Na eleição deste ano, ele quebrou um recorde que parecia impossível: superar Walter Pécoits, líder da Revolta dos Posseiros que, na eleição para prefeito de 1960, fez quase 75% dos votos, deixando apenas 26% para seu concorrente. Pois Cleber fez 80% dos votos, e tinha dois concorrentes. Nesta entrevista, Cleber mostra que isso não aconteceu por acaso. Aos 42 anos de idade, já aprendeu segredos da política que muitos veteranos ainda não sabem, ou não conseguem pôr em prática.

Aos 42 anos de idade, Cleber Fontana já construiu uma carreira política invejável. Após duas gestões como vereador (2005-2008 e 2013-2016), elegeu-se prefeito de Francisco Beltrão em 2016 com recorde de votos para o município – 25.585 – e se reelegeu em 2020 com um recorde para todo o Sudoeste do Paraná – 37.472 votos.
Na votação deste ano, ele superou também um recorde que se mantinha por 60 anos nas eleições municipais de Francisco Beltrão: em 1960, Walter Pécoits se elegeu prefeito com 6.297 votos (74,1%), superando o ex-prefeito Rubens Martins que fez 2.201 (25,9%). Em 2020, Cleber fez 80,39% dos votos, concorrendo com mais dois candidatos. Tem quem afirma que ele pegou candidatos “fracos”, mas seu currículo mostra que é uma pessoa que vive a política desde muito jovem e que põe em prática tudo que aprende com ela.
Nesta entrevista especial para o Jornal de Beltrão, o prefeito reeleito volta à infância para falar do garoto que gostava de assistir programas políticos e comícios, depois o estreante como candidato que perdia tempo visitando casa por casa, da maneira como agiu para animar seu pequeno grupo que se sentia derrotado no início da campanha de 2016, e o contrário, o que fez para conter a euforia do grande grupo que o acompanhou na campanha histórica de 2020.
(Entre uma pergunta e outra também há anotação de alguns tópicos, pra “dar um fôlego”, porque as respostas são longas)
JdeB – Dizem que o seu jeito para a política não veio quando se candidatou pela primeira vez, mas desde cedo percebiam seu lado político. Como era o garoto Cleber Fontana?
Cleber Fontana – A minha mãe conta que eu era muito criança ainda e já gostava de assistir na televisão o horário político. Diz que eu era muito novinho, coisa de 3 aninhos, ela me botava no sofá, na frente da televisão, e quando era horário político eu gostava de assistir. E desde muito cedo eu sempre participei.
Nós morávamos em Passo Fundo, e me lembro que em 1989 teve aquela eleição que o Collor ganhou, e o Brizola foi candidato, e o Brizola fez um comício em Passo Fundo e eu quis ir. Eu tinha 11 anos. Tiveram que me levar no comício para eu assistir o Brizola falar. Depois, na escola, sempre fui apontado para ser o presidente da classe, ou líder da sala de aula. E quando fui estudar aqui, primeiro no Suplicy, depois no Reinaldo Sass, fundamos o grêmio estudantil, e eu fui presidente do grêmio. Na Unipar, eu fui da primeira turma de Direito, iniciamos a faculdade de Direito, depois acabei mudando para história, me formei em história, mas na faculdade de Direito eu fui presidente do diretório acadêmico. As primeiras aulas foram no shopping, antes de construírem a sede. E eu lembro que conseguimos fazer a aula magna trazendo juristas. Trouxemos o Renê Dotti, na época, para fazer uma palestra aqui em Francisco Beltrão. Então sempre estive à frente. Automaticamente, eu acho que a pessoa vai gostando, e os outros vão enxergando também. Então surge, ‘tem que organizar uma viagem da gurizada. O Cleber organiza’, botavam a gente à frente. E foi indo.
Em 2000 eu tive vontade de ser candidato a vereador, tive apoio da minha mãe, do meu pai…
Como essa vontade foi despertada?
Nós tivemos um episódio que me deixou meio contrariado. Foi uma decisão da Câmara contra nós, contra a nossa empresa, o Pasc, e isso me incomodou muito, na época, e eu comecei a assistir as sessões da Câmara. Era no antigo prédio da Comagil.
Eu cheguei lá e conheci pessoas como o Mano Follador, o Pitinho o Parizotto, o Azollini e outras figuras, vereadores da época, o Celmo Salvadori, o Jair Link. E eu via coisas corretas, que me animavam, e via coisas erradas que me incomodavam. Então me suscitou a vontade de ser candidato, mas eu não tinha nenhuma filiação partidária.
Tinha uma pessoa que trabalhou com nós muitos anos, o Orlando Redivo, e eu falei para ele: senhor Orlando, eu quero ser candidato a vereador – ele é pioneiro em Beltrão, chegou aqui em 51-52 – e ele falou ‘Então você tem que se filiar”. E eu perguntei a ele “como que funciona isso?” E ele falou: ‘você tem que procurar. Vai ali e fale com o Otercílio, que o Otercílio vai te ajudar com isso’.
O Otercílio Salvati.
“E eu fui ali no Otercílio, no Mazocco Salvatti, que tinha a empresa ali, subi e conversamos, e o Otercílio disse: ‘então já vamos te filiar no PMBD’ [risos]. E aí me mandaram eu falar com o dr. [Almirante] Melati, que tinha o escritório em frente ao Banco do Brasil, e eu fui lá. O dr. Melati estava assinando uns papeis, e eu entrei. E ele olhou… imagina, eu tinha 21 pra 22 anos, um pouquinho antes de 2000. Ele olhou meio por cima assim e falou: ‘Ah, você que quer ser candidato? Assina esses papeis aqui’. Não deu muita bola, é claro, eu não tinha muito conhecimento.
E fui fazer uma campanha com toda a inexperiência possível. Eu sozinho, só com o apoio da família, fiz 340 votos. Ali eu aprendi o quanto a gente erra na primeira vez. Fui apenas com a vontade.
Eu lembro que um dia eu saí para fazer campanha na estrada do picadão. Entrei ali no seu Honório Folador, fui tomar um café com eles, 6h, da manhã, cedo. Tomei um café e fui indo. E eu visitava todas as casas, não pulava nenhuma. No interior eu ia visitando, visitando e visitando. E eu acabei chegando ao meio-dia no Km 20, para almoçar. Quando foi 2h, da tarde, eu fui na casa do seu Braz Délcio Cluzeni, fiquei duas horas lá, conversando com ele, tocando gaita, tomando o vinho dele. Quando não aguentava mais, ele falou assim: ‘Então, rapaz, você é um piá bom, gostei de conversar contigo. Mas viu, aqui nem adianta, que todo mundo vai votar no Irineu Wessler’. Aquilo me desanimou tanto, vim pra casa quase chorando. Depois eu entendi o que eu fazia de errado, eu ia parelho, e não é assim. Eu teria que ir nas pessoas que já tinham uma certa afinidade com o nosso lado, enfim.
E isso tudo a gente vai aprendendo. Vai aprendendo como é o ser humano, como é o eleitor, o que as pessoas esperam, vai ouvindo, vai vendo os erros e os acertos. Bom, fiz 340, não fui eleito.
Continuou ligado ao PMDB.
Em 2002 veio a eleição do Requião. Eu ajudei a trabalhar na campanha. E, na época, a referência aqui era o Caíto Quintana. O Caíto foi nomeado chefe da Casa Civil. Eu me dava muito bem com o Caíto, mas, não sei por qual razão, nós tivemos uma reunião no escritório do [João Batista] Zancanaro, e o deputado Osmar Serraglio estava lá, tinha sido eleito. Conversando com ele, ele gostou de mim e eu gostei dele, e eu pedi: deputado, eu quero disputar de novo a eleição. Ele falou ‘olha, você precisa ter um bom trabalho para as pessoas te conhecerem’. E ele me indicou, junto com o Caíto, ir para o IAP, o Instituto Ambintal do Paraná. E eu fui chefe do IAP com 24 para 25 anos, fui um dos chefes mais jovens.
Dois anos depois fiz um trabalho na região toda, avancei. As pessoas diziam que eu iria só me queimar no IAP. Pelo contrário, eu alavanquei dali, fazendo visitas nas escolas, educação ambiental, falando da Ecologia, como um todo, e eu tive essa abertura. Aprendi muita coisa. Seu Izair Favreto, que tinha sido prefeito em Ampere, era meu superintendente. Também é uma pessoa que me ensinou muito. Quando dava aquelas loucuragens da juventude ele dizia ‘calma Cleber, é por aqui’.
Então, eu sempre tive pessoas que me ajudaram, pessoas mais velhas.
Na primeira candidatura em 2000, já tinha algum trabalho?
Não, não tinha. Eu só trabalhava no Pasc.
O Pasc foi herdado da família?
O Pasc eu criei. Meu pai tinha a funerária, e eu criei o Pasc. Eu comecei a levar os doentes, pegar as pessoas e levar para casa. Fazer aquele trabalho social ali.
E aí foi passando, e em 2004 veio a eleição, e o Cordasso já era prefeito e foi para a reeleição. E eu fui novamente e fiz 1.346 votos. E fiquei como o único vereador eleito do PMDB, na época. E aí comecei o trabalho.
Em 2006 tivemos aquele percalço quando houve uma ruptura no PMDB. Tivemos brigas internas e eu saí do PMDB e o partido tentou tomar o meu mandato. Foi para o tribunal eleitoral em Curitiba. O dr. Sadi de Marco pegou a minha causa e disse: ‘Nós vamos ganhar isso’. E foi o primeiro caso julgado no Paraná, e acredito que seja o primeiro do Brasil, que foi sentenciado que a infidelidade foi do partido para comigo, e não do candidato para o partido. Ganhamos por unanimidade no tribunal. Eles entenderam que a minha saída na época foi pelo partido ter mudado de caminho, e eu permanecia como era a diretriz.
E aconteceu um fato interessante: saindo do partido, eu comecei a conversar com pessoas de outras agremiações. Mais ao centro, mais à direita. E me chamou a atenção, porque eu escutava quando eu estava do lado de lá – isso é uma coisa muito forte de falar, mas eu vou contar aqui –, quando eu estava do lado de lá, eu escutava que do lado de cá só tinha bandido, que os PDS eram malvados, que os PDS eram todos ladrões, que não sei o que. Quando eu comecei a conviver com lideranças mais ao centro e, à direita, eu escutava a mesma coisa daquelas pessoas que eu conhecia: ‘São todos vagabundos, não querem saber de trabalhar, são todos ladrões’. E eu comecei a entender, mas espera aí, tem gente boa dos dois lados, e eu conheço, eu tinha referência de pessoas queridas tanto do lado de cá quanto do lado de lá. Pessoas que ajudaram a construir o município, empresários, pioneiros, agricultores, pessoas do comércio, dos dois lados. Eu falei: tá errado isso, não pode ser. E eu fiquei meio no centro na época.
Aí houve o convite do (prefeito Wilmar) Reichembach para ser secretário, para criar a Secretaria de Meio Ambiente, em 2009. Eu vinha de uma eleição, eu fui vice do [Eduardo] Scirea, perdemos a eleição. Primeiro eu relutei um pouco, porque eu já não estava mais querendo ir atrás de política, estava desiludido. Mas acabei aceitando.
Com todo o apoio, criamos a Secretaria do Meio Ambiente. Trabalhei até 2011, início de 2012. Em 2012 veio a eleição e eu já fui candidato a vereador pelo PSDB.
Fizemos um trabalho na Câmara, de 2013 a 2016, fiz oposição ao então prefeito [Antonio Cantelmo] Neto, mas com muita tranquilidade, muita responsabilidade. E eu posso dizer, o que mais me ajudou foi justamente essa salada ideológica que eu vivenciei, desde o movimento estudantil. Conversei com muita gente de esquerda, depois muita gente de direita.
Como deve ser o político.
Eu acho que o político não pode ser radical. O radicalismo atrapalha as decisões. A maior conquista que um homem pode ter, em qualquer coisa na vida, é a liberdade. É poder tomar as decisões que ele julga serem as mais corretas. E quando você está muito atrelado ideologicamente, muito de um lado só, você fica refém. E eu, sem problema nenhum, falo: os líderes precisam ter a liberdade de buscar o que é bom à direita, o que é bom à esquerda, o que é bom ao centro. Eles precisam ter a liberdade de dizer o que eles não querem da direita, o que eles não querem da esquerda, o que eles não querem do centro. Ser hoje mais de centro não é não ter opinião, é poder ter essa liberdade de buscar.
E o Brasil, o povo brasileiro, agora que vai começar a entender isso, porque nós nunca tivemos um governo de direita na era moderna, da política, depois da redemocratização.
Eu sempre digo, o brasileiro é muito verde em democracia. Nós votamos no Collor, teve impeachment. Depois nós tivemos o voto no Fernando Henrique, o voto no Lula, o voto na Dilma e agora o voto no Bolsonaro, o quinto presidente votado, a quinta pessoa que recebe o voto do brasileiro. E é a primeira vez que nós estamos tendo esse governo de direita.
Então, só a partir de agora, ao término deste governo, é que o brasileiro vai começar a ter uma noção do que é votar num governo de direita, um governo de centro e um governo de esquerda. Até então, nós não conhecíamos isso. E muitas vezes a gente se compara aos Estados Unidos, que estão há 100 anos votando, e eles alternam, ora colocam um governo mais liberal, ora um governo mais conservador, ora um governo mais social apoiado na democracia social. E o brasileiro não entende muito isso, é muito da pessoa, do candidato. Eu acho que quando terminar esse governo do Bolsonaro o brasileiro vai ter uma noção assim: ‘Bom, agora está precisando de um governo que olhe mais para o social’. E então irá votar em alguém mais de centro, centro-esquerda. ‘Agora está muito social, nós precisamos fortalecer mais o setor produtivo, mais o setor empreendedor. Então nós vamos botar um de direita’. Me parece que isso será algo que a história irá mostrar.
Visão de privilegiado.
Eu digo que sou um privilegiado, porque consigo hoje ter essas visões que eu trago um pouco lá da pequena empresa. Eu sei o que é abrir a gaveta, pegar as promissórias e não ter dinheiro para pagar todas elas, e ter que escolher qual você vai pagar hoje e ligar para o fornecedor e falar: ‘o teu vai ter que ficar para o mês que vem’. Toda pequena empresa no Brasil já passou sufoco financeiro, e nós também passamos.
Na eleição deste ano, o nome de Cleber Fontana foi ligado ao do dr. Walter Pécoits porque bateu o recorde histórico de 60 anos, que ele ganhou de um candidato com diferença de 74% a 26% dos votos. E a sua vitória foi de 80% contra 20% de dois candidatos. Mais expressiva ainda. Uma semelhança que se pode ver no Cleber é que militou dos dois lados, como o dr. Walter também fez, porque ele era médico no tempo da Revolta de 57 e atendia os posseiros e também o pessoal das companhias. Daí que sai o verdadeiro político?
Ele (dr. Walter) sofreu perseguições, foi deposto do cargo de deputado em 64 pelo ato institucional. E isso, claro, deve ser terrível.
Eu acho que você pode ter convicções e posições. O que eu sinto hoje, o que mais me incomoda, é ver líderes e lideranças jogando para a torcida. E isso eu observo muito no Congresso Nacional, e isso me incomoda.
O que é o líder? O líder é aquela pessoa que tem uma ideia, e que está convencido desta ideia, ele sabe que essa ideia é boa para todos, e ele tem o papel e a função de convencer a sociedade de que é a melhor ideia, mesmo que a sociedade, no primeiro momento, não concorde com isso. Porque a população não tem todas as informações e o contexto que o líder tem. A população está trabalhando, está compenetrada nos seus afazeres, não tem o conhecimento que o prefeito tem. E eu vejo o Congresso Nacional, muitas vezes, agora na reforma da Previdência a gente viu, todo mundo que tem um pouco de noção sabia que era necessário fazer essa reforma, mas ainda tinha quem criticava, jogando para a torcida: ‘Ó, eu não aceito, eu estou com vocês’. Isso é irresponsabilidade.
Até pouco tempo nós tínhamos algumas figuras no Senado, ou na Câmara dos Deputados, que eram respeitadas pela sua história, pelo seu conhecimento, pelo seu bom senso nas decisões. A gente não vê mais isso, só vemos negociações.
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