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Francisco Beltrão
quarta-feira, 04 de junho de 2025

Edição 8.219

05/06/2025

Arnildo Schwingel: Como viver em paz, mesmo entre adversários

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Arnildo Schwingel nasceu em Concórdia (SC) dia 15 de julho de 1928. Mudou-se para Salgado Filho em 1954 (na época, Barracão), instalando a primeira madeireira do município. Casou-se com Ilga Schwingel, com quem teve cinco filhos. Em 1958 foi instalado o distrito de Salgado Filho e Arnildo assumiu o cargo de subdelegado.
Ingressou na política em 1960 pelo PTB no cargo de vereador, sendo o terceiro mais votado pelo município de Barracão (fez 174 votos). Em 1964 participou do projeto de emancipação do município de Salgado Filho. Concorreu novamente ao cargo de vereador pelo novo município, elegendo-se para o segundo mandato.
Concorreu ao terceiro mandato em 1968, foi eleito. A partir de 1967 dedicou-se somente à agricultura, recebendo por duas vezes o título de propriedade modelo concedido pela Emater. Participou e continua participando da vida social e religiosa da comunidade local. Foi fundador da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil em 1955, e da Escola Municipal 25 de Julho em 1968.
Nesta entrevista, Arnildo conta as dificuldades enfrentadas, a prisão após o golpe militar de 1964, por pertencer ao PTB, e deixa muito claro seu apego à Igreja Luterana e a Deus. Dia 15 de julho ele recebeu o título de cidadão honorário de Salgado Filho e orgulha-se de dizer que no dia seguinte sua neta Vanessa Schwingel foi eleita Rainha da Festa do Vinho e do Queijo.

JdeB – Como o senhor veio parar em Salgado Filho?
Arnildo – Foi o seguinte, nós morava no interior, era três anos de casado. Então a terra já era pouca naquela região de Arabutã (vila que pertencia ao município de Concórdia – SC), hoje é município. Falaram que as terras daqui eram mais fértil, como de fato eram, fomos botar uma serraria colonial, e fomos bem, o serviço braçal, tudo. Eu com o meu pai Jacob, o cunhado Bertoldo e o irmão Alceno, ficamos tão bem até os dez anos e pouco, quando ele foi preso e torturado, dali eu vi a falência, meu amigo! Tive que abandonar o resto da serraria. Foi ali na Linha Progresso (Salgado Filho), comprei duas colônias de terra por 4 milhões, sem ter um centavo, mas todas as pessoas queridas que eu encontrei, até o seu Albino Reck, que é meu segundo pai, ele me emprestou 1 milhão.

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JdeB – Na época em que o senhor trabalhava com serraria, que tipo de madeira tinha aqui?
Arnildo – Madeira branca tinha das melhores, um mato fechado. Era tudo uma floresta verde. O valor da terra, como a colônia aqui valia por dez, da terra de pinhal. Como era bonito Salgado Filho no meio desses vales, eu dedico tudo a Salgado Filho. Como eu falei, esses tempos atrás, a minha escolaridade é até o terceiro ano incompleto, mas a melhor escola do mundo porque eu, hoje com 82 anos, ainda sou aluno, o nosso professor é o nosso mestre Deus, lá em cima. A cada dia a gente aprende uma coisa diferente.
Graças a Deus que nunca aceitei uma pessoa como inimigo, nunca deixei alguém me cobrar uma conta e sempre aquele crédito, aliás, nunca na vida alguém me negou um crédito, só que eu não servia como comerciante naquele tempo da madeira. Depois, em 70, entraram cinco serrarias aqui, foi um desmatamento, foi a derrota das matas, foi incrível, e todos ficaram ricos, mas pela arte de Deus não se sabe quem é o mais rico, porque a gente sabe que os bens materiais não é a riqueza.

JdeB – Vocês puxavam com caminhão ou com juntas de boi as toras?
Arnildo – Com duas carroças de tora, inclusive nós tinha um macaco a pau (espécie de guindaste) que removia muitas toras. Ali naquela propriedade que comprei tinha pinheiros, então puxava pinheiro na ponta de 6 metros e 70 cm em cima do carroção com duas juntas de bois, era sete quilômetros até vir aqui na cidade. E assim a gente lutava. Levantava de madrugada pra fazer o serviço cantando e assobiando. Era essa felicidade que a gente tinha.

JdeB – Quem ajudava o senhor no trabalho?
Arnildo – O irmão e o pai saíram da sociedade e entrou outro cunhado, o Silvino, marido da irmã mais nova. Dali, tivemos que abandonar serraria. Ficamos sete meses num ranchinho e depois fomos construir um paiol grande, onde moramos três anos, e depois construímos aquela propriedade, uma casa grande que existe até hoje. Eu disse, quando recebi o diploma de Cidadão Honorário, que eu aprendi através de outras pessoas, daí eu falei assim: “O homem necessita de um lugarzinho, por pequeno que seja, do qual ele possa dizer: Veja que isso aqui é meu, aqui eu vivo, aqui eu amo, aqui eu descanso, aqui é minha pátria, aqui estou em casa, e assim me sinto”.

JdeB – E com essas madeiras vocês faziam o quê?
Arnildo – Era pros colonos, que havia muitos colonos, era mais fácil serrar e cobrar pra serrar, e um pouco se vendia, mas nós nunca tinha o poder de legalizar a serraria, de adquirir o registro pra venda. Depois os poderosos, quando entraram, eles tinham isso e foi a nossa falência. Então, eu venci a batalha porque muitos dizem assim: “Por que você não ficou rico?” Meu amigo: terra de graça do lado aqui bem perto, na Cango, do governo, tem gente que pegou 30 alqueires e hoje não tem nada, até a terra eu sei, de um amigo que conheci bem, ele vendeu o último sítio, ele deu por uma égua, 30 alqueires. Então, a terra não valia nada, e eu me pergunto: “Eu poderia ser dono de tantas fazendas, mas será que eu ia chegar lá?” E provavelmente a gente ia tombar porque eu sei que esse caminho não foi dado pra mim.

JdeB – O senhor tem algum arrependimento por ter cortado matas?
Arnildo – Não tenho arrependimento não, porque no passado a gente aprendeu que o homem tem que destruir pra sobreviver; destruí o mato, mas muitos não tiveram limites. Os safristas que entravam aqui, eles cada dez alqueires um alqueire dava pra engordar dez porcos e criar junto, já pensou? E muitos falaram que de duas ou três colônias de 20 ou 30 alqueires aproveitaram a madeira e fizeram umas varas pra fazer mangueira pra juntar os porcos e o resto tudo apodreceu. Isso se fazia num ano, e queimava tudo o resto das madeiras. Destruição por completo. Nós temos o nosso reflorestamento, e fizemos uma parte, inclusive tem uns pinheiros que foram plantados. O filho Jânio se obrigou a vender uma parte, mas tá tudo legal, e nós temos também nossa reserva.

JdeB – Como surgiu a política na sua vida?
Arnildo – Pois eu nunca sonhei com isso. Ela surgiu do seguinte: Salgado Filho fazia parte do município de Barracão, em 1958 passou a distrito, dali vieram me convidar pra ser subdelegado e eu disse: “Eu não sei lidar com esse povo que é diferente, nós somos de origem germânica”. O subdelegado foi exonerado, então assumi por nove meses. Todo esse pessoal do mato, eu  não desprezava eles, mas eles tinham uns costumes bem diferentes, e eu sabia lidar com o povo, não sei se foi um destino que Deus me deu.
E tinha o amigo Helmuth Thiel, eu o convidei pra ser escrivão ad-hoc, que qualquer coisa era pra mandar um processo pro juiz, e levava lá e morria assim. Dali me convidaram pra ser vereador, mas eu desse jeito. Só que eu tinha tanta amizade com o povo de lá de Barracão, que numa urna eu fiz 70 votos, na outra 12 votos e a outra 28. Eu não fui prefeito (de Salgado Filho) porque eu pesei na minha consciência que não tinha capacidade. Eu pensei: agora os filhos estão estudando, vou tomar outro caminho, vou cuidar disso, foi o que fizeram.
N.R. Arnildo foi vereador por Barracão de 1961 a 1965 (PTB), e de Salgado Filho de 1965 a 1969 (PTB) e de 1973 a 1976 (Arena).

JdeB – O que o senhor lembra de quando o município de Salgado Filho se emancipou?
Arnildo – O município não herdou nada, nada, nem uma caneta. Sabe qual foi a herança do município? Pagar as dívidas atrasadas, recolher os impostos atrasados, levar lá, e assim nós começamos a prefeitura.

JdeB – Como eram os deslocamentos até Barracão?
Arnildo – Naqueles primeiros tempos, daqui saía de manhã, era toda segunda-feira a reunião. Mais de 50% era de caminhar até lá em cima (na encruzilhada, hoje divisa com Flor da Serra do Sul, distante dez quilômetros de Salgado Filho), aonde hoje é asfalto, na estrada e esperava carona; a maioria das caronas que a gente pegava era em cima de um reboque carregado de madeiras, e se segurava nas correntes. Um dia eu tinha que estar na reunião umas dez horas, cheguei cedo lá (na encruzilhada). Mas o ônibus já tinha passado, fiquei até as 2 horas lá esperando na beira da estrada. De repente apareceu um jipe do Seminário de Palma Sola (SC), e um me disse olha, o carro tá lotado, mas se o senhor tem necessidade, pode ir junto. Quantas vezes voltava de noite de carona qualquer, nós andava 10 quilômetros (da encruzilhada até a vila de Salgado Filho). Eu acho que a gente já conhece as madeiras, as pedras no meio desse mato ali.

JdeB – Os eleitores cobravam muito de vocês, vereadores?
Arnildo – Não, eles eram tudo gente educada. A gente foi educado assim: Olha, eu tô pedindo o seu voto, se eu mereço, e nas possibilidades que nós temos, nós vamos pagar, a gente deixou de fazer muitas escolas, mas não tem fundo! Sabe que o município era a oposição e aqueles quatro anos o Ney Braga era o governador (1961 a 1965), e ele não deu capital, nada em dinheiro para o município de Barracão, não tinha verba como hoje.

JdeB – A escolha pelo PTB foi por quê? Foi por causa do Getúlio Vargas?
Arnildo – Através dos amigos, porque o pai era do PSD e depois a maioria aqui era do PTB e foi indo, então foi por livre escolha.

JdeB – E a sua prisão, no tempo da ditadura militar?
Arnildo – O PTB era chamado de comunista, porque naquele tempo falar de comunista parecia o diabo! Mais do que o diabo! “Então você é comunista!”, disseram isso quando eu fui preso, me taxaram de comunista. Quando eu voltei, fui preso aqui. Eles vieram lá no meu pátio, na serraria que eu morava, num domingo de manhã, no dia 19 de abril de 64.

JdeB – Quem foi lá na sua propriedade? O senhor fala “eles”?
Arnildo – Pessoas daqui, era o subdelegado. Eu não falo nome aqui porque a gente acertou tudo com eles e os policiais estranhos, e com o povo sofrido assim, então esse nunca mais volta porque mostramos que a gente não devia nada, e foi isso que aconteceu.

JdeB – Mas o senhor foi levado pra Pato Branco?
Arnildo – Claro, eu fiquei de um dia pro outro. Nós fomos levado a Barracão no domingo de tarde, dia 19, e dia 20 a Pato Branco. O delegado era o coronel Antunes, ele chamou nós, cada um dizia o nome, fazia um juramento: que ia falar a verdade, qual era o partido, qual a atuação, aí ele disse: “Vocês não vão ficar presos, vocês ficam detidos até uns dias”. Bem assim ele falou. “Mas eu peço uma coisa, depois de solto não façam perseguição pra ninguém”, e foi o que aconteceu: a gente sempre obedeceu autoridades, enfim, como amigos.

JdeB – O senhor tinha feito algum pronunciamento contra os militares?
Arnildo – Nada, nada. Até um causo que nem vale a pena mensurar. O subdelegado e o meu irmão Osvino, que era subprefeito, e quando em janeiro de 1964, o João Goulart assinou a reforma agrária, e eles tavam discutindo, e o meu irmão disse: “Agora com a reforma agrária”. Nossa, eu nem sabia o que era, eu vou receber terra. E ali surgiu entre eles, mas eles pegaram toda essa cidade pra dentro. Então eu amei, a família daquele delegado, ele foi, depois, pro Mato Grosso, e os filhos dele vieram morar aqui. Eu sempre respeito eles como se fossem meus próprios filhos, e amo eles, todas as pessoa foram assim.

JdeB – O senhor não guarda rancor desse episódio?
Arnildo – Não, não, não, nunca na vida! Pra que isso? Porque nós somos batizados, cada um tem sua religião, nós somos luteranos evangélicos; os antepassados nos ensinaram. Eu digo assim: quanta gente, aquelas pessoas queridas que levaram as nossas pias batismal e a coisa mais sagrada que nós temos é o santo batismo. A gente tem fé em Deus, e Deus existe como eu tô te olhando, como somos amigos e a gente fala a verdade e vê até comentário dele porque estou convicto que ninguém vive a sua vontade, porque sou isso, sou aquilo.

JdeB – Mas o senhor foi algemado?
Arnildo – Não, pois olha, impossível, nem revistados nós fomos, eu tinha a carteira no bolso com um troco, e os outros ficaram presos um por dia aqui.

JdeB – Quem mais foi preso além do senhor?
Arnildo – Foi também o Osvino Schwingel, que era meu irmão, o Genésio Ghisi, que era presidente do PTB, e o Ivo Sponchiado, um comerciante: os quatro juntos.

JdeB – Depois, o senhor acabou entrando na Arena e no PDS. Por que o senhor foi entrar no partido justamente daqueles que eram a favor do governo?
Arnildo – Porque sim. Se o filho é contra o pai, ele não arruma nada. Os superiores sempre me ensinaram que tem que respeitar seja quem for, independe de raça e religião, e eu nunca fui pretencioso, nunca fui racista, então é isso a vida.

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