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Francisco Beltrão
sexta-feira, 30 de maio de 2025

Edição 8.215

30/05/2025

Chapeuzinho Vermelho no século 21

Aqui em Francisco Beltrão há casos tão cruéis e revoltantes quanto. Que fique claro, não é a roupa ou o comportamento de uma mulher/adolescente que faz dela vítima. A intenção do estuprador independe disso.

O mal sempre esteve à espreita. Contudo, diferentemente dos perigos de uma floresta, “os chapeuzinhos vermelhos” correm riscos ao andar pelas ruas, ir numa uma festa, ir na casa de conhecidos ou, mesmo, permanecendo em casa! O mal que pretende violentar ou estuprar mulheres, adolescentes e crianças na vida real não pode ser abatido por um caçador. Em que pese a lei prever o crime de estupro — “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” —, inclusive praticar tais atos a menores de 18 anos (arts. 213 à 218-C do Código Penal Brasileiro, Lei nº 2.848/1940), a condenação do réu dependerá de provas, aí está o infortúnio! E aqui reproduzo a fala que fiz a um amigo: “sabe quantas mulheres, adolescente e crianças são violentadas, estupradas ou assediadas e pouco se tem conhecimento?”. Algumas têm vergonha, outras, como crianças, não sabem se expressar; mas uma grande maioria não possui provas suficientes para a condenação do agressor. Ele me respondeu: “estou tão revoltado com o que aconteceu com a história da Mariana Ferrer que só o melhor seria matar quem pratica um crime desses”. E eis que a Constituição Federal (art. 5º, LVII) e o Código de Processo Penal (art. 386) consubstanciam que ninguém será culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória, bem como, havendo dúvida razoável o réu deverá ser inocentado das acusações. Em linhas gerais, foi o que aconteceu com o caso recente de Mariana Ferrer, que se tornou emblemático pelo tratamento desumano e antiético das autoridades e advogado presentes na audiência, passíveis de responsabilização. Naquele caso, as provas não foram suficientes para a condenação. Senhores, não se comovam apenas com notícias nacionais, por favor! Se comovam também com notícias de mulheres, adolescentes e crianças próximas a você! A situação é mais comum do que se pensa. Aqui em Francisco Beltrão há casos tão cruéis e revoltantes quanto. Que fique claro, não é a roupa ou o comportamento de uma mulher/adolescente que faz dela vítima. Se fosse assim, crianças não seriam estupradas. A intenção do estuprador independe disso; meus amigos psicólogos, psiquiatras e psicanalistas por certo confirmariam minha afirmação. Assim como namorados e maridos também podem ser considerados estupradores de suas companheiras. Sim, é revoltante, mas não vamos voltar à Lei de Talião — olho por olho, dente por dente —, tampouco retornar aos ditames do AI-5. Por certo também é preciso levar em consideração a imputação falsa de crime de estupro/ato libidinoso, infelizmente possível. Convivemos em um Estado Democrático de Direito em que o Poder Judiciário é responsável por conduzir o devido processo legal. Se não acreditarmos nisso, infelizmente é o mesmo que reconhecer que a democracia está falida. Se esse sentimento perdurar, a instalação da anarquia é certa e tão tenebrosa quanto as atrocidades cometidas por criminosos condenados. Devemos acreditar que aquele juiz, promotor e advogado que conduziram a referida audiência emblemática, foi um caso isolado e que as partes responderão ferozmente pela total falta de estrutura à vítima. Que esse imbróglio não sirva de um empecilho a mais para que as vítimas deixem de denunciarem seus algozes. E, justamente, chamo atenção para denunciarem. Por favor, não tenha medo, há pessoas que estão com você e que apoiam, mais do que você imagina. Mesmo que as provas não sejam suficientes para condenar o réu, sua denúncia irá abrir os olhos de outras possíveis futuras vítimas. Nesse caso, isso cabe processo do suposto réu por falsa imputação de crime? Sim, mas, da mesma forma, o acusado deverá provar; sem provas, não há condenação. O princípio do in dubio pro réu também é aplicado aqui. No mais, o que tenho a dizer é: Não se culpe, não é culpa sua! Não se sinta humilhada, ele é o agressor! O mal está nele não em você! Não se sinta sozinha, nós estamos com você!

Kelly Cardoso
advogada em Francisco Beltrão
Doutora em direito privado pela PUC/MG

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