Sua naturalidade é argentina, mas ela nem fala o castelhano. Quando completou seis meses de idade, sua família voltou para o Brasil. E aprendeu a falar português somente depois de casada, porque até então falava somente o alemão.
Em Porto Rico, Argentina, os brasileiros Aphonso Frederico Lunkes e Josepha Catarina Reichert Lunkes, filhos de pais alemães, tiveram seis filhos: Liduína, Vicente, Wilibaldo, Aloísio, Luíza e Clara (nascida em 25 de novembro de 1933). Aí mudaram para Cerro Largo (RS), onde nasceram mais seis: Maria, Rosa, Roque, Aphonso, Mário e Waldemar.
De Cerro Largo a família mudou para Iporã do Oeste (SC), onde Clara casou com Libório Feiten, em 1952. De Iporã, Clara e Libório mudaram para Campo Erê e pouco tempo depois, em 1955, para Santo Antônio do Sudoeste, onde nasceram os cinco primeiros filhos: Loni Maria, Celso Luiz, Valdir, Irineu e Moacir Antônio. Em 1961, mudança para Francisco Beltrão, onde nasceram mais quatro: Beatriz Izabel, Alcir Paulo, Roselei Regina e Sandro Ivan.
Em Campo Erê e Santo Antônio, Clara e o marido Libório tinham sociedade com os irmãos Libardoni. Em Beltrão, a loja passou a ser somente da família. A Loja do Vestuário vendia roupas para toda a família. Depois que Libório faleceu, em 1995 (com 64 anos), dona Clara continuou sozinha com a loja, até dezembro de 2012, quando decidiu fechar, não por cansaço, mas porque foi assaltada três vezes.
Clara Feiten foi homenageada pelo Conselho da Mulher Empresária da Acefb, dia 16 de setembro último, junto com Juraci Frank e Reinildes Vandresen. Numa segunda-feira, em seu apartamento, no Edifício Millennium, acompanhada do filho Irineu, que reside com ela, dona Clara concedeu esta entrevista para o Jornal de Beltrão. Mostra que a homenagem é bem merecida. Sua vida é de muita dedicação à família (os filhos já lhe deram 12 netos e três bisnetos, contando um que nasce em janeiro) e aos negócios.
JdeB – Se tivesse que contar só uma parte da sua vida, qual a senhora contaria?
Clara – Quando a gente casou, a gente começou com o comércio e continuava com o comércio, toda vida. Então a parte que a gente gostava era aquilo. Nós tínhamos comércio em geral, sempre em sociedade com os Libardoni. Libardoni e Feiten era a nossa firma, era Loja do Vestuário o nome fantasia. Nós viemos para Francisco Beltrão em 61, e continuamos com comércio até 2012. Meu marido faleceu em 1995 e eu continuei, sozinha. Em 2012 resolvi fechar porque me assaltaram três, quatro vezes, então a gente ficou com medo.
Quando a senhora começou a trabalhar no comércio, também começaram a nascer os filhos. Como é que a senhora se virava, conseguia ajudar o marido?
Clara – Trazia eles pra loja e sempre acompanhei o comércio. Eles estavam sempre junto comigo, os filhos todos.
Mesmo assim, nenhum saiu comerciante.
Clara – Nenhum. Eles preferiam todos estudar, a gente conseguiu dar faculdade pra todos eles e cada um está se virando, nenhum com comércio.
E nem pra tocar sua loja agora não tem?
Clara – Não, não. Mas estão todos bem, graças a Deus.
O que sua mãe, sua família falava da Argentina, onde a senhora nasceu?
Clara – Eles gostavam da Argentina. A minha mãe era enfermeira, ela trabalhava e o pai era carpinteiro, trabalhava de construção. E um tempo ele puxava tora no rio, “pauceiro” ele era, que eles colocavam as toras no rio e levavam. Numa época ficou ruim lá na Argentina, os pais resolveram vir embora pro Brasil, daí o pai sempre foi agricultor, com 12 filhos no final, sempre foi tudo difícil.
E como eles foram parar na Argentina?
Clara – Eles eram solteiros, a mãe e o pai, daí casaram, resolveram casar em Céu Azul, Cerro Largo chamavam antigamente. Casaram e foram morar pra lá e trabalharam lá, e daí que vieram seis filhos. Mas ficou ruim lá, não tinha assim o comércio, e financeiramente também ficou ruim, eles vieram morar pro Brasil.
Aprenderam a falar castelhano?
Clara – É, eles falavam castelhano, a mãe e o pai. Agora nós não falávamos, porque eram todos pequenos.
Irineu – A mãe falava só alemão até 21 anos.
Clara – Só alemão, eu aprendi o alemão, depois o português quando nós viemos morar no comércio, quando eu casei.
Até casar a senhora falava só alemão?
Clara – Só, só alemão.
E o seu Libório também?
Clara – Também.
Irineu – Aprendeu ali na bodega.
Clara – A minha família é toda de origem alemã e os filhos todos falam alemão.
E o castelhano, mesmo o tempo que morou em Santo Antônio, não aprendeu?
Clara – Não aprendi, a gente entendia quase tudo porque moramos sei anos lá, então a gente tinha bastante cliente da Argentina também, mas não aprendi o castelhano.
Hoje a senhora fala ainda o alemão?
Clara – Eu falo alemão, falo tudo. Mas com outras pessoas é pouco porque aqui não tem alemão. Aqui a gente fala só o português, porque meus filhos nenhum aprendeu o alemão.
E quando a senhora se encontra com seus irmãos, em qual língua falam?
Clara – Ah, nós falamos de tudo, mas o mais é português, porque eles também tão agora já tudo…
Irineu – Eles querem falar mais alemão, a mãe que menos fala.
E como foi que a senhora conheceu o seu Libório?
Clara – Nós éramos meio vizinho lá, nos bailes. Antigamente se arrumava namorado nos bailes, só.
O seu pai ia também ou só liberava os filhos?
Clara – Não, o pai levava e trazia nós.
Era baile que nem agora, que começa meia-noite e vai até seis da manhã?
Clara – Não, o baile começava seis horas e ia até as três da manhã, e tudo vinha embora.
E no outro dia ia trabalhar?
Clara – No outro dia ia trabalhar, e os bailes não eram de sábado, eram de domingo. Naquela época era só domingo que fazia baile, sábado tinha que dormir pra ir na missa domingo de manhã.
Todo domingo tinha missa?
Clara – Todo domingo, e não podia faltar.
E vocês namoraram muito tempo?
Clara – Não, três anos, mas era namorinho assim de longe, não que nem hoje, que se vê todo dia. Uma vez por semana a gente se enxergava, só.
E o seu Libório já era do comércio?
Clara – Não, eles eram agricultores também, depois resolveu pegar uma filialzinha do Libardoni e fomos cuidando. Nós trabalhávamos por mês, depois fizemos a sociedade e continuamos até 1970, mais ou menos.
Irineu – Mudamos pra Cango.
Clara – Dividimos a firma.
Irineu – 1974.
Clara – 70 por aí, daí dividimos a firma, o Libório pôs a firma só pra ele, Libório Feiten ficou a firma.
E quando era solteira, a senhora trabalhava?
Clara – Trabalhava de empregada doméstica, em Iporã do Oeste.
Depois que montaram a loja, quem é que puxava mais os negócios, a senhora ou seu Libório?
Clara – Nós puxava os dois, mas quem tocava mesmo o comércio era eu.
Tocava o comércio e cuidava os filhos?
Clara – Cuidava dos filhos, ajudava cuidar a casa ainda, trabalhava mesmo.
Irineu – Porque tinha as filiais, e a mãe que ia cuidar as filiais. A mãe que viajava pra Barracão, pra Capanema, pra Pato Branco. Aquela vez era difícil.
Ele não era muito chegado no trabalho?
Clara – Não.
Logo que vocês casaram também?
Clara – Logo em seguida não.
Irineu – Quanto tempo de casado começou?
Clara – Acho que uns oito anos depois ele começou a beber.
Irineu – Beber bastante.
Naquele tempo não tinha tentativa de parar de beber? Não tinha AA?
Clara – Não tinha, naquela época não tinha isso.
A senhora falava pra ele parar de beber?
Clara – Falava.
Ele era daquelas pessoas que depois de bêbado incomodavam?
Clara – Incomodava, em casa sim. Fora não. Fora ele era um santo com todo mundo, mas em casa ele chegava, os filhos se trancavam nos quartos. Ninguém chegava perto dele, porque ele era agressivo também.
Irineu – A gente não pode reclamar, porque a gente teve, todo mundo foi pra fora estudar, sem trabalhar, sem fazer nada. Isso o pai e a mãe, eles tinham uma vida, um padrão de vida bom, então eles podiam manter a gente fora. Mas uma vez a gente tava em Curitiba estudando, e a mãe me telefonou de manhã cedinho, antes de eu ir pra escola, o Positivo, telefonou que o pai tinha, de noite, entrado em casa “tchuco” e tinha quebrado todos os nossos discos, tudo! Mandou o guardião subir, sempre tinha guardião na casa, e pegar todos os discos…
Clara – Discos grandes.
Irineu – Trezentos e poucos discos, quebrou tudo, que “era tudo música de viado”, porque eram daquelas músicas da moda, que era americano, dizia que era tudo música de viado. Então tomava os “petruque”, ficava loco, eram essas coisas que ele fazia, era o cão chupando manga.
Os filhos sofreram, mas a senhora muito mais?
Clara – Nós sofremos tudo junto, porque não tinha, que nem aquele tempo a gente fala em separar, não tinha, você ia com oito filhos aonde? Então tinha que ficar aí e aguentar.
Irineu – Nós éramos em quatro estudando fora uma época. Era eu que tava em Passo Fundo já, Curitiba e Passo Fundo, o Alemão tava em Joinville, o Celso em Curitiba e o Pita em São Leopoldo, então a mãe só tinha que trabalhar, né, quem tinha que mandar dinheiro pra nós? Eram quatro aluguéis, era só um que tava numa faculdade federal, o resto era tudo particular e a mãe que se matava trabalhando, porque era complicada aquela época, e o velho não colaborava muito.
Clara – E ele dizia assim “esses que trabalham que nem nós trabalhamos, eles não precisam de estudo” e eu dizia “vamos dar estudo pra eles, porque depois eles se viram quando eles têm o estudo, mas enquanto isso a gente tem que colaborar com eles”.
A sua jornada então era puxada, que hora levantava?
Clara – Eu levantava cedo, arrumava o café pras crianças, dava café pra todo mundo. Quem tinha que ir pra escola arrumava e quem não ia pra escola ia junto comigo na loja. Tinha sempre um bercinho, já pronto, que o neném dormia no berço e ficava lá.
Ficava o dia inteiro na loja?
Clara – Dia inteiro na loja.
Os funcionários também ficavam por sua conta?
Clara – Era tudo comigo. Nós tínhamos até 12, uma época. Mas daí eles já eram um pouco maior naquela época que esses funcionários que nós tinha, que era aqui em Beltrão já. Nós morávamos na esquina da Luiz Faedo e tinha o comércio ali, depois que mudamos pra Cango, então os filhos já eram maiores, já colaboravam um pouco também.
Qual foi o melhor período, o melhor lugar pra loja?
Clara – Beltrão. Que Santo Antônio nós tinha a loja Renner, mas a Renner no fim eles começaram complicar, queriam que vendesse só produto deles, e daí o Libório não concordou, queria vender o que vinha na frente dele. Daí vendemos a Renner e viemos pra Beltrão, botamos comércio geral.
Na Renner vendia de tudo também?
Clara – Não, mais era o produto deles. Roupa e calçado, tinta eles tinham naquela época, mas eles queriam que vendesse só o que tinha marca Renner. Daí deixamos de vender a Renner, vendemos a loja lá e viemos embora pra Beltrão. Daí colocamos o comércio aí. Tinha atacado, tinha sete ou oito caminhões que entregavam pra fora, caminhão não, as 350. Nós íamos pra Blumenau e enchia a 350 de mercadoria e numa semana vendia tudo.
Como foi a decisão de mudar de Santo Antônio pra cá?
Clara – É que nós não queria mais trabalhar com a Renner, daí lá o lugar era menor e resolvemos vir pra Beltrão. Beltrão naquela época era novo, então tinha campo e nós tínhamos bastante movimento do interior, da colônia, nós tínhamos bastante freguesia. Naquela época não era que nem hoje, que cada um vai se comprar, na época vinha o pai e enchia o saco de mercadoria e levava pra todo mundo, você tinha 12 filhos, comprava pros 12 filhos. Então a gente vendia mesmo, bastante.
Vendia também tecido para fazer roupa?
Clara – Tecido, tecido em metro e aqueles brins pra fazer calça, aquelas coisa tudo.
E tinha crediário?
Clara – Tinha, mas tudo no caderno.
Perdeu muita conta com isso?
Clara – Nós perdemos bastante, mas deu pra superar.
“Companheirona pra me ajudar no intercâmbio”
JdeB – A senhora teve duas mortes na família, primeiro perdeu o filho Valdir, com seis meses de idade?
Clara – Sim, o filho quando ele tinha seis meses, na época da revolta da Citla. Naquela época nós morávamos em Santo Antônio ainda, então todo mundo saiu
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Libório e Clara Feiten com seus oito filhos: Moacir Antônio, Beatriz Izabel, Alcir Paulo, Loni Maria, Irineu, Sandro Ivan, Roselei Regina e Celso Luiz. |
de casa porque iam invadir a cidade, a promessa era aquilo, não sei. Nós fomos pra divisa da Argentina, fomos tudo num galpão, pousamos tudo num galpão lá três dias, daí todo o pessoal da cidade foi pra lá e lá ele ficou doente, um mês depois ele faleceu. Pegou friagem, pneumonia.
Foi sepultado em Santo Antônio?
Clara – Santo Antônio. Depois trouxemos ele pra cá. Ele tá enterrado aqui.
E a morte do marido, como foi?
Clara – Aquele deu câncer, daí fomos tratando ele, levamos sete anos, carregamos ele pra frente e pra trás em tratamento, que aqui não tinha naquela época, era em Curitiba só. Então todo mês nós ia pra Curitiba, ficava três meses lá e daí voltava, às vezes ficava uma semana daí voltava pra Curitiba de novo. Até que se agravou, tomou conta e faleceu.
Morreu novo?
Clara – É, morreu com 64 anos.
Irineu – Naquela época, como eu formei e vim embora, eu não comecei a trabalhar na profissão como advogado, eu fiquei cuidando. Então a mãe ficava nessa folia pra frente e pra trás com o pai, eu que fiquei cuidando a loja, o comércio.
E dos filhos, qual foi que deu mais trabalho?
Irineu – Não olhe pra mim, porque eu não fui. Pelo amor de Deus!
Clara – Sabe que nenhum me deu trabalho, não. Os meus filhos, não sei se era mais fácil criar filho naquela época, mas eu não sofri pra criar eles. Eu consegui dar tudo que eles queriam e nunca faltou nada pra eles.
Sem pré-natal, a senhora sabia se ia ser guri ou menina?
Clara – Não, sabia quando nascia.
E quem escolhia o nome?
Clara – Nós conversava, mas mais era ele que escolhia os nomes, só depois que nascia. Os filhos nem sabia que ia nascer o irmãozinho, nada disso.
E a senhora ficava quanto tempo sem trabalhar?
Clara – Quatro ou cinco dias. Daí já ia pra loja, trepava escada e erguia as coisas e guardava. Tinha que trabalhar.
A senhora recebeu uma homenagem do Conselho da Mulher Empresária, a que a senhora atribui essa homenagem?
Clara – Bom, eu achei que foi gratificante, acho que merecido também, porque o tempo que a gente trabalhou e lutou… Mas eu não esperava que ia acontecer. Que ia ser homenageada, apesar de que eu já fui homenageada pela prefeitura, uma vez também de comerciária mais antiga.
Ultimamente a senhora trabalhava mais por prazer, não por necessidade?
Clara – Não, por necessidade não. Eu me sentia bem. A loja fez bastante falta pra mim. Era acostumada sempre trabalhar e parar assim meio devagar, porque os filhos não quiseram mais que eu abrisse depois que fomos assaltados três, quatro vezes. Daí “a senhora não precisa disso, vamos parar”, e fechamos as portas.
E de Beltrão já são então 52 anos?
Clara – Beltrão pra nós foi muito bom. A gente sempre lutou com comércio e foi bom, nós sempre tinha bastante movimento.
Irineu – A mãe sempre diz isso. Que sabe que eles tinham a Renner em Barracão e Santo Antônio, e a Renner e a Alfred eram as duas marcas boas. Daí o pai tinha a Renner e ele colocou do lado a Alfred, mas com outro nome, a Farroupilha, e eram de Porto Alegre as matrizes. Mas alguém foi pra Porto Alegre e dedou o pai, e daí o pai perdeu a franquia da Renner, tanto que a Renner tem aqui em Beltrão por causa disso, veio pra Beltrão. Mas a mãe sempre disse que foi melhor ainda, porque, depois que ela veio pra cá, cresceu muito mais.
Qual era melhor pra vender, da Alfred ou da Renner?
Clara – A Alfred era mais fácil pra vender, porque a Renner trabalhava mais com sob medida e a Alfred não, era tudo pronto, a gente fazia o estoque e vendia.
A senhora incentivou que os filhos estudassem. E o seu estudo, como é que foi?
Clara – A gente incentivou eles porque sempre dizia “quando eles tem o estudo, depois cada um se guia na profissão dele”. Um fez Direito, outro fez Engenharia Civil, outra fez Administração, outra fez Contabilidade, Farmácia. Mas o meu estudo foi até o segundo ano, a cartilha.
Irineu – Mas em alemão isso.
E daí pro português a senhora teve que se virar?
Clara – É. Depois de casada, às vezes eles vinham pra bodega pedir alguma coisa, eu não sabia o que eles tavam pedindo porque eu não entendia. Mas eu aprendi bem rápido. Acho que em seis meses eu aprendi o português.
E fazer contas, como é que a senhora aprendeu?
Clara – Primeiro eu fazia tudo na cabeça, depois que eu comecei a fazer no papel e lápis.
Como a senhora fazia pra definir os preços?
Clara – No início o Libório ajudava, daí nós colocávamos os preços, mas depois, que eu tinha a prática, era só eu que fazia.
Vocês tinham bastante estoque na loja?
Clara – Nós tínhamos muito estoque, o Libório era muito louco pra comprar. Às vezes nós fazia o pedido em casa, do viajante, e de noite eles iam no bar tomar umas cachaças e dobravam o pedido. Eles já conheciam ele, levavam ele.
E vocês tinham que se virar vender?
Irineu – Como tinha mais que uma loja, ainda bem que dividia, mandava pras filiais, daí era mais fácil, mas de Pato Branco, eles vinham aqui comprar com o pai e a mãe, era o maior comércio que tinha antigamente, sabe onde é o Edifício São Francisco? Era aquela esquina inteira, tudo ali.
Um casarão de madeira. Era de vocês?
Clara – Era nosso.
Irineu – Eu fico admirado que não tenha uma foto.
Clara – Naquele tempo não se tirava foto, só se trabalhava.
Irineu – Mas, mãe, como é que os outros têm? Agora a Tânia deu pra ela de presente aqueles livros da prefeitura, ali tem tudo e nós não temos uma, e o pai aquela vez tinha o comércio maior de Beltrão em 63, 64, nós éramos sócios dos Libardoni, o dono da Parati de São Lourenço do Oeste, o Ângelo.
Vocês que construíram?
Clara – Esse casarão já tinha quando nós chegamos ali, que era dos Rinaldi, que eles tinham madeireira.
Quanta história. Então ficou o trauma maior foi da revolta ainda?
Clara – É, aquilo foi maior, depois dessa revolta, que tudo ficou parado o comércio, daí nós viemos pra Beltrão.
E a loja naqueles dias ficou fechada. Não assaltaram?
Clara – Ficou, ficou tudo fechado. Comércio ninguém abriu e todo mundo se mandou de casa, não tinha ninguém em casa.
E o que a senhora se lembra do Augusto Pereira, lá de Santo Antônio?
Clara – Aquele era um colono, ele era nosso cliente, vinha de manhã e ficava o dia todo na cidade, tomando as cachacinhas, almoçava com nós às vezes.
Irineu – Ele está vivo ainda?
Não, morreu num acidente. Perto de casa, ele tava andando do lado do asfalto e um caminhão entrou no acostamento e pegou ele.
Irineu – Lá tem o Pedro Correia, não sei se o senhor lembra?
Sim.
Irineu – Pois é, o Pedro Correia é o meu padrinho. Lembra que ela morreu, a madrinha Lígia?
Clara – A Lígia, esposa dele.
Irineu – Ela morreu, três anos, eles tavam 15 dias aqui em Beltrão, lá em casa, o seu Pedro e a madrinha Lígia, ele dirigindo no trevo, morreu ela num acidente também.
Clara – E ele ficou meio “tantã” também com a batida que ele deu.
Só do batizado e crisma dos seus filhos já deu bastante compadre, e você também tinha afilhados de outros?
Clara – Temos, nós temos bastante também. Em Santo Antônio tinha compadre tudo que era lado. E depois em Beltrão também, tem o Benito aí, o Zanin, lá em cima, é nosso compadre, tem mais uns compadre aí, o Arquimedes.
Beltrão mudou bastante, dona Clara?
Clara – Mudou bastante. Nossa, quando nós chegamos era só terra, chão, era uma poeira que você não vencia de limpar o pó, e hoje tá uma beleza isso aí. Ali na Cango não tinha nada também naquela época, tinha uma pontezinha baixa em cima do rio, só.
E o povo de Beltrão, como é?
Clara – O povo de Beltrão eu gosto muito, inclusive que eu sou interactiana no Rotary, faz quantos anos?
Irineu – Uns 18.
Clara – Uns 18 anos que eu sou interactiana. Nós viajávamos junto com os interactianos, eu e o Irineu, uns 12 anos nós viajamos junto com eles quando eles iam nos “jizes”, nos jogos, sempre nós acompanhávamos eles.
Irineu – Na assembleia distrital.
Clara – É. E eu acho muito bom isso aí, acompanhar a piazada, os jovens. Por isso acho que o Irineu também gosta de trabalhar com essa piazada, com intercâmbio.
Irineu – Hoje meu braço direito é a mãe no intercâmbio. Ela que me ajuda. Se eu não possuir, a senhora é a primeira a estar dentro do carro.
Clara – Esses jovens, eles gostam de mim, acho que ao menos fazem que gostam, e eu gosto deles também.
Irineu – Eles têm medo que eu mande eles embora, daí eles ficam agradando a senhora.
Continua com o espírito jovem, né, dona Clara?
Clara – É, acho que tudo ajuda.
E, Irineu, como que é o acompanhamento da sua mãe nos seus trabalhos do Rotary?
Irineu – No Roraty, o meu braço direito no intercâmbio é a minha mãe. Porque eu sozinho é muito difícil dar conta. Que no meu cargo sherman do Brasil, que tem o Brasil inteiro, que cada distrito tem o seu sherman, por exemplo, aqui no Paraná tem quatro distritos, tem quatro sherman. Eu que sou de Beltrão, o Tertolino, que é um médico de Maringá, o Guirro, que é um professor da universidade de Londrina, e o Mestrini, que é de Curitiba, também médico. Todos eles têm escritório onde funciona o intercâmbio, eu não tenho escritório, e eles têm secretária que trabalha no intercâmbio, eu não, eu faço intercâmbio sozinho, no meu escritório, e quem me ajuda é a mãe. Eu acho que é um trabalho voluntário, porque eu que quero fazer, ninguém me obrigou a ficar nesse cargo, então eu me disponho a fazer e faço porque eu gosto. Então é a mãe que ajuda direto nisso aí, pra frente e pra trás, aonde eu preciso. Toda semana é difícil que não tenha que ir a Foz, a Curitiba, a Pato Branco. Que é pepino, um atrás do outro. É rolo com jovem, os nossos pais, os pais dos nossos que estão fora, que estão recebendo, acham que só os deles são perfeitos, né, e os de fora não, que só os que vêm de fora que fazem as coisas erradas, que os nossos não fazem nada, coitados, pobre iludido, mas são assim. Então, pra eles tudo é complicado. Tudo você tem que viver passando o paninho, arrumando, e a mãe que me acompanha.
Nas viagens também?
Irineu – Todas as viagens que eu faço a mãe vai junto, só na internacional, que eu viajo uma ou duas vezes por ano pro exterior, a mãe não faz junto por causa da perna dela, que dá trombose, senão ela sempre tá comigo. Companheirona pra me ajudar no intercâmbio.
Clara – Já fomos pra Salvador, fomos pra Ouro Preto, Ribeirão Preto…
Irineu – Às vezes eu tenho esses encontros e ela vai junto comigo, no Brasil, vai em todos que tem.
Uma mãe dessas não se encontra em qualquer lugar.
Irineu – Não, não, não, mas ela tá meio triste que não pago salário pra ela. Mas eu tô bem.