câmbio para o agronegócio
Para o engenheiro agrônomo Eugênio Stefanelo, mestre em Economia Rural, o dólar em alta, embora traga mais inflação, beneficia o agronegócio que exporta bastante. O setor representa 46% do total das exportações do Brasil. “Este câmbio favorece os produtores e os exportadores de uma forma geral, apesar de aumentar o custo das importações, dos fertilizantes e dos agrotóxicos.”
Conforme o engenheiro, a taxa de câmbio está fazendo com que os preços para os produtores de soja e milho fiquem muito bons, na soja atingido R$ 85 a saca e no milho R$ 36,50 a saca. Até no caso do trigo, em que o dólar alto aumenta o custo do produto importado, os produtores estão conseguindo vender por preço mínimo, o que antes estava mais baixo. “A suinocultura e avicultura têm aumentado a produção. Neste ano, a produção de suínos está com uma margem muito boa, a avicultura está com uma margem um pouco menor, mas ambos estão com margens e o câmbio tem favorecido fundamentalmente a exportação dos dois produtos.”
Contudo, pelas informações do agrônomo, o produtor de leite está com uma margem mais estreita, fruto do acréscimo do custo de produção. “O que a gente ressalta é que os produtores deveriam fazer uma venda parcelada da produção, inclusive, fazer algumas vendas antecipadas para aproveitar este bom momento do câmbio. Devem ficar muito atentos ao custo, racionalizando de uma forma em geral, porque o aumento do câmbio encarece o custo dos fertilizantes e dos agrotóxicos.”

Impacto no dia a dia
O economista José Maria afirma que, no dia a dia do brasileiro, o reflexo do aumento do dólar será para aqueles que precisam ou querem comprar dólares para viagens internacionais e também para os demais que consomem produtos que contêm componentes importados, como é caso do pãozinho de cada dia, pois o Brasil precisa importar praticamente a metade de todo o trigo que consome. “Vale destacar o cenário do setor de eletroeletrônicos que perdeu incentivos fiscais (Lei 13.137/2015, que eleva o Pis/Pasep de 1,6% para 2,1% e a Cofins de 7,6% para 9,65%), e com essa desvalorização do Real implicará em aumentos de preços”, cita o economista.
Na opinião dele, a aposta do governo é que as empresas não conseguirão repassar todo o aumento ao consumidor (reduzindo o impacto sobre a inflação), que já está com sua capacidade de consumo comprometida, com salário já corroído pela inflação e contas a pagar, além de juros elevados, ou seja, espera-se que as empresas revejam suas margens de lucro. “E a esperança é que quando o Banco Central americano elevar os juros nos EUA, o real não sofrerá nova desvalorização, o jeito é esperar para ver.”
