Genética, ambiente e formação emocional são fatores de risco para dependência.
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Na Índia, os adultos consomem bebidas alcóolicas reservadamente, para não dar o “exemplo” para as crianças. Já no Brasil, elas fazem parte dos eventos sociais, até mesmo de festas infantis.
“Temos uma questão cultural muito forte. Tem uma notícia de um jornal de Minas Gerais que eu gosto muito, falava: ‘Acessível, disponível e legalizado’. Este é o resumo do porquê o álcool é tão presente nas nossas vidas, na nossa sociedade”, comenta dra. Rafaela Pavan, psiquiatra.
O alcoolismo é uma doença, corresponde ao CID F10, no qual se caracteriza desde o uso abusivo eventual até a dependência. Não existe tratamento específico, pois cada paciente vai ser avaliado individualmente. De acordo com dra. Rafaela, há um tripé nas causas do álcool: questão genética, ambiente e formação emocional.
“Genética é fator de risco e não determinante. Eu tenho um fator de risco chamado genética, mas eu tenho um ambiente que me favorece, se eu cresço numa casa onde o consumo de álcool é normal, onde é ofertado às crianças achando que é engraçado — porque tem muito isso, antigamente as crianças pequenas estavam nascendo dentinhos e passavam na bebida mais destilada para amortecer —, será que eu não estava estimulando? Porque a gente sabe os efeitos deletérios do álcool, eles não são a curto prazo, numa intoxicação eventual eu vou ter um efeito momentâneo, mas eu não sei que grau vai atingir a longo prazo.”
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Além disso, muitas vezes, não há doenças de base para a dependência, mas personalidades, ou seja, a estrutura psicológica do indivíduo, como um adolescente mais tímido ou ansioso que apresenta maior tendência, pelo efeito relaxante do álcool. “Eu tenho um sintoma inicial de consumo de álcool, a intoxicação leve, porque é uma intoxicação, eu vou ter um relaxamento, só que a pessoa fica mantendo o consumo, aí que eu vou entrar então numa fase de euforia. Ainda tem a terceira etapa: a depressão do sistema nervoso central, que é onde começa a perda de controle motor, podendo evoluir até um coma. O problema é: quanto leva para isso? Depende de pessoa para pessoa, depende do organismo, depende se se alimentou, se tem alguma doença ou outra de base, como é o metabolismo, depende de genética.”
Tem remédio?
A dependência química não tem tratamentos específicos, o que se faz é tratar a doença de base. “Quando encontro um paciente que eu percebo que tem sintomas mais ansiosos ou mais depressivos, talvez eu vou levar para algum antidepressivo que tem uma ação em ansiedade. De imediato, a gente precisa usar medicações que protejam esse paciente de fazer uma convulsão, por exemplo, porque as lesões do álcool e abstinência podem causar convulsões. Às vezes, usamos anticonvulsivantes e muitas vezes usamos benzodiazepínicos, porque eles têm uma ligação semelhante ao álcool em alguns receptores cerebrais, dando uma estabilidade para que não tenha perda brusca dessa substância. Então, eu faço uma similaridade, em vez de um consumo livre, eu tenho um consumo controlado, que me permite avaliar o paciente. A gente entra com uma dose de suporte e depois faz o desmame. Tratamos essa questão de base.”
Dra. Rafaela acrescenta que existem outras medicações para controle de impulso, porque, em geral, o paciente dependente químico tem uma questão de não se controlar na presença da substância. “Às vezes, recomendamos internamento para um paciente que entrou em abstinência e que está legal. Lembrando que internamento não é a primeira escolha, internação é uma situação que a gente deixa reservada para quando o paciente realmente não consegue, com o controle ambulatorial, fazer nem redução e nem a suspensão do consumo.”
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Quando o paciente sai de uma internação ou consegue ambulatorialmente com consultas fazer o controle do consumo e suspensão, preferencialmente, há tratamentos com antidepressivos, ansiolíticos, benzodiazepínicos, anticonvulsivantes e medicações que tiram a sensação de prazer do álcool. “Vai ensinando para o cérebro que não tem aquele efeito mais e aí tende a diminuir, a gente faz um retreinamento do cérebro. São medicações sempre feitas com consentimento do paciente.”
É importante também evitar os ambientes em que se consumia o álcool, por causa das memórias dos outros sentidos, como a do cheiro. “O olfato tem muita ligação com memórias primitivas, então a gente consegue acessar uma memória de maneira quase inconsciente, só de sentir o cheiro de alguma coisa.”
A melhor forma de evitar é não consumir
É possível evitar a dependência? É possível e o item principal é não consumir. “O ideal seria não se expor ao risco, porque não se sabe quem vai ficar dependente. A gente sempre solicita assim: se vai consumir e existe motivo para a gente impedir o consumo de álcool antes dos 18 anos, se pensar neurologicamente, o ideal seria até os 25, porque a maturação cerebral conclui por volta dos 25 anos, eu não posso te impedir legalmente depois dos 18, mas eu posso te explicar os fatores, tem que lembrar disso: primeira dose é livre escolha, depois disso talvez não seja mais.”
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Casos de internação
Quanto à internação de dependentes químicos, o ideal é que o paciente entenda seu quadro e possa participar dessa decisão. “Quando eu tenho isso, eu tenho a participação dele também no tratamento, porque ele tentou. Só que, quando esse paciente está no quadro muito avançado, a gente pega paciente que não tem mais percepção de realidade, às vezes com demência alcoólica, pacientes jovens, de 45, 50 anos com demência alcoólica avançada, perdendo a referência de tempo e espaço. É bem complicado, porque não se enxerga em risco e não se vê como dano.”
Nesses casos, a família pode, sim, solicitar a internação involuntária. “O que a gente costuma fazer é que a família registre em cartório esse desejo, em que ela explica que o paciente está adoecido e não tem condições de tomar decisão, então eles solicitam e é como se delegássemos o poder à família de tomar essa decisão.”
A internação compulsória, feita por via judicial, trata-se de um paciente que se apresenta em um quadro repetitivo de consumo de álcool com perda de consciência, com perda de controle dos seus atos, cometendo pequenos delitos ou crimes de maneira repetitiva, que gerou um processo e o Ministério Público solicita internação para tratamento, porque o paciente não entende a necessidade e/ou a família não concorda ou não quer participar desse processo. “É bastante grave, porque a gente entende que esse paciente está realmente sozinho.”
Francisco Beltrão conta com o apoio do Caps AD 2 para atendimento de pessoas com dependência, localizado na Rua Minas Gerais, 844. Bairro Alvorada. Fone: (46) 3524 3619.