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domingo, 25 de maio de 2025

Edição 8.211

24/05/2025

Além da aquarela: a arte de tecer palavras em Cruzeiro do Iguaçu

Do pioneirismo à educação, a lacuna cultural preenchida por Otávio Castilhos, Frank Antonio Mezzomo e Leonilde Vieira dos Santos

Seu Castilhos e Marcos Whitek. A foto foi tirada pelo genro Valdir Felipe.

Bruna Bertoldo | Jornalista – Universidade do Vale do Itajaí (Univali)
Apesar da aquarela de cores tão marcantes, nem só de paisagens — que se perdem no horizonte — se satisfaz a vida do povo daquele antigo vilarejo. Combinados com o entusiasmo de um pioneirismo sustentado em raízes, além da agricultura, da pecuária e do comércio local, uma lacuna cultural também é preenchida pelos cruzeirenses: a escrita. Uma arte, uma profissão, um talento ou um hobby? Seja qual for a definição, sem dúvida tecer as palavras e costurá-las ao ponto de transmitir as mais variadas sensações por meio da imaginação, com certeza é uma tarefa de muita garra e determinação, características inigualáveis do povo daquela terra.

Um dos personagens responsáveis por preencher esta lacuna cultural é o escritor e poeta Otávio Castilhos. Natural de Lagoa Vermelha, no Rio Grande do Sul, o gaúcho nasceu na virada do outono para o inverno do ano de 1931, herdando o dom do escritor, diplomata e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, autor da obra Canaã, Graça Aranha, que faleceu 146 dias antes de seu nascimento.

Coincidência ou não, a produção literária iniciou somente em março de 2003, aos 72 anos de idade. Após casar-se com Idovina Spenazzatto Castilhos e mudar para Dois Vizinhos em 1962, o filho de Natália Júlia Castilhos vendeu a propriedade e estabeleceu-se, mesmo sem nenhuma experiência no setor, como comerciante em Cruzeiro do Iguaçu, na década de 70.

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A mesma década também foi marcada pelo nascimento do escritor, professor e doutor em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina Frank Antonio Mezzomo. Cruzeirense nato, Frank nasceu na Sexta-Feira da Paixão de Cristo de 74, dia 12 de abril. Dois anos depois, mais precisamente no distrito de Foz do Chopim, nasceu outra personagem que, em alguns anos, contribuiria com esta lacuna cultural. Filha de Jurema, Leonilde Vieira dos Santos viveu do dia 7 de julho de 1997 até seus dez anos na comunidade de Linha Vachim, antes de sua família se mudar para Dois Vizinhos.

Já Frank Mezzomo entrou para o seminário São João Maria Vianney, em 1988, e terminou os estudos do segundo grau no Colégio Dom Carlos, em Palmas, há 200 quilômetros de sua cidade natal. Além da distância de casa, o que resultava em duas visitas ao ano e cartas com imensa demora para chegar ao destino, a experiência do ex-seminarista também incluiu o trabalho duro, pouco conforto e alimentação racionada, o que o faz acreditar que a tal experiência “era para os vocacionados um teste de confiança na providência, e para os descrentes ou pouco persistentes, um convite para o retorno definitivo para a casa familiar”.

A infância do filho mais velho da família Mezzomo foi marcada por afazeres comuns daquela época e daquele lugar: carpir lote, roçar beiras de estradas da propriedade familiar, tratar os animais — bovinos, suínos e demais ruminantes.

Professora Leonilda, atualmente é diretora do Departamento de Supervisão Pedagógica do Ensino Fundamental e Educação Especial.

No período desprovido de compromissos escolares, Frank trabalhava no “boião”, nas colheitas de grãos como soja, milho e feijão e até mesmo com carregamento de frangos nos aviários da região. Além destas, faziam parte da rotina as tarefas domésticas e a limpeza da Igreja Matriz, na época de responsabilidade de sua mãe, bem como as brincadeiras de criança: bodoque de borracha de pneu de bicicleta, tomar banho de sanga e jogar bola.

No ano em que os brasileiros viveram o auge da hiperinflação — que alcançou 2.500% —, 1993, o fundador da cadeira 40 da Academia Mourãoense de Letras ingressou na Filosofia, em Toledo, na Universidade Estadual do Paraná. Enquanto o anúncio do sucesso na primeira clonagem de um mamífero a partir de uma célula adulta — caso da Ovelha Dolly — e a trágica morte da princesa Diana e também da “Mãe dos Pobres”, Madre Teresa de Calcutá, tomaram conta das notícias mundiais, Frank conclui também uma especialização lato sensu em Marechal Cândido Rondon, em 1997. O mestrado veio logo no final do século 20, entre os anos 1998 e 2000, em Florianópolis e se cumpriu graças a uma bolsa recebida do Governo Federal, que o sustentou na época. Entre estudos e fatos históricos, o escritor casou-se com Maristela, com quem reside em Campo Mourão e tem uma filha, a Sophie Luiza. Em 2002, o Editor da Revista Nupem e líder do grupo de pesquisa Cultura e Relações de Poder lançou seu primeiro livro: “Religião, nomos e eu-topia: práxis do catolicismo no Oeste do Paraná”.

A essa altura do campeonato, tanto na roça, quanto na cidade, Seu Castilhos — como é popularmente conhecido no município — passou por momentos difíceis ao lado de sua esposa e os filhos do casal, principalmente quando teve sua casa consumida pelo fogo, também em 2002. Coincidência ou não, a gratidão pelo empenho dos filhos e da comunidade em ajudá-lo a reconstruir sua morada fez com que seu Castilhos colocasse em prática seu dom: em março de 2003, dois meses antes do falecimento da companheira Idovina, Otávio publicou seu primeiro livro: “Ainda Te Encontrei”.

 

Entre idas e vindas, enquanto Leonilde cursava o magistério, em 2004, a pedagoga apaixonada por literatura infantil reescreveu a história de Chapeuzinho Vermelho para apresentar um trabalho teatral. Simultaneamente, Frank Mezzomo fez seu doutorado morando no Paraná e trabalhando cerca de 40 horas por semana. E logo após o início desta etapa, em 2006, Frank ingressou, via concurso público, na então Faculdade de Ciências e Letras de Campo Mourão (Fecilcam), hoje Universidade Estadual do Paraná (Unespar).

Enquanto isso, seu Castilhos continuou a escrever poemas que transmitem esperança e motivação, além de palavras que envolvem religião. Para ele, a escrita foi um dom que Deus lhe deu e que, mesmo tendo estudado, na época somente até a 6ª série, o fazia com muito amor. De lá para cá, foram mais quatro livros: “Três Corações”, “Revelação Divina”, “Aliança do Coração de Jesus” e “A Capelinha”. Outros livros publicados por Frank Mezzomo foram “Memórias dos movimentos sociais no Oeste do Paraná: Gernote Kirinus, Adriano van de Ven e Werner Fuchs”, no ano do avanço da gripe suína, em 2009, e “In Uno Spiritu: bispo e sociedade; Igreja e conflitos sociais”, em 2012.

A reescrita da obra Chapeuzinho Vermelho fez tanto sucesso que, em 2015, a pedagoga graduada em Letras (português, inglês e

Doutor Frank Antonio Mezzomo. professor da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), campus Campo Mourão.

espanhol), com especialização em Educação Especial e Inclusiva e também em Alfabetização e Linguagem e Literatura Infantil, a atual a diretora do Departamento de Supervisão Pedagógica de Ensino Fundamental e Educação Especial publicou o livro “Chapeuzinho Rosa e o Lobo Bom”. De acordo com a professora, concursada há sete anos no município, “através da leitura e da contação de histórias é possível construir uma ponte para a formação de leitores”.

Atualmente, além das aulas na graduação e na pós-graduação, Frank Mezzomo desenvolve pesquisas acadêmicas sobre política, eleições, religião e trajetória biográfica. Nessas pesquisas, segundo ele, busca compreender como a sociedade contemporânea, em particular a brasileira, tem se posicionado e articulado energias e ações em torno de pautas que tocam as noções de cidadania, de moralidade, de Estado e democracia. “São pesquisas […] que procuram dialogar com as teorias do campo das ciências sociais, a fim de entender nossa contemporaneidade, tão marcada pela polarização de emoções e racionalidades”. Dentre os próximos projetos está a biografia do primeiro bispo de Campo Mourão, dom Elizeu Simões Mendes.

Seu Otávio Castilhos, apesar de lúcido e saudável aos 89 anos de idade, já não transmite mais a devoção pela escrita, mas as obras ainda estão presentes em seus discursos.

Seja poema, bibliografia, pesquisa científica, literatura infantil ou até mesmo texto jornalístico, desde que a matéria-prima seja a linguagem e a inspiração seja aquela aquarela de cores tão marcantes daquele antigo vilarejo, após um fato — real ou fictício — nos restam as lembranças e interpretações.

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