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Francisco Beltrão
quarta-feira, 04 de junho de 2025

Edição 8.219

05/06/2025

Arion Cavalheiro: As melhores lembranças da minha infância são aquelas ao lado do meu avô (Júlio Assis Cavalheiro)

Arion talvez seja o neto que mais conviveu com o avô Júlio Assis Cavalheiro. Seu pai, Arion, era o filho mais velho e também foi quem mais conviveu com Júlio Assis.
Arion Júnior herdou do pai o cartório, onde ele exibe com orgulho relíquias do avô, como o título de cidadão honorário de Francisco Beltrão e o chapéu de pano que o avô usava.
Quando Arion começa a falar do avô, não há espaço para perguntas. Foi o que aconteceu ontem, nesta gravação especial para lembrar os 100 anos do nascimento de Júlio Assis Cavalheiro.

JdeB – Como era a rotina de vocês naquele tempo?
Arion Cavalheiro – A família inteira passava, finais de semana, os feriados, sempre lá na fazenda do vô. O pai adorava ir pra lá, passava um dia de descanso sempre na Fazenda Jaracatiá, mas mesmo assim durante os dias de semana sempre que o vô vinha pra Francisco Beltrão, e ele vinha seguidamente, sempre com o carro do Marcon, que era o motorista do meu vô, o Marcon, ele vinha pra Beltrão fazer as coisinhas dele, e ficava esperando no final de tarde quando saía da escola, ele tomava uma café aqui em casa com a mãe e com o pai e ficava esperando eu  voltar da escola, ficava esperando e, quando eu voltava, eu ia com ele pra fazenda. Então eu convivi muito com o vô, me criei dentro da Fazenda Jaracatiá e tenho as melhores lembranças da minha infância, ao lado do meu avô. Ele me ensinava a vacinar o gado, quando eu fiz seis anos de idade ele me deu meu primeiro cavalo, o Pampa. É meu primeiro cavalo, filho do Mancha. Tinha o Mancha que era o cavalo dele e o Pampa que era o meu; quando nasceu, ele me deu. Era um cavalo bonito assim, sabe, mareado de branco, as manchas marrom e tal, andava com ele por toda fazenda com o gado leiteiro, andava pelo chiqueirão, ele me ensinava como é que fazia, de madrugada nasciam os leitãozinhos, eu ia lá com ele e ele me ensinava como é que fazia e tal, no chiquerão, pra gente fazer o parto. Também uma lembrança gostosa que eu tenho, pela manhã cedo a Julieta me acordava, quase seis horas da manhã, com o leite tirado direto da vaca, num potão, com Nescau, ela sabia que eu gostava de Nescau, tirava o leite da vaca direto e levava pra mesa. Eu acordava daquele jeito, tomava aquele leitinho recém-tirado da vaca, aquela espuma branca, então eu tenho uma lembrança bonita, aquela coisa gostosa. O meu vô era uma pessoa, assim, extremamente querida e carinhosa com as pessoas, ele tinha carinho por todo mundo que o cercava, que o rodeava. Ele fazia questão de, quando falava com as pessoas, olhar pras pessoas, dar atenção pras pessoas. O café da manhã lá na fazenda às seis horas da manhã era com todos os peões, juntos ali, ele jantava com todo mundo lá naquela mesa perto de onde tinha o fogão a lenha, alí e a gente tomava o café da manhã; o café da manhã, na verdade, era aquele virado de feijão, aquele torresmo, era ovo. Porque ao sair daqui a gente ia pra invernada, ía a cavalo com ele, eu num cavalo, ele noutro, o Volnei que era quem encabeçava os peões, pra separar o gado e tal, e ver como é que estavam as coisas da fazenda e tal. Então é uma lembrança maravilhosa que eu tenho, e a gente ia, o pessoal ia separando o gado na frente, e o vô na verdade ia só acompanhando, e eu ia junto, a gente ia só vendo, e ele ia contando, mesmo em cima do cavalo, eu num e ele noutro, ele ia falando, me dando muitos conselhos. O vô, a forma dele dar conselhos era muito interessante, porque se ele sabia que a gente tinha feito alguma traquinagem, coisa que não era bem daquele jeito que tinha que ser, ele dava exemplos, não dizendo daquilo que a gente tinha feito, ele dava exemplo que, “olha, você sabe, conheceu aquele compadre do vô assim, pois é, ele tinha um netinho e o netinho dele, bah, ele fez isso, daí não deu muito certo, daí aconteceu tal coisa”. E aquilo servia de recado, né, e a gente sabia que era pra nós, mas ele nunca dizia que era eu que tinha feito, ou que era o Wilsinho, meu primo, ou era sei lá, minhas irmãs, seja quem for também, ele só dava o recado. Ele nunca disse assim: “Olha, isso daqui que você fez tá errado”. Ele sempre usava um exemplo, mesmo que não tenha feito, mas ele inventava que tinha feito, só pra dar aquela história pra gente, pra nunca mais fazer aquilo, mesmo que não tinha feito, ele pensava que a gente ia fazer aquilo um dia, ele já inventava uma história e passava o recado pra gente não fazer. Ele sempre sentava com a gente na varanda, tomando o café no bule, o café no bule a gente já deixava pronto, café, leite e açúcar e ele tomava aquele café, e aquela varanda dele era uma delícia, porque ali ele recebia todo mundo, enquanto a gente ficava na casa do vô, eu não conseguia ficar, eu e o vô, não existia isso, porque lá não parava de chegar pessoas. Durante o dia inteiro as pessoas chegavam, uns chegavam, outros saíam, e as pessoas já sabiam, e às vezes eles faziam almoço, mas nós estamos aqui em seis, oito, eles faziam comida pra vinte, trinta. Mas pra que tanta comida? Mas é que vem, alguém vem almoçar comigo, sempre tem um ou outro que vem almoçar comigo. E realmente, as pessoas nem avisavam que iam, porque já sabiam que ele estava esperando. Ele tinha os compadres dele, inúmeros compadres, eu nunca vi uma pessoa ter tantos afilhados: “ó esse é meu afilhado, esse é meu afilhado” e na cidade, ele era padrinho de todo mundo, e os afilhados, compadres, amigos que passavam por ali iam almoçar ou tomar o café da tarde ou jantar com ele, pediam um pouso, os que vinham de fora sempre pediam um pouso pra ele, ele sempre tinha um quarto a mais preparado pra receber as pessoas, então a casa do vô nunca foi vazia, ou só com a família, sempre tinha os amigos dele, e os amigos dele faziam parte da vida dele, isso pra ele significava muito, acho que é por isso que eu valorizo tanto a amizade, acho que isso vem lá do meu avô, porque eu tenho, até falo, os amigos, pra mim, sem os amigos na minha vida não é completa, eles formam realmente aquele contexto da vida, e eu acho que eu aprendi isso bastante com o meu avô, na minha casa eu gosto de fazer comida e estar com os meus amigos em volta, receber pessoas, é o meu maior prazer, e eu acho que isso foi daquela infância que, vendo tudo aquilo e aquela alegria das pessoas em volta, talvez fui aprendendo a gostar, e a conviver com tudo aquilo e a respeitar, aprender a respeitar os amigos, aprender a respeitar as pessoas e esse amor pela família que o vô sempre teve. O vô sempre foi aquela galinha chova que colocava os filhos debaixo das asas e ia trazendo os netos, as noras e tal, ele gostava de todo mundo próximo. Esse espírito do vô eu carrego até hoje e todos nós carregamos, não é um privilégio meu ou de outro da família, sempre foi de todo mundo. Claro que cada um do seu jeito mas tenho certeza que todos absorveram isso, e esse espírito de família e convivência na sociedade, eu conheço inúmeras pessoas, mas com esse carinho que ele tinha, eu nunca vi ninguém. Era uma pessoa de sentar e esquecer do tempo só conversando contigo, ele dedicava o tempo às pessoas né, ele podia ter outra coisa pra fazer ali, mas ele ficava conversando com você, ele ía te dar atenção cem por cento, nada desviava a atenção dele, a não ser os contos dele. Quando começava a contar uma história  pra gente, ele nunca contava a história dele em dois ou três dias, aquela história demorava, mas olha. Até a minha irmã, a Luciana, ela sempre fala: “Mas é bem neto do seu Júlio, mesmo”, porque eu começo a contar uma história e dou uma volta imensa, daí ela fala “vamo, conta, home..”. Daí entra papo no meio, entra papo e eu  dou aquela volta, “mas é neto do seu Júlio mesmo”, porque ele começava a contar uma coisa pra gente e tinha uma vaca lá mancando, meio sozinha, ele parava, olhava – e ele tinha um palitinho na boca, acho que por causa da diabetes – e dava uma mexida naquele palitinho e “ó, Julieta, vai lá ver o que tá acontecendo com aquela vaca lá em cima, lá em cima, manda ver o que tá acontecendo com aquela vaca lá em cima. Bom, mas daí, como eu tava falando…”

JdeB – Ele gostava de contar histórias…
Arion – Ele gostava, daí ele retomava a história dele e, de repente: “Ô Julieta, traz um bolinho pra gente comer aqui, faz aquele bolinho de chuva, nem tá chovendo, mas faz um bolinho pra nós, bastante açúcar e canela, põe bastante, e daí então…”. Ele falava: “Ô neguinha, acabou a água do chimarrão, traz mais água pro chimarrão aqui, mas e daí…”, “ô compadre, chega aqui”… O compadre vinha e ficava duas horas conversando com o compadre e depois ele voltava na história. “Então, meu filho, a gente parou aqui, então vamos continuar..”, e ficava naquelas conversas, e era uma delícia conversar com ele, era uma pessoa, meu Deus, eu me emociono demais quando eu lembro de ver o vô assim terminadinho, aquilo me machucou muito porque fazia parte do meu dia a dia, e quando eu fui embora pra Curitiba, eu vinha e passava as férias, ficava dez, vinte dias, ficava na fazenda, eu gostava de entregar leite, ele perguntava o que eu queria ser quando eu crescer, e eu falava que queria ser leiteiro, entregar leite, nas casas ali em volta. Aquele espírito assim de tempo de convivência com a natureza, de convivência com os amigos, eu sinto até hoje o cheirinho, tem coisa que me lembra muito, pelo cheiro, do vô, era uma característica, muito família, aquilo ali agregava, eu tenho uma grande lembrança dele assim, é um sentimento que todos nós da família, dos amigos, temos por ele, eu que convivi bastante tempo aqui com ele, o Julinho (Júlio Assis Cavalheiro Neto, filho de Chico e Vanda) que conviveu bastante com ele também, que foram os netos que mais tiveram perto aqui com ele, os demais já moravam em Londrina ou em Curitiba, mas eu e o Julinho já, as duas meninas também a Lilian e a Cristiane Juliane, também ficaram aqui bastante tempo com o vô, mas eu tinha mais aquele negócio de querer dormir lá, de querer ficar mais perto dele e são lembranças da infância que eu nunca vou esquecer. E o maior aprendizado eram as histórias dele, os causos, que ele dava exemplo dos outros, mas era pra gente, um puxão de orelha na gente ou não, de contar alguma coisa pra você nunca fazer errado, não só quando a gente tinha errado ele falava, ele orientava, ele sempre dava exemplos de que acontecia com alguém, pois é, a conclusão dele era uma boa ideia, “ó o que aconteceu lá com ele, não deu certo”, desse jeitinho dele, era muito gostoso. Sei lá, eu aprendia respeitar demais o meu avô, uma pessoa que merecia a maior consideração e respeito, tanto é que eu homenageei as pessoas mais importantes da minha vida, eu homenageei com o nome dele que eu dei pro meu filho. Um sentimento muito bonito assim e um orgulho por saber tudo que ele fez, tudo que ele pensou e construiu sem estudo, sem condições, que o vô era um tropeiro, uma pessoa que morava em casa, em chão batido, tudo, as paredes de madeira que ele pregava; ele sofreu muito na vida, o vô é o símbolo mais representativo do índio brasileiro, ele era aqui, bugrão, o gaúcho campeiro, e o vô tem muito disso, tudo que ele passou, que ele imaginava na cabeça dele, esse espírito de construir uma cidade, é bonito demais. Depois, muita injustiça que ele sofreu, sofreu calado, passou por muita coisa que as pessoas falavam, que ele não era de falar, às vezes a verdade dele não aparecia, mas mesmo assim as pessoas sempre respeitavam, sempre admiravam, mesmo as pessoas que eram adversárias politicamente, isso ele frisava pra mim, ele dizia: “Não, é meu amigo, não, é meu amigo”. Daí eu perguntava mas como? “Não, é que a gente pensa diferente politicamente, mas é, nesse período aqui, a gente não se encontra, mas depois é meu amigo”. E ele considerava, e assim as pessoas também o consideravam. Claro, dava algumas confusões que foram mal interpretadas, mas quem o conhece sabe que ele realmente  nunca participou disso, e nunca foi cúmplice, as coisas aconteceram e quando aconteceu, que foi da Revolta (em 1957),  foi uma coisa assim desenfreada, não tinha como segurar, não era nem ele nem ninguém, que ia conseguir segurar, da forma que foi feita. Ele se sentiu muito magoado, humilhado com a situação do obelisco (monumento para Júlio Assis Cavalheiro que havia na Praça Virmond Suplicy e que foi derrubado dia 11 de outubro de 1957), o pai sempre comentou e o tio Chico também sempre comentou, que era uma coisa bem marcante pra ele, a derrubada do obelisco. Com essa história toda, foi difícil ele ficar em Beltrão, essa história vocês sabem bem, mas eu não sei contar essa história porque eu não vivi, eu só sei porque o pai contava, mas os momentos que eu passei ao lado do meu avô foram os melhores momento da minha vida; eu tenho um carinho muito grande e tenho uma dor muito grande, foi ver o vô sofrendo, na policlínica, um ano antes dele falecer, ele passou por maus momentos, ele delirava, e naqueles delírios ele lembrava de toda aquela história que se passou, aquilo me machucou muito porque eu escutava os delírios dele, e ele falava “cuidado, compadre, se protege”, “óia, tão vindo, vão matar a gente”, “venha, filho, venha, venha, cadê o meu filho, cadê?” Isso ele falava, e isso foi.. quer dizer, o subconsciente dele falando, então era a pura verdade, ele tava fora de si e falando essas coisas,  “pega, pega, muito sangue…” Isso machucou muito quem gostava dele, até que veio o resultado, por aqueles dias, e foi o dr. Candinho, e chorou muito, sabe, e o vô olhou pra ele e “ô, compadre”, foi o único momento que ele reconheceu, e ele chorou muito, então essas coisas marcaram bastante a vida da gente

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JdeB –  E a história da origem do nome da avenida?
Arion – Uma vez ele falou: “Você sabe, meu filho, porque que a avenida tem meu nome?” Não, eu disse. Daí aquela volta que ele vai dando, mas ele contou: É que aqui eram dois candidatos, e Beltrão não era município, e quando Beltrão foi pra município ainda não tinha nome, era Marrecas, e tinha dois candidatos a prefeito, um era o dr. Rubens (Martins) e outro era o (Ricieri) Cella, e daí o dr. Rubens era o meu candidato, e o Cella era o bonitão, e o dr. Rubens inventou de falar que se ele fosse prefeito de Beltrão, ele ia fazer uma homenagem pra mim, porque como já existia Mariópolis que era uma homenagem ao Mário Fontana, o nome desta cidade só poderia ser Juliópolis, em homenagem ao Júlio, e aqui era pra ser Juliópolis, e ele falou isso na campanha, e quando saiu o resultado, ele perdeu, e o primeiro ato do prefeito era dar o nome do município, e como o dr. Rubens já tinha falado que ia fazer isso, daí o Cella que era adversário político, foi lá e deu o nome de Francisco Beltrão, e ele ficou 50 e poucos dias na prefeitura, quando houve a recontagem e daí o Rubens assumiu, ele tava querendo mudar o nome da cidade, mas não dava, o decreto já tinha sido assinado, então ele falou: “Vou fazer uma outra homenagem pro compadre Júlio, vou dar o nome da principal avenida com o nome dele”. A história era assim, se o dr. Rubens tivesse ganhado na primeira contagem o nome da cidade teria sido de Juliópolis, isso ele me contou lá naquela época. E o dr Rubens era padrinho da minha irmã do meio, a Suzana, ele e a dra. Diva (esposa do dr. Rubens, ela também era médica) que são padrinhos da minha irmã, então a gente conviveu muito com o dr. Rubens, eram pessoas assim do dia a dia da nossa casa. E tem essa história bem curiosa, do nome da cidade.

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