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Francisco Beltrão
quarta-feira, 28 de maio de 2025

Edição 8.214

29/05/2025

Cachorro pode entrar na Justiça pedindo indenização a pet shop?

Essa possibilidade foi levantada no Rio Grande do Sul e divide opiniões.

Boss, um shih tzu de 11 anos, sofreu uma
fratura no maxilar durante banho no pet shop.

No Rio Grande do Sul, com base em lei estadual que define animais como sujeitos de Direito, um advogado tenta que um cachorro da raça shih tzu, de 11 anos, seja reconhecido como parte autora em processo após ter sofrido uma fratura no maxilar, durante banho no pet shop. O cachorro, chamado Boss, foi apresentado na petição como “autor não-humano”.

De acordo com reportagem do jornal Zero Hora, Boss pode se tornar o primeiro animal a se beneficiar do que consta em lei aprovada em janeiro no Estado e que define animais domésticos de estimação como sujeitos de direitos despersonificados, vedado o seu tratamento como coisa. O pedido de reconhecimento de Boss como autor do processo foi negado pela Justiça, que determinou a exclusão do cão do polo ativo da ação.

O advogado dr. Fábio de Lorensi ressalta que o direito dos animais desponta como um novo e fundamental ramo do Direito. O reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos, segundo ele, surge da necessidade de o Direito acompanhar os fatos decorrentes do dia a dia, ainda mais numa época em que a humanidade caminha para um comportamento moral e ético em relação aos animais, entendendo que se deve proporcionar a eles uma vida digna e respeitosa, pois, assim como o homem, são capazes de sentimentos, percepções e sensibilidades.

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“No aspecto normativo, desde 1978 existe a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela Unesco, que reconhece o valor da vida de todo ser vivo, de sua dignidade, respeito e inclusive a integridade dos animais. Em nosso País, desde a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, são proibidos atos de crueldade contra os animais e a Lei nº 9.605 de 1998, que define os crimes ambientais, vem demonstrando claramente o interesse crescente pelos direitos dos animais. Por isso que a tendência dentro do Direito e até mesmo dentro da estrutura judiciária brasileira é de passar a reconhecer não mais os animais como objeto de direito, mas sim considerá-los como sujeitos de direitos e, a partir desse reconhecimento, poderá o próprio animal ingressar em juízo para pleitear as mais variadas tutelas, como direito a indenização por maus-tratos, direito a adoção etc”, explica Fábio de Lorensi.

De acordo com o advogado dr. Rodrigo Lombo, em 1972, o Supremo Tribunal Federal enfrentou essa questão quando precisou julgar um recurso de Habeas Corpus que uma associação protetora de animais teria pedido em favor de todos os pássaros que se achavam na iminência de se encontrarem aprisionados em gaiolas em virtude de comercialização, de utilização, perseguição, caça ou apanha ilegal. “O artigo 70, do Código de Processo Civil, uma lei federal, estabelece que ‘toda pessoa que se encontre no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo’. O animal de estimação não tem capacidade para estar em juízo, o que não retira as proteções lhe conferidas por lei, cabendo ao seu dono buscar em juízo os respectivos direitos.”

Segundo dr. Rodrigo, o Código Civil, que também se trata de lei federal, dispõe no Art. 936 que “o dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior”. “A Constituição Federal estabelece no Art. 196 que a saúde é direito de todos e dever do Estado, mas nem por isso vemos cachorros e gatos diariamente às portas do Judiciário pedindo tratamento gratuito pelo SUS. O Estado do Rio Grande do Sul não tem competência para editar uma lei para tratar de questões de direito processual, como é o caso da capacidade de ser parte em processo. Desta forma, com o devido respeito à louvável iniciativa das associações protetivas, os animais merecem sim ser protegidos, mas jamais integrarem o polo ativo ou passivo de uma ação judicial. Animal de estimação não mantém relação jurídica com clínicas, não contrai dívidas, não assume obrigações, eles são apenas protegidos por lei, especialmente em situações de violência.”

O médico veterinário dr. Angelo Menin, a partir de consulta com o advogado dr. Fábio Henrique Togni, destaca a importância dos cuidados com os animais, mas o bichinho não fala por si e, embora seja considerado um membro da família, alguém precisa responder por ele. “Um exemplo é o cachorro entrar com processo contra o dono, por estar preso em casa”, diz Menin.

 

“Não pode haver abusos”

Por Leandra Francischett
Em 2018, Santa Catarina e Paraíba já adotaram leis similares, em que o animal acaba sendo indivíduo de direito. “A partir dessa nova visão, os direitos são cobrados pelo próprio animal, representado pelo seu tutor, que é quem tem posse dele. Eu vejo de duas formas: primeiro, acho interessante, porque o animal realmente tem direito, sente vontade, sente medo, sente dor, angústia, não pode ser tratado como objeto inanimado. O seu direito tem que ser garantido e, uma vez violado, há necessidade de uma reparação. Essa reparação só tem sentido quando o indivíduo beneficiado é o próprio animal, que sofreu a usurpação do seu direito. Dessa forma, eu acho que a coisa fica mais justa e também diminui um pouco os aproveitadores que eram os donos; a gente via ações visando ao retorno financeiro para o dono, agora chamado de tutor, mas não beneficiando o animal”, ressalta dr. José Carlos Zanella, médico veterinário.

Em contrapartida, Zanella acredita que não pode haver abusos, uma vez que na área veterinária o ônus da prova cabe a quem é acusado. “Muitas vezes ouvi profissionais serem acusados de coisas absurdas e esse profissional não tinha meios de se defender, porque não tinha produzido provas a seu favor, era muitas vezes condenado injustamente. Tem que ter bom senso nisso, bom senso resolve as coisas.”

Hoje, dentro dos estabelecimentos comerciais, até por uma proteção dos próprios profissionais que trabalham em pet shops, clínicas e hospitais, quase todos os locais têm câmeras. Por exemplo, os banhos são filmados, então, em caso de dúvida se ocorreu um trauma ou uma agressão, basta ver as imagens. “Acho legal que esse indivíduo tenha direito e que, uma vez violado, a pessoa que violou pague uma indenização que reverta ao animal. Sou contra o que era no passado, uma indústria em que muitos proprietários, hoje dito tutores, ficavam causando muito transtorno e ações às vezes absurdas na justiça. Processos como esse, que muitas vezes podem ser resolvidos de forma mais simples, viravam uma batalha judicial.”

Em 2018, Santa Catarina e Paraíba já adotaram leis similares, em que o animal acaba sendo indivíduo de direito.

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