Esse de 2016 foi um momento de muita superação. Eu tinha poucas pessoas junto. E eu tinha que convencer primeiro o grupo, de que eu era viável, e o grupo tinha dificuldades de ver. Algumas pessoas até não falavam, mas não trabalhavam para que isso acontecesse. E eu lembro que saíam pesquisas de que eu estava em terceiro lugar.

Sobre aprendizado de política, no seu caso aprendeu na vivência, mas o que nós temos de curso, de palestra, para a formação de políticos, independentemente do partido?
Eu penso que as universidades teriam que ter um papel maior nisso, nos grandes debates. Mas com uma isenção maior também, o que não ocorre. A gente percebe o viés ideológico muito presente nas universidades. Não em todas, mas na grande maioria, principalmente nas públicas. E eu penso que isso é um desserviço à Nação. Eu acho que o papel de fazer os grandes debates é inerente às universidades, assim como outras instituições. Mas tanto as universidades quanto os partidos não têm preparado as lideranças, não têm feito esses debates nacionais. Não gosto de usar muito a palavra debate, mas essas conversas. Para que a gente possa entender a médio e longo prazo a política, para onde vai, o que ocorre, o reflexo das decisões que são tomadas hoje. Porque o que nós estamos vivendo no Brasil hoje é o reflexo das decisões anteriores.
A nossa legislação atual é reflexo do período de 88, e antes. Uma Constituição cidadã, de 88, que já tem 32 anos, e que talvez já devesse ser revista. Esses dias eu vi o líder do governo falando disso e foi muito criticado. Mas ele tem razão de quando fala da revisão. Talvez não uma nova Constituição, mas uma revisão, porque o mundo muda.
Uma crítica à educação
E é uma crítica que eu faço, por exemplo, à educação também. Muito disso que a gente vive, a política, passa pela educação. A nossa educação – e aí os professores me criticam muito ideologicamente –, ela parou.
O que tem de diferente? Se você tem de 60 a 70 anos, pega uma sala de aula hoje e uma da tua época, acredito que muito pouco mudou. É o mesmo sistema. Esse que é o modelo secular, e é o modelo que foi inserido na revolução industrial para que se preparasse mão de obra para as fábricas: ‘Eu passo o conhecimento que eu quero, você não precisa muito. Você decora, decora a tabuada, decora a Gramática, decora as datas da história, decora os países, a Geografia’. Ótimo, é importante, mas o conhecimento vem do pensar. E a gente não preparou essa piazada.
Vem a tecnologia e atropela. E a gente quer que uma criança que está cercada por tecnologia o dia inteiro, por celular, tablete, computador, é tudo digital para ela, e você quer que ela escreva no papel com um lápis e olhe a professora com um giz na lousa. Não vai atrair, não vai segurar. Eles já nasceram com outra visão. Eu percebo que a educação está atrasada nisso, e tem resistência dos próprios professores em mudar. Isso chama-se zona de conforto. Mas é difícil, tem que tirar o País disso. Não é local, é o Brasil.
Voltando um pouco, para pegar dois momentos seus: o início da campanha de 2016, quando muitos diziam que era um candidato derrotado e acabou vencendo, e o final da campanha deste ano, que bateu este recorde histórico e que dificilmente alguém irá superar. Como que o Cleber viveu esses dois momentos?
Esse de 2016 foi um momento de muita superação. Eu tinha poucas pessoas junto, contava-se na palma de duas mãos as pessoas que estavam realmente comigo. E eu tinha que convencer primeiro o grupo, de que eu era viável, e o grupo tinha dificuldades de ver. Algumas pessoas até não falavam, mas não trabalhavam para que isso acontecesse. E eu lembro que saíam pesquisas de que eu estava em terceiro lugar, com 12%, com 14%. Pesquisas verdadeiras. E aí minha turma desabava, e eu precisava me motivar e motivar a todos. Então foi um momento de muita superação. Eu contei com poucos amigos, contei muito com a família e sempre tive muita fé.
Havia um sentimento de mudança, havia um sentimento de não concordância com o governo que estava aí, nosso ex-prefeito Neto. E eu ficava pensando: bom, se as pessoas não querem este que está aí, elas só têm duas opções, era eu e o outro candidato, o Jocemar Madruga. Então eu só tenho que ser melhor do que o outro. Melhor no sentido de convencer, de superar o segundo. Porque, automaticamente, as pessoas vão me viabilizar.
E isso foi acontecendo através dos debates no rádio, na televisão; através da campanha, através das reuniões. E aí entraram os apoios. Quando eu comecei me viabilizar, entraram os apoios importantes, o apoio do Cordasso, o apoio do Traiano – o Traiano foi decisivo para, realmente, me darem espaço para trabalhar. E esses dois apoiadores fizeram a diferença, porque as pessoas começaram a pensar: ‘Se o ex-prefeito Cordasso está com ele, é sinal de que ele tem condições’. E foram vendo as pessoas que estavam no entorno. Foi toda uma caminhada, mas de muita superação.
Diferente desta (2020), que nós tínhamos um certo favoritismo, e que era o meu maior receio. Passar para a equipe a humildade, manter a sensatez, de não ter nada decidido, não subestimar nenhum adversário. E ao mesmo tempo não entrar na briga, na discussão com meus adversários. Por isso, nos debates, as pessoas até cobraram: ‘O Cleber apanha quieto, não responde’. A minha comunicação tinha que ser com o eleitor, e não com os adversários. Então eu procurava não entrar muito nas discussões, porque uma vez que eu tinha essas avaliações de que a população estava contente com o nosso governo, mesmo num momento de dificuldade em meio à pandemia, eu só tinha que sinalizar: olha, vai ser isso aqui, vai continuar desta maneira e ainda vamos melhorar. Essa era a expectativa.
Voto não é pagamento, é expectativa no futuro.
Lembrar que o voto, por incrível que pareça, nunca vai ser pagamento. Nunca vai ser retribuição. O voto sempre vai ser aposta, a expectativa no futuro. Se engana o político que acha que tem serviços prestados e será votado pelo que fez. Não. Nunca a população vai fazer isso. Não se trata de bondade. O povo é muito prático, muito pragmático. ‘Tá bom, você fez, beleza, encerrou, nós te elegemos e você fez. O que você pode fazer daqui para frente?’ Se eles sentirem que você ainda tem o que fazer, projetos, equipe, tem gás para tocar e tem articulação para continuar trazendo, você vai ser escolhido. Se eles sentirem que ‘não, esse cara é bananeira que já deu cacho. Foi excelente, mas ele não tem mais muita coisa para apresentar para frente’, ele pode ter sido o melhor gestor, o melhor prefeito, deputado, governador, o que for, ele tende a não ter mais o apoio da população, porque a população é pragmática, não se discute isso.
E o momento que sentiu que estavam se confirmando os votos, como foi?
Foi, primeiro, um alívio, né. Porque a gente sabia que deveria ter esse resultado, mas só confirma quando abrem as primeiras urnas. Em todas as eleições, as primeiras urnas eu ouço sozinho, isso já é uma coisa minha. Então quando faltavam dez minutos para as 17h, eu peguei o carro – eu estava na casa da minha sogra, lá estavam os parentes, os cunhados, todo mundo – e saí bem quietinho, como eu fiz na outra vez também, vou para uma rua meio deserta, e fico dentro do carro, escutando. E quando abriram as primeiras cinco ou seis urnas, eu vi que estava ganhando, aí eu voltei para junto do pessoal.
Na sua vida política ou como cidadão, quais outros momentos especiais como este?
Tem alguns momentos difíceis que a gente passou com familiares, mas são coisas que não vale a pena lembrar. Tive momentos de muita dificuldade, mas que foram de um aprendizado muito grande. Por exemplo, a intervenção no hospital. Foi uma prova de fogo no primeiro ano ali, terrível, e que eu não me arrependo, jamais. Porque quando você vê o quão bom foi pra a população, e o risco que nós tínhamos. Esse foi um momento de muita dificuldade.
Outro momento de dificuldade foi a decisão por não retirar as pessoas do Terra Nossa, que já havia saído uma reintegração de posse, e eu optei por urbanizar e não fazer a retirada. A Polícia Militar já tinha a mobilização com 400 soldados pra fazer.
E eu decidi, uma decisão sozinha, minha, que eu precisei tomar. Não vou fazer isso porque sempre me impactou muito o Rio de Janeiro, claro, dada as proporções. No Rio de Janeiro, na década de 60 e 70, começaram as invasões nos morros. E os governos da época viraram as costas para os morros. Tipo assim: ‘Aquele pessoal lá invadiu, não paga imposto, não paga IPTU, não tem direito à propriedade. Então nós não temos compromisso nenhum com eles. Deixa eles lá’. Só que o tráfico entrou. Primeiro entrou o jogo do bicho, depois o tráfico de drogas, e o Estado ficou fora. Então eu tinha muito medo que acontecesse algo parecido ali. Por isso que eu fiz os primeiros acordos com os líderes na época. Tá bom, nós vamos tirar o portão, tinha um portão ali, e aqui eu quero que entre a ambulância, eu quero que entre o carro da Polícia, eu quero que entrem os agentes comunitários de Saúde, os agentes comunitários de endemia, o padre, o pastor. Nós vamos fazer um trabalho para que esta comunidade, que está à margem, tenha noção de cidadania e sinta o poder público, o Estado, presente ali dentro. Assim nós conseguimos segurar as pontas, porque nós tínhamos tudo para ter um bolsão de violência muito maior do que tem, porque ainda tem um pouco, mas a gente conseguiu segurar.
Eu sou adepto da ideia de que o poder público tem que se fazer presente nesses bolsões de pressão social. Só assim você vai amenizar os impactos.
Muitos shows, porque o povo tem que ter momentos de alegria
Algumas pessoas me criticavam, hoje diminuiu, mas me criticavam por fazer shows, apresentações. Nosso primeiro mandato foi muito marcado por isso: show do trabalhador, show do aniversário do município, show pra uma inauguração. Eu penso que, quando se fala em governar, tem que ser para todos. E existe uma parcela pequena da sociedade que tem acesso a lazer e à cultura. Se falar assim ‘vai ter um cantor que o Ivo gosta, vai se apresentar em Pato Branco, ou um teatro em Cascavel’, você pega o teu carro e vai lá, é o teu ídolo, você vai assistir. Se você está cansado, uma vez por ano, você vai pra praia, pro alagado, vai visitar algum amigo. Enfim, vai fazer alguma coisa que você gosta pra aliviar a tensão do trabalho. E aquele cidadão que trabalha, por exemplo, numa fábrica, no pesado, num frigorífico, numa atividade mais braçal, todos os dias do ano, tem o salariozinho dele que consegue pagar o aluguelzinho, luz e água, e botar comida dentro de casa, não sobra pra nada, pra outra atividade. O que acontece? A vida dele resume-se em levantar, trabalhar, vir para casa. Às vezes passa na bodega, toma uma pinga daí chega alterado, cria uma briga dentro de casa, aquela coisa toda. Isso vai por um tempo, e as pessoas vão se esgotando. A gente percebe isso muito na pandemia, o esgotamento. Então, o ser humano tem que ter momento para extravasar, momentos de alegria. E o poder público tem que proporcionar, pra esta classe que não tem condição de viajar, de assistir, de ver um bom filme, um teatro, enfim, tem que propiciar um show. Por isso que às vezes tem que trazer, que nem a gente traz aí. Então, quando eu olho sociedade, eu olho muito isso. O papel do poder público é fazer esse contrabalanceamento das classes sociais, muitas vezes.
Ali na sua porta tem uma orientação que diz assim: “O prefeito está a serviço da coletividade. O seu interesse particular não é prioridade”. As pessoas têm entendido essa orientação?
Têm. Têm entendido. Algumas raras exceções, às vezes ainda tem alguém que teima um pouco, né. Mas no começo foi muito bom isso. Porque o que eu percebi, olhando outras administrações que não deram certo, ou que deram, enfim, mas veja, Beltrão tem 93 mil habitantes, hoje, e eu garanto para você que 80 mil não entram, ou entram uma vez por ano na Prefeitura para pegar o seu carnê de IPTU. Vamos arredondar, 80 mil pessoas entram uma vez na Prefeitura para pegar o seu carnê de IPTU. Quer dizer, o que são esses 80 mil? É pra esses 80 mil, ou 85, não sei quantos são, que nós temos que governar.
Este cidadão quer ter um bom recolhimento de lixo, quer ter uma iluminação pra sair à noite. Nas ruas, se queimou a lâmpada, que a Prefeitura troque. Se ele ficar doente, ele quer ter um médico no posto ou na UPA, ele quer ter o medicamento na farmácia. Ele quer ter o transporte coletivo pra ser atendido. Enfim, ele precisa de serviços e obras no município.
E existe uma outra parcela que não chega a 10%, talvez 5%, que vive dentro da Prefeitura, arrodiando os gabinetes, as secretarias, o gabinete do prefeito, né. O que é essa pessoa? Essa pessoa vem pra tentar algum benefício pessoal, alguma coisa pra ela, algum pleito dela. E a grande cilada, a grande armadilha, é o poder público não entender isso e começar correr em torno desses 10%, que sugam a energia, o tempo, do poder público.
Tenho mais uma pergunta pra lhe fazer. E o futuro político do Cleber Fontana?
Totalmente em aberto. Totalmente incerto. Não há, nesse momento, nenhum tipo de prospecção, de definição. Cogitações, tem. Cogito a possibilidade de terminar o mantado e, de repente, me somar ao governo, se receber um convite. Cogito a possibilidade de eu sair pra disputar em 2022 uma eleição à Câmara Federal. Cogito a possibilidade de encerrar a carreira também, como outros prefeitos.
Hoje a nossa energia está muito em organizar tudo, fazer um bom mandato, ajustar o que tem que ser ajustado. Essas obras, concluir, iniciar algumas outras que eu já tenho em mente. Eu estou muito focado hoje nisto. E política nós vamos deixar pra fazer na hora que for, mas não tem nada decidido ainda.
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