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Não tivesse falecido prematuramente aos 66 anos, Jorge Baleeiro de Lacerda estaria completando 71 anos nesta semana, pois ele nasceu em 3 de março de 1950.
O maior estudioso do Brasil era natural do Pará, mas residiu em Francisco Beltrão no período que mais fez viagens de estudos e publicou suas pesquisas históricas, antropológicas e etc e etc, de 1975 a 2016.
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Baleeiro recebia muitas cartas, de amigos ilustres, como Villas-Bôas Corrêa.
Carta de Rio/8/3/06.
Meu caro e inquieto caminhante.
Parece que estamos na fase de troca de bilhetes, alguns de tamanho médio como o que acabo de receber, com dois artigos anexos e o anúncio da próxima aventura, com a curiosidade do roteiro que inclui a procura da sepultura do padre Saporiti, um desconhecido na minha amazônica ignorância.
Em fotos e prosa, você demonstra o orgulho de bom e resistente cavaleiro das mais exóticas montarias, como os búfalos da ilha do Marajó. A idade endureceu as juntas e dissolveu as almofadas da bunda dos tempos em que, nas fazendas do Retiro e na do meu falecido tio Raymundo, em Barra do Piraí, andei cometendo proezas e imprudências na irresponsabilidade dos meus 16 anos. Marcas na memória das longas e deliciosas viagens a cavalo fazendo e refazendo o roteiro Retiro-Cataguases-Retiro, de três léguas e meia com muito morro e buraqueira. Nada se compara à delicia de viagem em animal bom de marcha, em noite de lua com a companhia de um contador de casos como o cel. Arthur Cruz, pai da Tatá e um dos mitos da minha vida.
Agregado aos empregados da fazenda, ajudei a levar boiada de corte de Cataguases a Palma, em 12 léguas puxadas, pelos mais deferentes caminhos, atravessando pastos e capoeiras com estouros que obrigavam horas à procura das reses tresmalhadas.
Na fazenda do meu tio Raymundo uma bravata frustrada: Rumba, a égua campolina de 8 anos e nunca montada, à falta de peão disposto a enfrentar o desafio. Decidi topar a parada, indiferente aos apelos e advertências. juntou gente para assistir ao show. Custei a arranjar arreio confiável, montei sem muita dificuldade e… foi aquela decepção. Rumba não era de nada. Duas ou três rabichadas, a disparada contida pelo freio pesado e pegou a toada da marcha esquipada da nobreza da sua raça.
Mas, ao que interessa. Creio que apreciará o livro que estou lhe enviando do sábio e quase gênio Afonso Arinos, o segundo, que conheci e cujas casas frequentei. É quase inacreditável que no curso de uma existência de 82 anos, alguém consiga armazenar na cuca a fantástica soma de informações sobre os mais diferentes ramos do conhecimento humano. E que a memória prodigiosa, elaborada pela mágica capacidade de raciocinar, analisar, interpretar, antecipa-se com segurança de bruxo os lances futuros, a décadas de distância.
Até nos aparentes equívocos, como os artigos da primeira fase da ditadura militar, no governo do marechal Castelo Branco, as previsões pessimistas se realizaram no endurecimento da mediocridade dos sucessores… e o melancólico e interminável mandato de seis anos de João Figueiredo. Se exagero, puxe-me as orelhas.
Não cheguei a conhecer pessoalmente o Jimmy Scott, que ilustrou as primeiras edições dos “Casos da Fazenda do Retiro”. A editora Salamandra fechou há anos. E francamente, não gostei dos desenhos do americano que transformou em cowboys texanos os meus humildes heróis matutos.Tentarei encontrar velhas fotos desbotadas da fazenda do Retiro. Da Saudade acho impossível: seus antigos donos e moradores morreram.Boa aventura e sucesso na pesquisa do túmulo do padre.Com o abraço a toda a família, do ex-peão fracassado e amigoVillas-Bôas Corrêa
Luiz Antonio Villas-Bôas Corrêa (Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 1923 – Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 2016) foi um jornalista brasileiro. Era o mais antigo analista político do Brasil até a sua morte. Começou em 1948 e até 2011 assinou uma coluna no Jornal do Brasil. O jornalista deixou dois livros de memórias publicados: “Casos da fazenda do Retiro (2001)” e “Conversa com a Memória: a História de meio século de jornalismo público (2002)”, a autobiografia de um repórter político. Faleceu em 2016, aos 93 anos.