Dia 2 de janeiro, Sarará completou 77 anos. Destaque em Esportes 2019 pela promoção do Jornal de Beltrão, ele chama a atenção por sua forma física e por sua competitividade. A maioria das medalhas que conquistou no ano, em corridas nacionais e internacionais, é de ouro. Fenômeno! Ele atribui seu desempenho às caminhadas e corridas diárias, com variações de trajetos e exercícios, os cuidados com a alimentação, mas também os treinos específicos. Diz que, se parar de correr, aumenta de 63 para 67 ou 68 quilos! Não se sente gordo, mas “empanturrado”.

Luiz Carlos de Oliveira Mendes, o Sarará, em sua sala de medalhas e troféus.
Aos 77 anos, continua um grande colecionador de medalhas de ouro.
Sarará (“diz-se da cor alourada ou arruivada do cabelo muito crespo característico de certos mulatos”, segundo Aurélio) era o apelido de seu pai, Francisco Mendes. O irmão mais velho, Adilson (1939 a 2003), também era conhecido por Sarará, mas hoje, em Francisco Beltrão e região, falou em Sarará todos lembram do Luiz Carlos de Oliveira Mendes, esse atleta que foi homenageado como Destaque do Ano 2019 no setor de esportes.
Natural de Caxias do Sul, é o terceiro de uma família de 12 irmãos. O gosto pelo esporte veio do incentivo do pai, que foi jogador profissional de futebol, no tempo que defendia o Flamengo ou o Vasco de Caxias do Sul.
O que chama a atenção no Sarará é que, aos 77 anos (completados neste dia 2 de janeiro), ele continua em boa forma física, é competitivo e não cria barriga. Poucas pessoas, independentemente da idade, conseguem correr por tanto tempo, diariamente, como ele. Em suas corridas ou caminhadas diárias, ele tem um grupo que o segue, de segunda a sábado. E o domingo ele reserva para si, mantém os exercícios, mas sozinho.
Foi essa performance que o levou a ser indicado e confirmado como Destaque Esporte 2019 em Francisco Beltrão, na tradiconal promoção do Jornal de Beltrão, que é realizada há 30 anos com apoio da CDL e Acefb.
Fato negativo foi um profissional que o denunciou oralmente como se Sarará estivesse exercendo ilegamente a atividade de professor de Educação Física. Ele ficou tão chateado que chegou a parar de correr, ganhou peso e ficou doente. Mas logo os amigos o reanimaram e ele voltou ao normal. Está juntando documentos e recortes de jornal que mostram que ele possui muito mais atividades na área, desde 1985 em Francisco Beltrão, que muitos profissionais.
Fato positivo são as dicas que ele dá sobre como manter a forma física e a competitividade. Disciplina nos treinos e na alimentação.
Nesta entrevista ao Jornal de Beltrão, em sua sala de medalhas e troféus, o miudinho Sarará – 1,64 de altura, 63 quilos – dá informações interessantes para quem quer se manter como atleta e com saúde.

Sarará em sua sala de medalhas e troféus, entre eles a Tocha Olímpica de 2016.
Fotos: Ivo Pegoraro/JdeB
Você diz que dessas medalhas aqui não tem de participação?
Sarará – Sim, 99% é de mérito. Vou começar aqui, de 2019, essas quatro eu ganhei no Uruguai; aqui, ó, eu tenho duas, ganhei quatro no Paraguai e só tenho uma. Hoje eu mais dou medalha do que tenho.
Pra quem você dá medalhas?
Pras meninas que correm comigo. Aqui tem medalha do Mercosul, do Gran Prime de Corrida, Gran Prime Master, que eu participo dos campeonatos nacionais, internacionais e regionais. Eu sou atleta da associação da Bran, além da Bran, eu sou da Veja, que é atleta de Porto Alegre. E agora eu vou pro Paraná.
Qual é a próxima competição?
A próxima agora, seria dia 14 do mês passado, mas aí não deu, eu não tinha patrocínio, as mulheres não me pagaram em dia. Não foi pagado, daí eu não fui. O pessoal lá de Belém do Pará veio aqui pro Uruguai. Me mandaram foto e disseram: “só faltava tu aqui”. Eu disse “não, na próxima eu tô”. Agora nós temos o Gran Prime Mercosul que vai ser em Porto Alegre, dia… eu tinha aqui… é que assim, Ivo, o Gran Prime é feito cada ano em um país, e esse ano vai ser aqui.
No último, você participou?
Participei, o último foi aqui no Uruguai. No Uruguai que eu ganhei essa… ganhei quatro das provas de 100, 200, 300 e 400 metros. As quatro de ouro.
Você pega qual categoria?
Eu pego de 75 a 79 (anos). Mas tem senhor lá de 82 que corre… pessoas boas, 92 anos que correm mais que muita gente aí. Essa aqui é do Mercosul que foi no Uruguai. Aqui eu ganhei quatro. Em Porto Alegre, eu tive o 15° troféu Brasil, são os melhores do Brasil. Eu ganhei três. Como eu corro essas corridinhas de… faço 20 quilômetros, 30 quilômetros, vou fazer 100, fico travado. Aqui, ó, fui um terceiro, um segundo e um primeiro. E aqui também, seis do Campeonato Gaúcho, no mesmo dia, aí eu fui dois primeiros e…
No mesmo dia você conquistou seis medalhas? Como aguenta?
É que é (corridas de) 100 metros. Ó, essas aqui são tudo de 100 metros. Essa aqui também, eu participei no Paraguai. Fiz quatro provas, fui quatro primeiros. Um detalhe, nunca recebi cartão amarelo, fui jogador de futebol, de futebol de salão, nunca recebi cartão amarelo. No Paraguai, recebi dois cartão amarelo.
Por que recebeu amarelo?
Por causa da largada. A largada é assim, quando falam “nas suas marcas”, você já fica pronto. Aí eles dizem “pronto!” Quando eles dizem isso, tu conta mentalmente “um, dois, três” e eles dão o tiro de largada. E lá, duas vezes, eu saí antes do tiro. Porque tu não espera dar o tiro, tu conta mentalmente e vai.
E o cartão amarelo, o que representa? Tira pontos?
Não. Ele funciona assim: antes, você precisava de mais um cartão pra ser expulso, daí não compete; mas agora não. Se eu recebi cartão amarelo e o outro errar, ele que cai fora. Tu tem duas chances. Tu soma em oito, tu larga oito na raia, se o da raia um largou e queimou, aí tudo bem, ele fica. Na próxima, se o dois queimaram, cai fora o da dois. Quem queima da segunda vez é quem cai fora.
Você não levou dois cartões?
Um na prova de 400 e outro na de 200. Se fosse na mesma eu tinha caído fora.
Sarará, como que é chegar aos 77 anos competindo? Teu peso variou muito ou ele sempre foi mais ou menos assim?
Ele varia. Quando para de correr, então, vai lá pra 67, 68.
Nossa, fica gordão!
É por isso que eu corro. O interessante é que você não se sente gordo, mas empanturrado. Não sei se contigo é assim, mas você se sente empanturrado. Tu se sente mal.
E quando corre se sente bem?
Bah, o dia em que eu não corro, eu me sinto mal: mal-humorado, mal-amado.
Por que tua corrida é todo dia?
É todo dia, todo dia. É o exemplo que eu vinha te falando, olha o que eu fiz hoje: saí às cinco da manhã, nós corremos até as seis; aí às 15 pras sete, eu peguei outra mulher, com a filha dela, e nós corremos cinco quilômetros. Eu tava na academia, daí de lá, vim correr e voltei pra academia. De manhã eu corro às cinco, às seis e às sete, porque às oito tem que tá no serviço. E à tarde é a mesma coisa. Corro das cinco às seis, das seis às sete, e das sete às oito. Mas agora, com esse stress, eu fui dispensando o pessoal, porque eu não tava bem, e a primeira coisa é você tá bem pra transmitir coisa boa.
Você não come carne.
Dificilmente eu como carne.
Sempre foi assim?
Sempre, sempre, sempre. Eu como carne, mas quando o corpo pede. O corpo diz assim ó: “Tem que comer carne”. Daí eu vou lá e como carne. Beber também. Ontem eu fui lá no jogo com o pessoal, na Santa Bárbara, e os caras “vamos tomar uma cerveja”. Eu fiquei quieto, ele disse “toma”. “Não tomo!” “Ah, mas só um pouquinho!” “Não, eu não tomo.” Daí nós tava em três e o cara trouxe três copos, ele colocou e eu disse “não, não, não, pode pôr em outro lugar”. “Ah, vai fazer desfeita.” Tomei um tanto assim, já não me assenta.
Como começou tua vida de atleta?
Eu comecei com sete anos. O pai fazia nós correr na rua, antes de ir pro colégio. Eu jogava muito bem futebol, e o pai era treinador mas não deixava nós jogar no time dele. Em Curitibanos, numa ocasião, ele era treinador do Independente Curitibano, tinha primeiro e segundo quadro. A gente jogava no segundo. E eles iam jogar não sei em que time lá. Eles tavam perdendo, e o pessoal pediu pra colocar a gente no time, eu e o meu irmão (Adilson), arrasamos o time. Eu tinha 13, 14 anos. E os caras me chutavam e eu voava longe, era pequeninho. Eu nunca esqueço, eu trabalhava numa mercearia, na parte das frutas, e o dono tinha um time de futebol. E tinha as preliminar… nós fazia as preliminar. E deu coincidência do dono dessa frutaria, meu patrão, me marcar. E ele dizia: “Se tu passa por mim, amanhã não precisa ir nem trabalhar, vou te botar pra rua, tá desempregado”. Eu disse “teu azar”. Meu divertimento era esse. Aqui, ó, tu vai te lascar, cara, porque amanhã eu nem vou trabalhar, tô na rua mesmo. Daí sim que eu deitei em cima dele. O cara me ameaçando, aí eu me deitei nele. Aí a torcida pegou no pé dele, e ele dizia ”tá na rua, piá”.
Foi só brincadeira?
Foi só brincadeira, daí no outro dia eu não fui trabalhar. Uma vez, o pai tava treinando aquelas seleção do Estado, você lembra? Cada Estado tinha uma seleção pra disputar. E o pai treinava o de Santa Catarina, o Curitibano, e o ponteiro esquerdo se machucou e era só 22 jogadores. Aí, o lateral esquerdo, bah, mas até hoje o Romeu, melhor cara que tinha no time, ele chegou e não tinha ninguém pra marcar, daí disse pro pai me por pra jogar e o pai “não! Meu filho não joga de goleiro”. “Ah vá, é só pra fazer número ali.” “Não, não.” O cara fez sinal pra mim entrar, e eu entrei. A bola veio pra mim, eu fiz que ia pra lá e voltei, o cara foi e caiu. Pra que? Os caras se arriaram, e eu era um merdinha. Eu disse “bah, que fácil”, e eu tinha um respeito por ele, porque era o melhor, meu ídolo. Na próxima bola ele veio, eu fiz que fui e voltei, ele caiu e me chutou. Me pegou na barriga, eu levezinho, até hoje, me jogou longe. O pai em vez de brigar com ele, veio pra dar em mim. Sem mentira nenhuma, tinha um alambrado que nem ali no União. Eu pulei aquele alembrado e o velho atrás de mim. Nós morava que nem aqui assim, e eu cuidando e fui pra casa, e cuidava quando ele tava vindo e vupt, pro porão. E ele quando chegou em casa: “Onde tá aquele piá de merda? Pega a bola lá, larga, vai se machucar ainda”. Ele ia dar em mim.
Se estou bem? Eu treino
O que tem que fazer pra motivar as pessoas a se exercitarem mais?
Assim ó, eu… não sou formado. A vida me ensinou. Pras pessoas que correm comigo, eu falo isso, a maneira de correr, de se alimentar; eu falo de mim, porque qual é a pessoa nessa idade que corre e não sente uma dor no joelho, na canela, não sente nada, né. Então, quando eu falo, eu falo de mim. A atividade física é uma coisa que tem que fazer sempre certo, eu faço certo da minha maneira, o meu corpo aceita aquilo que eu faço. Se eu faço musculação e levanto dois quilos, eu não vou mostrar pro outro que eu levanto três. Se eu for correr dez quilômetros em 40 minutos, eu não vou querer ganhar do cara que faz em 20. Porque eu tenho meu limite. O ser humano, hoje, quer ganhar numa coisa que ele não tem. Vou te citar uma, lá em Rosário, na Argentina, nós corremos 100 metros e um argentino ganhou de mim; eu fiquei em segundo e ele em primeiro. Eu disse pra ele “pô, tu tá bem, né?” Aí o filha da mãe me respondeu assim “eu treino”. Eu vim pra cá e disse “eu vou treinar também”.
Eu fui na pista lá no quartel e corria e só via o cara na minha frente, tenho que passar dele no treino. Eu vi o tempo que ele fez, 100 metros em 14 segundos. Eu tinha que fazer menos. E no outro ano se encontramos de novo, no Uruguai. Ele veio pra falar comigo e eu dei as costas, pensei “tu vai dizer pra mim só de costas”. Quando eu voltava, porque a gente fica aquecendo, ele vinha falar comigo e eu virava as costas. “Eu posso até ser o penúltimo, mas você vai ser o último”, eu mentalmente. Aí, deu a largada e não deu outra. Ele veio me abraçar, disse “bah, tá bom, tá treinando?” Eu disse “agora tô treinando”. Em Porto Alegre, ano passado, ele disse pra mim assim “qual é o bom dos brasileiros?” “Tu quer saber o bom mesmo? O bom sou eu, deixo todo mundo chegar na minha frente. O malvado é outro, eu sou o bonzinho. Malvado é o Alcides, aquele vai te socar, mas o bonzinho sou eu.”
Alimentação x exercícios
Tem que descansar bem, não abusar da alimentação e praticar exercício físico?
É, as três coisas que te deixam em pé. O corpo é que nem uma máquina, tu vai lá e se alimenta com coisa errada, ele não supre aquilo que tu gastou.
Tem alguma coisa que você não come?
Não, meu organismo aceita tudo. Só que eu evito. Eu posso beber, o pessoal diz “tu bebe?” Eu bebo lá de vez em quando, que antes eu enchia a cara. Que nem diz o professor: “Tudo que é demais faz mal”. Se tu toma água, tu morre afogado. Eu faço três refeições por dia. Tomo café da manhã, corro em jejum, só posso comer depois de tomar banho.
Você come depois da corrida?
Sim, senão me dá desarranjo, meu organismo não aceita. Eu tenho que tomar banho, ficar bem descansado, pra daí comer, aí eu almoço e na janta, tomo café e x-mico.
Não faz um lanche?
Não, se eu fizer um lanche, não janto. É que o organismo aceita o que tu come, porque se tu se sentir fraco, tu vai lá e come alguma coisa… chocolate, não sei, se eu pegar uma caixa de chocolate eu devoro. Então é que o corpo tá pedindo.
E água, toma muito?
Ah, água eu tomo bastante. Não tomo água gelada. Não tenho ar-condicionado. Não gosto de nada desse tipo, evito tudo. Eu gosto das coisas naturais.
Qual foi a última vez em que você ficou doente?
Ah, boa pergunta. Tu diz doente de ir pro hospital? Gripe? Ah, não. Isso aí nunca tive, dor de cabeça também. Nada. Eu pego gripe assim, de espirrar. Onde eu saio e tem uma mudança de temperatura, o corpo sente, repele tudo. Mas dali duas, três horas depois já tô bem de novo.