Psiquiatra Cícero Bezerra Lima atende voluntariamente detentos da Penitenciária Estadual de Francisco Beltrão há cerca
de 12 anos.
A gratidão é uma via de mão dupla no trabalho voluntário prestado pelo psiquiatra Cícero Bezerra Lima na Penitenciária Estadual de Francisco Beltrão. Há cerca de 12 anos, ele oferece seus serviços aos detentos sem cobrar nada; alguns são acompanhados durante anos, outros são atendidos uma única vez e tem ainda aqueles que, após cumprida sua pena, escolhem continuar o tratamento por conta, fora do presídio. Todos eles, em algum momento, encontraram no dr. Cícero uma pessoa para ouvi-los sem julgamentos.
Uma vez por mês as consultas são agendadas para até 15 detentos, mas o psiquiatra presta auxílio em casos urgentes sempre que solicitado pela equipe de enfermagem da PEFB. Esses casos são, por exemplo, de pacientes em surto e tentativas de suicídio. “Quando chegam novos detentos, a enfermagem me telefona passando alguns casos e entramos com a medicação até eu regressar pessoalmente para reavaliar. Geralmente, são dependentes químicos em abstinência ou então pessoas que nunca foram presas e desenvolvem ansiedade, um quadro depressivo, e a gente já começa a tratar logo na chegada ao presídio”, relata dr. Cícero.
O tratamento é convencional e, assim como os pacientes do consultório, os detentos também podem ter necessidade de receber medicamentos. Nesses casos, são utilizados os remédios fornecidos pelo SUS ou então os familiares fazem a compra. “Temos muitos casos de abstinência de drogas, pacientes depressivos, ansiosos e pacientes psicóticos também; tem alguns casos de pacientes bipolares, mas o que predomina é depressão, ansiedade e abstinência de drogas”, conta o psiquiatra.
Nestes anos todos de trabalho voluntário, doutor Cícero afirma que tem trazido experiências para a vida. “São seres humanos iguais a nós, só tiveram o infortúnio de seguir por uma vereda que não era a melhor e terminaram ali dentro. Mas têm as mesmas necessidades da gente aqui fora. Cada lugar que a gente trabalha tem um aprendizado, né, a gente vai somando isso à nossa experiência de vida.”
É com essa experiência de ajudar o próximo que doutor Cícero recebe e externa a gratidão: “Eu me sinto muito grato de estar ali dentro, tanto que, muitas vezes, o pessoal agradece ‘obrigado, porque você tá ali’, não, quem agradece sou eu, porque a gente sabe que tá prestando um serviço pra quem tá precisando, você não tá indo à toa ali. São pessoas que, muitas vezes, não tiveram oportunidade de um tratamento e a primeira vez que vão se tratar é ali. E é uma coisa boa, sabe, é muito gratificante. Eu tenho prazer de ajudar, principalmente aos detentos, estão pagando por um crime que cometeram, é óbvio, mas não diferenciam nada da gente”.
Quem são os pacientes do doutor Cícero
Os atendimentos presenciais oferecidos pelo doutor Cícero Bezerra Lima na Penitenciária Estadual de Francisco Beltrão acontecem uma vez por mês, mas o psiquiatra presta auxílio em casos urgentes sempre que solicitado pela equipe de enfermagem da PEFB. Esses casos são, por exemplo, de pacientes em surto e tentativas de suicídio. “Normalmente, pedimos pro psicólogo da unidade avaliar o paciente e já ligamos para o doutor Cícero, ele nos orienta e, junto com o médico da unidade, a gente medica esse paciente até a vinda do doutor Cícero”, conta Maria Teresa Techy, chefe do setor de enfermagem da penitenciária.
O trabalho de psiquiatria também é importante para identificar casos de presos com problemas mentais. “Nós já tivemos pacientes graves de Apae, de retardo mental e tudo que nem sabem o que estão fazendo dentro da penitenciária. Esses casos são extremamente importantes de serem avaliados e a gente já faz um informativo para o juiz, para ele saber se é um detento ou é um paciente grave.”
Como a penitenciária tem atendimento apenas ambulatorial, alguns casos são encaminhados para o complexo médico-penal por um período. Depois retornam e continuam o tratamento no presídio. Ainda segundo Marai Teresa, “ele [dr. Cícero] é de extrema importância pra gente, porque doente mental é muito difícil de tratar. Cada um tem sintomas diferentes, se comporta diferente, é diferente a medicação. Um especialista faz uma diferença muito grande em relação a isso”.
Casos mais frequentes
Os problemas de depressão e drogadição são os mais frequentes entre os detentos. “Às vezes, o cara tá condenado a dez anos, a família não vem visitar e, por mais que ele diga que é o bandidão forte, que tá de boa, inconscientemente, chega um momento que se desestabiliza emocionalmente e acaba resultando, às vezes, numa depressão grave, casos de agitação, alucinação”, comenta Maria Teresa.
Ela lembra ainda da segurança em poder oferecer esses cuidados na penitenciária: “Já é uma dificuldade encaminhar preso pro CRE, seja pro oftalmo, seja pro neuro, seja pra ortopedia, imagine você levar um preso em surto psicótico pro CRE no meio da população, não que isso não é possível, mas é um risco. E é uma dificuldade totalmente evitada com a vinda do doutor Cícero até a unidade. Com os anos, os agentes penitenciários também perceberam a importância desse profissional, a mobilização interna é tão bacana que tudo ocorre bem. Ele faz uma diferença extraordinária”.