“Não existe super-homem para essa doença”. Médico Paulo Roberto Mussi.

Paulo Roberto Mussi, a esposa, Ângela Maria Pollo Mussi, e os netos.
Mussi diz que era na família que pensava nos dias que passou internado.
Foto: Foto: Divulgação
O médico Paulo Roberto Mussi, de 68 anos, nunca imaginou que se encontraria com a esposa, Ângela Maria Pollo Mussi, de 66 anos, sem poder tocá-la. Paramentado e ao lado dela em um dos leitos da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) da Policlínica São Vicente de Paula, de Francisco Beltrão, não estava ali como médico. Tudo o que achava que sabia sobre a Covid-19 caiu por terra quando sua esposa testou positivo para o coronavírus e ele, em uma tomografia por precaução, descobriu que já estava com mais de 40% do pulmão comprometido pela doença. Na Policlínica, visitava sua esposa nos poucos minutos que fora autorizado para dar forças a ela na luta contra a doença. E silencioso voltava para o seu quarto, onde também era tratado.
O casal descobriu a doença em julho, após uma das servidoras da casa deles testar positivo para a Covid-19. Afastada e com poucos sintomas, faltavam poucos dias para a funcionária sair do isolamento e retornar à rotina na residência quando Ângela começou a se sentir cansada. O que pensava ser um sintoma pela rotina de serviço, da qual estava desacostumada, foi descoberto que era consequência do novo vírus. “Dia 25, um sábado, ela começou a se sentir mal. No domingo, ela amanheceu com dificuldade respiratória e mais cansada. Na segunda-feira, começou com uma dor mais intensa e a dificuldade respiratória voltou, então resolvemos consultar”, conta dr. Mussi.
Naquela segunda-feira, a esposa foi diagnosticada com a Covid-19 e precisou ser internada no mesmo dia. Ele, de praxe, foi submetido a exames por estar em contato com alguém com a doença. Mas não se sentia mal, ao que foi surpreendido com 42% do pulmão comprometido pelo coronavírus, mesmo, aparentemente, estando assintomático. “Eu fiquei assustado”, lembra Mussi. “É como estar com uma venda nos olhos e saber que pode cair, mas não saber a hora. A sensação é realmente essa. A gente vem esperando o pior. É uma doença que amedronta muito. Eu sou uma pessoa firme, mas fiquei muito amedrontado, assustado, por ver que tudo o que você planejou na sua vida pode acabar em um minuto.”
O casal foi internado junto em Pato Branco, mas optou pela transferência em menos de 24 horas à Policlínica de Francisco Beltrão, onde trabalha a médica que diagnosticou a família e que está preparada para atender casos da Covid-19.
[relacionadas]
Tratamento
Logo, o casal foi internado na unidade semi-intensiva da ala Covid-19. Mussi permaneceu uma semana no espaço, já Ângela, após três dias, precisou ser transferida para um leito da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI).
Em um momento crítico, foi cogitada a intubação para a esposa. A última alternativa era o uso de uma medicação, mais a ventilação mecânica não invasiva, que já estava sendo usada. Felizmente, Ângela reagiu ao tratamento. Mesmo assim, permaneceu duas semanas na UTI. Nesses dias é que foi possibilitado a Mussi ir até o leito da esposa e fornecer um apoio, ainda que não durasse mais de 10 minutos.
“É impressionante como você repensa sua vida, em tudo o que você fez, aquilo que está planejando. Será que vale a pena uma projeção tão longa? Será que não é melhor viver o dia a dia e deixar planos maiores para depois? A gente fica muito indefeso, pensando se fez as coisas certas até hoje ou não. O que angustia é pensar se você vai sair e poder rever os outros. Pensava nos meus filhos, nos meus netos…”
Para poder ver a esposa, Mussi se paramentava, ia até ela e voltava para seu quarto. Sozinho, podia conversar com os filhos pelo celular. Eram dias em que o que mais sentia era uma dor tão forte na cabeça que lhe dava a impressão de estar com os olhos a ponto de saltarem.
A alta para ele veio após uma semana de internação e, para ela, em 20 dias. Ainda que Ângela tenha sofrido sequelas e precisado manter cuidados extras em casa, sobreviveu a uma doença que não permite um final feliz a todos.
Mussi é categórico ao alertar sobre os riscos e chama atenção para o negacionismo sobre o vírus, o que não contribui para a sobrevivência na pandemia. “Não subestimem essa doença”, fala, como em um recado a alguém. “Essa doença é grave. Ela mata e ela não avisa, é traiçoeira. Não achem que a pandemia passou, porque não passou. Ela vai levar muita gente para o túmulo. E não queira você ser outro. Se cuide. Não ache que você é um super-homem. Porque não existe super-homem para essa doença. Ela afeta muito mais as pessoas acima de 60 anos, mas também está afetando pessoas jovens. Não subestimem, não brinquem!”