Um relacionamento pronto para desabrochar. Como em um jogo de xadrez, as peças são movimentadas com muita destreza. Algumas coisas guardamos para nós, outras, mais belas, deixamos transparecer livremente. A perspicácia de um olhar de lince se encontra de ambos os lados, buscando, também, uma jogada equivocada. Procuramos o erro do outro para, na maioria das vezes, nos defender, quero dizer, evitar o desenlace que inicia. Baseamo-nos em uma superficialidade e é justamente nesse ponto que nosso erro pode estar enraizado.
Inicialmente, ancoramos no que está ao alcance dos olhos. O físico do outro é o alvo inicial. Pode ser um nariz um pouco grande, uma orelha desproporcional ou até mesmo um pé que não se apropriou de tanta beleza. Somos, factualmente, muito visuais. Um mínimo detalhe que desagrade já acaba se tornando algo enorme. Uma desculpa para não se fixar naquele novo porto que se apresenta.
Passada a barreira do espaço visual, adentramos um desconhecido terreno. Começamos a verificar as afinidades, atitudes e comportamentos. Como um quebra-cabeças faltando peças, buscamos o encaixe nessa nova pessoa. E acreditamos, ilusoriamente, que essa conexão precisa ser perfeita. Logo, diante de algum movimento que cause estranhamento, imediatamente encerramos a partida. Derrubamos o rei. Desistimos do jogo e voltamos à posição cômoda e reclamante de não encontrar ninguém.
Existem dois vieses que permeiam esse impasse. Primeiramente, o fato de estarmos inseridos em uma lógica imperativa de que tudo precisa ser perfeito atrapalha radicalmente. Comercializa-se a ideia do conto de fadas. Logo, a frustração é inevitável. O segundo ponto seria referente à nossa insegurança. Existem muitos fatores, naturalmente muito particulares, que prejudicam o momento de arriscar em um novo romance. E, a partir desse receio, mantemo-nos em uma posição cômoda e desconfortável ao mesmo tempo. A laranja está ali na árvore, mas temos medo de colhê-la.
É imprescindível demarcar que reconhecer as imperfeições físicas ou emocionais do outro, apesar de ajudar a filtrar, não é a chave para solidificar um relacionamento. Reutilizando a metáfora do xadrez, é como se jogássemos pensando nos peões, e não no rei. Permitir que essas barreiras imaginárias se manifestem pode vir a impedir a visualização do que realmente interessa. O amor jamais se baseia em um parâmetro superficial. Ele é, sem dúvida alguma, muito mais denso do que qualquer casca ou casulo.