Geral

Por dar carona aos colonos, correu o risco de perder o emprego de motorista
Aurélio Negri, que hoje é nome de rua em Francisco Beltrão, nasceu Nova Prata (RS), há 90 anos. Mudou para Francisco Beltrão nos anos de 1940. Era casado com Arnilze Ferrari Negri e teve seis filhos: Darci, Elair, Marly, Suely, Hélcio Elias e Eleny. Faleceu em 2011 com 79 anos.
Aurélio Negri participou da Revolta dos Posseiros de 1957. Em 2007, o Jornal de Beltrão publicou, em três edições, uma entrevista com ele. É o que segue.
Aurélio Antônio Negri, mais conhecido por “De Negri”, em 1957 era motorista de caminhão e residia em Nova Concórdia. E participou da Revolta dos Posseiros.
JdeB – Qual foi a sua participação na revolta de 57?
Aurélio – Vou ser bem claro com você. Eu trabalhava com a firma Vitório Pezente, era caminhoneiro dele, puxava madeira; eu viajava com o caminhão, de grande porte, Alfa Romeu e coisa. Eu saía lá de Nova Concórdia com meia carga porque as estradas não comportavam uma carga, e vinha mais um caminhãozinho atrás com mais meia carga. A gente completava a carga naquele trevo ali pra lá da Sadia. Naquele tempo era estrada de chão. Mas pára lá, antes disto eu deixava o caminhão pra carregar e pegava um caminhãozinho pequeno com dois ou três peões e saía arrumando a estrada com a picareta e com o machado, pra cortar raiz de árvore e encher o valo do atoleiro, pra depois poder sair com o caminhão com meia carga. Bom, isto era um sacrifício, tem certos lugares da estrada que têm pedras muito fundas que eu trouxe com a peonada, mas o mais triste era quando chegava neste trevo, que naquele tempo não era trevo, ali tinha os jagunços da companhia. Eles vinham e me prendiam.
JdeB – Prendiam por que?
Aurélio – (A resposta demora, seu Aurélio se emociona) …Eles me prendiam pelo seguinte: eu estava saindo com a carga de madeira sem ser legalizada, tinha que ter nota da companhia, seja da Citla ou da Comercial. E sabe o que eles faziam? Me davam o tempo de baldear a carga em cima do caminhão, depois eles me traziam preso num jipe, até no escritório da Citla ou da Comercial, pra fazer a nota fiscal. Depois eles iam na firma cobrar o valor da nota e me soltavam a pé pra eu ir até onde estava o caminhão. Eu não tinha outra solução, não tinha como pagar táxi que naquele tempo nem existia.
JdeB – Então eles traziam o senhor de jipe pra cidade e depois liberavam o senhor pra voltar a pé?
Aurélio – Sempre a pé.
JdeB – E toda carga eles faziam isso?
Aurélio – Mas isso foi muito tempo, foi muito tempo, não foi uma vez só, isto a gente pode provar com muita gente. Bom, eu chegava lá no caminhão feliz da vida, e viajava, ia e voltava. Chegava em casa, era repetida a mesma novela, o caminhão pra descarregar e carregar, e daí dois ou três peões da serraria pra arrumar a estrada, voltava no mesmo lugar, completava a carga, era preso novamente, aí eu vinha pra cidade muito bem, confortável, de jipe e depois tinha que voltar a pé, dá uns cinco quilômetros, mas eu fazia. Bom, esta luta foi mais ou menos, vamos dizer, pouco mais de um ano, porque eu comecei viajar no ano 56 com o caminhão do Vitório Pezente e a revolução foi no ano de 57 e desta eu participei. Eu vinha de viagem, naquela época eu estava com um Mercedes da mesma firma. Vim enfrentando as barreiras desde União da Vitória, Palmas, Pato Branco. Aqui já tinha começado a revolução da terra, não queriam me deixar passar, mas eu vim furando bloqueio com o caminhãozinho e consegui atravessar a cidade, mas enfrentei coisas meio perigosas. Chegando em casa em Nova Concórdia, achei uma multidão de gente na rua, todo mundo armado, com revólver, espingarda ou pedaço de pau. Quando vi aquilo, desci do caminhão e perguntei o que estava acontecendo. Então uma pessoa que hoje não se encontra mais no lugar, chamava-se João Cândido, me disse Aurélio, aqui o dr. Walter tá chamando a população pra ir defender as terras, pra se defender dos jagunços, e nós não temos como ir pra cidade. Aí eu perguntei por que vocês não falaram com o Vitório Pezente? Me responderam: Nós falamos, mas o Vitório Pezente não quer dar o caminhão, ele se recusa trazer esse pessoal pra fora e não sei te explicar porque seria, acho eu, sei lá, tem coisa que não me interessa. Daí eu falei, escuta, João, eu vou falar com o Vitório, eu vou levar vocês pra fora. Ele disse então vai. Eu fui e falei:
– Vitório, esse pessoal precisa ir pra cidade, o dr. Walter, o comando, a cidade, passei lá agora, tá virada numa guerra e o pessoal quer ir pra lá e o João ali e eles falaram que tu não quer mandar o caminhão e coisa…
Aí ele saiu mal comigo, inclusive meio me machucou, e daí eu perguntei:
– Vitório, você não dá o caminhão?
– De jeito nenhum!
– Mas eu vou levar esse pessoal.
Daí ele me disse:
– Você não vai levar, se tu for, amanhã tá na rua!
– Então tô na rua agora, pode me por na rua.
Saí porta a fora e mandei o pessoal embarcar no caminhão, enchemos a caminhonada, vim pra fora, descarreguei aqui no antigo colégio das freiras, voltei novamente a Nova Concórdia, trouxe a segunda carga de colonos pra nos defender contra a jagunçada. Descarreguei a segunda caminhonada e voltei e peguei a terceira, trouxe três caminhonadas. Daí eu ajudei a fazer a barbaridade, arrebentar, ajudei, o meu nome não aparece, e é bom que não apareça, mas eu participei, a bagunça seguiu e quando foi mais ou menos pela tarde, então nós estávamos todos na praça e nós tinha a Rádio Colméia que hoje é a Princesa, funcionava em cima daquele prediozinho do Nino Soranso.
E daí, como vou explicar, o Vitório não me ponhou na rua, eu fiquei mais dez, onze anos trabalhando com ele, eu não sei se ele reconheceu ou não.
Jornal de Beltrão 24 de julho de 2007

“Ajudei quebrar a porta pra entrar”
Sequência da entrevista com Aurélio Antônio Negri. Ele era motorista do Vitório Pezente. Dia 11 de outubro, Aurélio transportou colonos de Nova Concórdia para a cidade de Francisco Beltrão, onde acontecia a Revolta.
JdeB – Naquele dia da depredação, o senhor participou?
Aurélio – Eu ajudei quebrar a porta pra entrar. Entramos na Comercial eu e muita gente e aí arrebentamos com tudo, foi arrebentado parede, a casa de madeira aonde está a Center Sudoeste hoje, era o escritório da Comercial, foi arrebentado parede, metralhadora dentro da parede dupla, espingarda e muita documentação, papelama, móveis, foi jogado tudo pra rua, a Júlio Assis que naquele tempo era de chão, ficou forrada. Enquanto nós quebramos na Comercial, outras equipes arrebentaram a Citla, onde é o Edifício Fábris hoje, ali era o centro da Citla. Depois disso nós fomos lá na Vila Nova, passando a ponte do Lonqueador, tinha mais um estabelecimento, das mesmas companhias e lá também foi, mas eu não ajudei a arrebentar, quando eu cheguei lá já tava tudo arrebentado e tava toda a documentação na rua.
JdeB – O senhor lembra se foi de manhã, de tarde ou o dia inteiro que o senhor puxou gente?
Aurélio – Não, eu comecei puxar era mais ou menos nove e meia, dez horas da manhã, porque eu cheguei de manhã e minha demora foi só ir e voltar, ir e voltar, antes de meio-dia terminei de puxar as três viagens, e não tô bem lembrado, lá por meio-dia, duas horas da tarde mais ou menos por aí que quebrou o pau.
JdeB – E onde o senhor almoçou?
Aurélio – Eu não almocei em parte nenhuma, não almocei.
JdeB – Lá pelas duas horas que o senhor disse que invadiram os escritórios?
Aurélio – Foi mais ou menos, vamos dizer, entre meio-dia, duas da tarde mais ou menos por aí (do dia 11 de outubro), e a bagunça seguiu e quando foi mais ou menos pela tarde, nós estávamos todos na praça e nós tinha a Rádio Colméia que hoje é a Princesa, funcionava em cima daquele prediozinho do Nino Soranso, falecido hoje, aí veio o chefe de polícia, o Pinheiro Júnior. O dr. Walter foi até a janela e gritava para o povo que se acalmasse porque nós estava com o chefe de polícia do Estado e mais um auxiliar do governo Lupion. O povo gritava que ponhassem a cabeça na janela que queriam cortar fora a cabeça com uma bala; isso gente junto comigo, mas não veio ninguém na janela, só o dr. Walter, coitado, ele fez de tudo, ele pedia calma e coisa. Olha, não foi fácil, viu, porque lidar com o povo não é fácil. Depois desceram a escada da rádio o dr. Walter, o chico Cristófoli e o Luiz Prolo e vieram me abraçar, pelo meu trabalho prestado. O dr. Walter me disse que se o Vitório me desse a conta, ele arrumava outro serviço muito melhor.
JdeB – O povo estava revoltado mesmo?
Aurélio – Mas o povo queria matar todo mundo, queriam matar, o que essa companhia fazia naquela época, as barbaridades, bandidismo, isso era pistoleiro, as desordens que cometiam nas famílias, nas mulheres, pelo amor de Deus.
JdeB – O senhor conheceu pessoas que foram judiadas por eles?
Aurélio – Pessoas que foram judiadas pelos jagunços? Olha, eu dizer que conheci pessoalmente é muito difícil porque quase eu não parava, tava nas estradas, é meio difícil eu conhecer pessoalmente.
JdeB – Mas o senhor foi uma das pessoas judiadas, que faziam o senhor ir atrás de nota e voltar a pé, e não tinha como pegar essa nota antes de carregar o caminhão?
Aurélio – É meio difícil te explicar isso ali, é tanto tempo, eu não sei porque que não tirava a nota antes, eu tô meio esquecido, não, mas pera lá, teve certas vezes que a firma providenciava nota, agora lembrei, mas por acaso, mesmo com a nota eu era fiscalizado; vinha essa gente, esses jagunços querer a nota, se tivesse a nota tava liberado e se não tivesse, vinha preso e depois voltava a pé.
JdeB – E quando encontravam as armas, nos escritórios das companhias, o que faziam com elas?
Aurélio – Pegavam e quebravam, jogavam fora para a rua, sim.
JdeB – Mas as armas não iam ficar ali jogadas, alguém ia levar embora.
Aurélio – Não, não sei te dizer se alguém levou, eu não vi ninguém levar, eu sei que foi tirado das paredes e foram jogadas na rua e dali pra frente não sei te dizer se alguém levou, não sei te explicar.
Jornal de Beltrão 25 de julho de 2007
Aurélio Negri: “Depois da Revolta nunca mais fui preso, foi uma tranquilidade”
Final da entrevista com Aurélio Antônio Negri. Ele era motorista do Vitório Pezente. Dia 11 de outubro, Aurélio transportou colonos de Nova Concórdia para a cidade, onde acontecia a Revolta.
JdeB – Qual era o motivo da depredação, acabar com os documentos?
Aurélio – Era acabar com a jagunçada devido aos maus tratos com a população que os jagunços tavam fazendo. As famílias não tinham segurança nenhuma, o chefe da família não podia sair de casa e deixar a família porque corria risco dia e noite, então por que essas barbaridades? Os banditismos eram frequentes, era direto, isto foram quantas semanas, meses, não foi de um dia para o outro não, foi no mesmo caso quando estourou a guerra aqui em Beltrão, estourou lá no Verê também, foi quando mataram o Pedrinho Barbeiro.
JdeB – Depois o senhor levou o pessoal de volta com o caminhão?
Aurélio – Não, cada qual se virou. Pára que tô mentindo, eu levei de volta, mas não fiz três viagens, fiz menos, algum foi a pé, outro achou uma carona, no mesmo dia de noite, meio fora de hora, a máquina não parou.
JdeB – O senhor pousou na cidade?
Aurélio – Não, eu pousei em casa, em Nova Concórdia, depois que levei o pessoal pra casa eu me acomodei também, agora aqui eu participei no dia do quebra-quebra, mas um dia antes já havia um movimento, mas eu não sei contar nada porque não estava aqui e depois no outro dia em diante também não sei dizer, porque a gente tratou de partir pras atividades da gente e daí, graças a Deus, parou.
JdeB – De tudo o que o senhor tem ouvido falar, e que a imprensa tem divulgado, o que o senhor concorda e o que discorda do que foi noticiado sobre esse evento?
Aurélio – Pela atitude que a população pegou, 100% positivo, eu acho que não se tinha outra alternativa, o negócio era defender a família, defender nossa população, porque aqui só tinha gente boa, os ruim vieram de fora.
JdeB – A sua família sofreu alguma ameaça, em Nova Concórdia?
Aurélio – Não, graças a Deus, a minha família aquele tempo tinha só uma criança no ano 57, não foi atingida com nada.
JdeB – E aquelas pessoas que o senhor trouxe, alguém deles já tinha pago uma parte da terra?
Aurélio – O Vitório Pezente tinha pago uma parte, inclusive, não te digo de fonte segura, mas parece que ele tinha até escritura já.
JdeB – Mas eles diziam que a Citla não podia fornecer escritura?
Aurélio – Não, ela fornecia escritura. A notícia que eu sei te dizer, mas eu não te afirmo muito de fonte segura, que o Vitório Pezente tinha escritura da Citla.
JdeB – Por isso ele não era contra a Citla?
Aurélio – Olha, segundo que se sabe até hoje, ele era totalmente contra porque ele achava que era uma companhia super legal, isso te digo de fonte segura porque ele falou pra mim muitas vezes.
JdeB – Ainda hoje falam que à noite tinha jagunço andando armado pela rua e era perigoso sair de casa.
Aurélio – Mas põe perigo nisso daí, pelo amor de Deus, aqueles caboclos mal encarados, chapéu, facão na cinta e um revólver, pelo amor de Deus, aquele tempo tinha aqueles bodegões não só de noite, de dia também não dava pra chegar, aquela gente mal encarada, gente que não sei de onde veio.
JdeB – Em poucos dias normalizou, o senhor voltou a viajar tranquilo?
Aurélio – Foi uma tranquilidade, nunca mais fui preso, eu tinha uma tranquilidade, nunca mais caminhei a pé porque não me prendiam. Quanto a arrumar as estradas, continuava, naquela época a prefeitura era nova, não tinha estrada, aquela coisa toda, a gente continuou sofrendo com os trabalhos, mas referente a essa desordem, essa tristeza, essa guerra já digo, foi tranquilizado, acabou com tudo. Foi logo depois, o Ney Braga candidatou-se a governador do Estado, eu tava junto com ele, um ou dois metros, quando ele falou no discurso ali na praça da igreja, sobre a legalização das terras do Sudoeste, ele disse bem assim: “Povo de Francisco Beltrão, eu prometo, se for eleito, vou legalizar as terras pra vocês”. Ele prometeu, e se elegeu e depois trouxe o tal de Getsop, uma companhia organizada, e trouxe os primeiros títulos de terra que ele mesmo entregou. Aí o pessoal voltou pra casa e não teve mais perseguição. Aí tranquilizou, acabou a bagunça, cada qual tratou de se virar e, graças a Deus, agora estamos livres, não temos mais jagunços então virou uma festa.
Jornal de Beltrão 26 de julho de 2007