Ele, patroleiro chegava a ficar duas semanas longe de casa. Ela, sem filhos, fora as seis horas diárias do trabalho, não tinha o que fazer. Começou a enfeitar a casa, o jardim, o quintal com flores, fotos, usando argamassa, pedrinhas, jornal, cano de PVC, filtro de café e outros recursos que foi aprendendo a usar. Parecia brincadeira, uma forma de fugir da depressão. Um pouco por dia, acabou fazendo uma grande obra de arte.
cmyk.jpg)
Não era tempo de coronavírus, mas dona Izabel ficava muitos dias em casa sozinha, o marido João dos Santos trabalhava longe.
Ela começou a colar pedras, flores, fotos, criou novos ambientes, sua morada virou “pura arte”, por dentro e por fora.
Esta entrevista foi feita dia 26 de fevereiro, por indicação do professor Milton Graeff, que é amigo do casal. Na correria da Expobel seguida do coronavírus, foi ficando de uma edição para outra. Mas a mensagem é bem própria para este tempo de reclusão domiciliar, devido à situação de emergência que o mundo está vivendo com a ameaça do coronavírus.
Pedro Rodrigues dos Santos e Delvalina Sotter dos Santos, pais do João, vieram de Iraí (RS); eles tiveram sete filhos; Gabriel e Cristina Rogoski Rey, pais da Izabel, vindos de Soledade (RS), tinham 11 filhos. As duas famílias se estabeleceram em Rio Verde, interior de Marmeleiro, no ano de 1952. Lá, João (nascido em 7-3-1941 e registrado em 1943) e Izabel (nascida em 24-1-1943) se conheceram e casaram, em 1965. Residiram também em Vitorino e Santo Antônio do Sudoeste. Há 38 anos moram na mesma casa (esta das obras de arte), em Francisco Beltrão, na Rua Curitiba, Bairro Presidente Kenedy. Casa de construção própria, dos cepos ao acabamento e pintura.
A única filha, Cláudia, trabalha numa imobiliária em Camboriú. Quem está em Beltrão, e morou com os avós até seu casamento, é o neto Alex Chies, filho da Cláudia.
João era patroleiro; Izabel trabalhou no Iapas e, nos últimos 24 anos antes de se aposentar, no Hemocentro. Foi no tempo de Hemocentro que ela começou a adornar sua casa que hoje, na definição do professor Milton, que acompanhou a entrevista, “é arte pura”.
.jpg)
A senhora começou a fazer seus arranjos no jardim?
Izabel – Eu comecei naquela parte que tem São Jorge. Esse meu netinho era pequeninho e tava fazendo manhã em roda de mim, eu cuidava dele, daí eu comecei. Um dia ele quis uma calopsita, porque ele viu, e tive que pedir pro menino do vizinho comprar a calopsita pra ele se divertir e eu continuar a minha brincadeira ali. Ele tem 29 anos.
Então faz 29 anos que a senhora começou?
Sim, mais ou menos.
Depois do São Jorge, o que veio?
Daí, eu fiz essa parte aqui.
O que representa isso tudo?
Olha, nem sei. Eu fui fazendo e foi acontecendo. Depois veio a ideia de fazer as capelinhas, daí eu fui fazendo, eu achava simples de fazer, achava gostoso. Essa é a obra do seu João.
Ah, o seu João que encanou água pra fazer o chafariz?
Izabel – Eu fiz a ponte e ele teve a ideia de pôr a bomba.
João – A água circula mesmo. É a mesma água sempre. Sempre cuidadinha com remedinho, com veneninho. É tudo bem cuidadinho. Agora, a gente chama pessoas pra ajudar a fazer, a gente não tem mais aquela idade pra lavar as fontes, coisa… então, vem uma pessoa ajudar.
Vocês aproveitaram a casa e todo o terreno!
João – O terreno é pequeno. Ali na parede é a divisa, e aqui é o outro. É 310 m² mais ou menos. Eu fui tirar na prefeitura esses dias e tem 185 metros construído.
São 125 metros fora da casa?
Izabel – O joão-de-barro vai fazendo as partes, né. E nós também fomos no estilo joão-de-barro. Tem degrau pra cá, degrau pra lá, por que? Porque fazia uma emendinha e outra. De repente a filha ia morar junto quando casou, de repente não quiseram mais, daí foi ficando assim.
João – Na verdade, a gente foi fazer essas coisas boas, com aparência boa, porque a gente entende de pedreiro e construtor. Então, não fica acabamento feio. Emenda de casa que você não vê.
Izabel – Trabalhava fora, e nos sábado e domingo, em casa. Foi uma luta, mas, graças a Deus, a gente tá feliz, um casal feliz, nenhum dos dois doentes, cuidando um do outro, as coisas acontecem.
E tudo isso veio da necessidade da senhora ocupar seu tempo?
Izabel – Sim. As enfermeiras do Hemocentro, sempre vêm me dar assistência, me cuidam, eu sou muito feliz, nossa!
Lá dentro tem mais? Olha só, nas paredes… Ali é tudo pedrinhas que a senhora colou?
É tudo pedrinha que eu colei. O azulejo de florzinha.
É cimento e pedra?
É pedra e argamassa.
As pedras vêm de onde?
Eu já comprava de Guaíra, Pio X…
Na cozinha também?
Aqui eu fiz uma sala de refeição. Aqui eu inventei, deu na cabeça e saiu isso daí!
Ali tem duas imagens, é Nossa Senhora.
Nossa Senhora e o Sagrado Coração de Jesus.
E essa cerca é feita do que?
Uma parte é feita com jornal, com TNT. Fui aproveitando aquilo que tinha, sabe.?
Que massa a senhora passa por fora?
Argamassa.
Depois a senhora pinta?
Depois passa um betume.
Aqui é ferro?
Não. É cano de PVC. E esse daqui era pra escora que tava em cima da casa e ele tava aqui ocioso. Daí eu pensei de fazer alguma coisa e fiz.
Fez isso como um cipó de argamassa e colou as pedras por cima?
Peguei TNT, enrolei, enrolei, enrolei, até embaixo, com argamassa. Ponho duas luvas e o uniforme que eu trabalhava e depois que ia colando as pedrinhas ia um instantinho pra fazer.
Aqui tem até lareira, vocês usam no inverno?
Izabel – Ocupa. Ele tinha só, quero ver, terra, a cozinha lá, o fogão e coisa lá.
E aqui, o que era?
Izabel – Era uma sala, que tinha uma churrasqueira pra domingo. Daí eu fui inventando.
A predominância sua é argamassa e terra?
Isso. Mais jornal e TNT.
Lá a senhora colou flores?
São artificiais, eu completei. Uma coisa vai levando a outra
A senhora trabalhava muito! Quanto tempo levou pra fazer tudo isso?
Olha, assim, ele aposentou e foi trabalhar com máquinas fora, e eu ficava muito sozinha. Eu chegava do Hemocentro às 18 horas, e eu ficava ociosa, daí fui passando o tempo, ele vinha a cada 20 dias. Ele ia pra Capanema, região, mas aposentou aqui. Ele chegava em casa e achava novidade. “O que você fez aqui, como você faz?” e voltava a trabalhar.
João – Eu, graças a Deus, no que fazia era um artista. Me sinto orgulhoso e honrado do tratamento que eu recebo das autoridades, dos mandantes.
Izabel – Eu me sinto muito acolhida hoje.
O senhor trabalhava com máquinas grandes?
João – É patroleiro, na verdade. Eles falavam muito “de pé na patrola”.
Izabel – Tinha um cara na rádio que sempre brincava “ô Joãozinho de pé na patrola”.
Como a senhora aprendeu a fazer tudo isso?
Izabel – Olha, pra não me dar depressão. E eu sozinha em casa.
Mas pegou com quem, onde, pra desenvolver isso?
Izabel – Não vou saber te responder. Uma coisa que aconteceu, eu juntei umas pedras lá na casa da minha irmã em Palotina, e trouxe, comecei as brincadeirinhas. Eu comprava só a argamassa. E depois, a gente colocou uma floricultura aqui, que por sinal deu muito certo, pro neto cuidar.
Amilton – Mas o neto passou num concurso na prefeitura, quer dizer na Sanepar…
Izabel – Tava dando tudo certo, tava feliz com a floricultura, e daí o menino me passa no concurso, e floricultura não dá nada no inverno, daí eu disse “não, não, não, vai!” Ele que cuida de nós hoje.
Quando chegaram aqui, já se estabeleceram nessa casa?
João – Sim, nessa casa e fomos construindo. E é tudo como diz o outro, que a gente fez na vida.
A senhora ficou muitos anos no Hemocentro?
Izabel – Ah, 24 anos. Tem um povo meu lá, como falam (continuam olhando fotos e esculturas).Isso aí o meu neto fez formatura… Pode ir de perto admirar nossos painéis. Ali tem história também. Os meus avós aqui, ali é a formatura do violão. E aquela menina lá é a minha afilhada. Hoje mora em São Paulo. Ela que me trouxe essa foto e começou o painel. Aqui meus irmãos. Um de Barracão e ela mora em Palotina, trabalha na Unimed.
Mas que trabalho que a senhora fez, hein!
De brincadeira ainda.
Quantos anos, dona Izabel, fazendo isso?
Olha, logo depois que eu saí do Iapas, quando o João se aposentou pela prefeitura e foi mexer com as máquinas que faziam asfalto. Eu fazia rapidinho alguma coisa, tomava meu banho, ia dormir e amanhecia, eu ia trabalhar. Seis horas eu já tava no Hemocentro.
Daí tinha a tarde livre?
Izabel – Sim.
Daí que a senhora começou a fazer isso?
Isso. Todo dia um pouquinho.
Como que a senhora denomina essa arte que a senhora faz?
Izabel – Olha, falei antes, um passatempo. Agora, lá é uma paixão pela família, uma paixão muito grande. O senhor pode ver mais ou menos como é feito aquela pintura amarela? Tem um quadro amarelo tudo em volta, né? É filtro de café. Eu fazia café no Hemocentro e aproveitava o filtro. Eu dava o pó pro Francisco Furlan, ele levava pras plantas dele, pra chácara não sei aonde, e eu trazia o filtro. Francisco Furlan trabalhava comigo, ele era bioquímico. Ele dizia “dona Izabel, a senhora guarda o pó passado pra mim?” Eu disse “guardo” “toda tarde eu levo”. Sabe que eu vou começar a aproveitar esses pacotinhos também? Comecei a trazer pra casa, deixa eu pegar pra te mostrar como é feita essa arte, essa ideia. Aqui, por exemplo, eu coloco a foto, primeiro eu coloquei a da minha afilhada. Aqui eu fiz uma pintura com betume; separei pra cá; aqui eu vou colocando o filtro de café. Coloquei essa foto, coloquei filtro de café em volta, parece uma pintura, mas não é. Cada foto tá dentro do filtro de café. Aqui é o seu João. Quem vê diz que é uma pintura. “É uma pintura dona Izabel? Como a senhora fez?” Não, é a foto coladinha no filtro de café. Usei até cotonete aqui.
A festa do seu casamento foi lá no Rio Verde?
Izabel – Foi lá no Rio Verde. O testemunho do nosso casamento foi o Arcanjo Missio, lembra dele, o irmão da dra. Odila? Ele é afilhado de crisma do Arcanjo Missio, e do nosso casamento. Nessa época, eu conheci a doutora Odila de moleque que brincava junto, lá no Rio Grande do Sul. Ela se formou na Argentina, em Buenos Aires. Nossa, a família Missio é… nossa.
Além de ir longe, o senhor pegou o tempo que trabalhava no sábado também, seu João?
João – Sim, lembro do tempo que começaram os destoques para fazer lavoura, ia com o trator de esteira arrancar toco, fazer o destocamento.
Trabalhava com máquinas de quem?
João – Aqui tinha o Júlio que tinha essas coisas. Eles ganhavam dinheiro, naquela época que eles começaram fazer destoca de lavoura, destocar, tinham dinheiro de monte.
Isso foi antes do senhor entrar na Prefeitura?
João – Antes. Eu fazia a região. Só parava a máquina para abastecer. De noite também. Nós éramos em três entregadores
Tocava direto, e o senhor saía de casa na segunda-feira e voltava no sábado?
João – É, às vezes, conforme o ganho que nós tivesse, ficava até 15 dias.
Fez muitos municípios da região, e como o senhor vê agora o pessoal aproveitando até os morros, tirando terra.
João – Eu vejo com tristeza. Eu sei que é progresso, que o município cresce, mas é destruição, é prejuízo, por causa do meio ambiente, aqui nas ladeiras ainda é tudo mato.
O senhor gosta de morar aqui?
João – Ah, eu gosto.
Izabel – Nossa, Francisco Beltrão é nossa casa.
João – Estabilizamos aqui por que parou o negócio, parou aí, o que tinha que fazer e o que deu pra fazer nós fizemos.
Izabel – Seu João trabalhou 47 anos em cima de uma máquina, era o Almir que brincava com ele “Oh Joãozinho, de pé na patrola”.