5.9 C
Francisco Beltrão
quinta-feira, 29 de maio de 2025

Edição 8.214

29/05/2025

Arte como ”respiro” para tempos pesados

A psicóloga Marina Thibes comenta sua aproximação com a poesia.

A arte como um “respiro” para tempos pesados. A psicóloga Marina Thibes comenta a aproximação entre a poesia e a psicanálise. A arte alivia o peso da realidade. 

Fotos: Arquivo pessoal

Vivemos hoje uma necessidade de “respiro”, de ler e ver coisas mais leves, como ressalta a psicóloga e poetisa Marina Thibes: “Vivemos tempos pesados, isso se dá inclusive pelo sintoma principal que a doença causa, que é a falta de ar. Está nos faltando ar, mesmo que simbolicamente. A pandemia deixou-nos reduzidas possibilidades de oxigenar a vida, limitou-nos o contato, o físico, o social, o verbal, o presencial”.

- Publicidade -

As pessoas se sentem sufocadas e isoladas. “É preciso achar um jeito de respirar mesmo quando a necessidade é manter-se isolado, justamente para continuarmos respirando. É um trocadilho interessante e que não deixa de seguir a mesma lógica, a de respirar para viver. Para não deixar morrer os sonhos, não deixar morrer o desejo de viver, um respiro pra amenizar a angústia diante da morte, precisamos deste respiro para continuarmos oxigenando a vida.”

A arte alivia o peso da realidade e, segundo Marina, cada um, a seu modo, encontra arranjos, de acordo com o que lhe causa mais leveza, alegria, bem-estar e prazer, ou seja, cada um irá encontrar algo que goste, seja ler, escrever, cozinhar, cantar ou apreciar a noite. “Não há receita, este rearranjo é muito pessoal, mas tem que ter sentido, fazer sentido e ser sentido pra cada um.”

Para Marina, a escrita tem esta função. Natural de Dois Vizinhos, ela lembra que a aproximação com as letras começou ainda com seu avô Alexandre, que tinha um armazém, onde os produtos vinham embalados em folhas de jornais. “Lembro de ouvir meu avô falando que gostaria de ser jornalista, e o via sempre lendo.” Sua mãe Ignês e seus tios foram alfabetizados e concluíram as séries iniciais pela “tia/professora” e mais tarde por sua mãe mesmo, que auxiliou também, numa primeira escola doada por seu avô. Dona Ignês graduou-se em língua portuguesa e literatura brasileira. “Considerando que nosso desejo em certa medida está sempre ligado ao desejo do outro, penso que tudo isso compôs minha história, e favoreceu meu desejo pela palavra. Tenho guardada comigo até hoje uma coleção de literatura infantil que ganhei aos 7 anos, na época a capa em 3 D (edição japonesa), aquilo fervilhou minha imaginação. (…) Sempre ouvi minha mãe falando da grande dificuldade que era o acesso à leitura, por morarem no interior, e dadas a condições financeiras mesmo.”

Pedagogia e Psicologia
Marina graduou-se em Pedagogia, um dos quatro cursos oferecidos pela Unioeste de Beltrão, naquela época; embora ela não tenha trabalhado na área. Seu primeiro vestibular foi para Jornalismo – Publicidade e Propaganda, na PUC de Pelotas (RS), mas a distância dificultou. Então fez Psicologia, na primeira turma da Fadep, de Pato Branco. É especialista em arteterapia e em Clínica Psicanalítica e há 11 anos atua como psicóloga, além de ser membro da Escuta Psicanalítica de Francisco Beltrão (EPFB).

Marina Thibes, psicóloga e poetisa.

 

Quais as relações entre poesia e psicanálise?
“A relação primeira e principal é a linguagem”, responde Marina. Ela acrescenta que a psicanálise é uma teoria que nasce de uma prática. Freud, fundador da psicanálise, foi um médico neurologista, mas a partir do momento em que começou a ouvir, a se ater à fala dos pacientes, começou a perceber que o que fundamentava muitos dos sintomas dos pacientes eram subjetivos, atravessavam o corpo, mas não tinham respostas biológicas.

“Descobriu através da associação livre, da fala, uma relação direta com a queixa, com o sofrimento. Assim, descobre o inconsciente e que este não tem um lugar escondidinho na mente, como comumente pode-se pensar, mas está a todo o momento se apresentando no corpo, nos sintomas, é aquilo que se repete e não entendemos, mas que faz sofrer, inibe o sujeito, limita e adoece. Descobriu que a fala, a associação livre de ideias, traz à tona lembranças e afetos, uma vez que isso fosse sendo elaborado, havia uma diminuição dos sintomas. A psicanálise é a cura pela palavra.”

E acrescenta: “A poesia é uma via de acesso ao inconsciente. Quem escreve muitas vezes não sabe do que escreve, sente que precisa ou que deseja escrever, entende só depois. Há algo na poesia que irá fisgar o leitor, quando isso acontece sempre estamos falando da ordem do inconsciente, do não entendido, mas sentido. Não funciona como na análise, pois na análise precisamos do outro, do analista. O inconsciente se apresenta pelos atos falhos, pelas repetições, pelos sonhos, pelos lapsos, pelo que parecemos não saber, mas a todo o momento se apresenta, como sintoma também”.

Conforme Marina, durante a análise se recorda, se repete e se elabora. “Atua-se no sofrimento e isso se dá pela via da transferência, o que possibilita as condições para que isso aconteça, cabendo ao analista direcionar o tratamento. A psicanálise é um tratamento pela via da palavra. Na poesia, se escreve, se acessa o inconsciente, mas o arranjo é nosso, sem a presença do analista, é mais despretensiosa. Não tem a finalidade de cura, embora possa amenizar algum sofrimento. E sinto que sim, escrever é um ato criativo, uma saída. E ao final de uma análise o que se pretende é dar um destino diferente ao sintoma, uma saída criativa para o sofrimento, podendo inclusive ser a poesia.”

 

“A arte existe porque a vida não basta”
Por Marina Thibes

Ferreira Gullar.
A arte existe no mais além,
Da palavra não toda.
Da vida não toda.
A arte existe para que a vida possa dizer-se.
Ela comporta em si tantas possiblidades;
nos interroga, nos inquieta, nos embeleza, nos colore, nos alegra.
A arte nunca se esgota,
pode estar onde as palavras calam, onde se contempla.
A arte transborda, mas faz borda e pode dar sentido
àquilo que é sentido.
Em momentos de angústia, de medos, a arte diz um pouco mais, muito mais.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Destaques