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Francisco Beltrão
segunda-feira, 23 de junho de 2025

Edição 8.230

21/06/2025

Deni Lineu Schwartz: O chefe do Getsop que titulou as terras

Deni Lineu Schwartz: O chefe do Getsop que titulou as terras

JdeB – A semana de eventos comemorativos aos 70 anos de criação da Cango (Colônia Agrícola Nacional General Osório) contou com uma palestra de Deni Lineu Schwartz, o chefe do Getsop (Grupo Executivo para as Terras do Sudoeste do Paraná), órgão misto criado em 1962 pelos governos estadual e federal para titular as terras colonizadas pela Cango nos anos 40 e 50.

Após chefiar o Getsop e titular milhares de terrenos rurais e urbanos nos municípios de Ampere, Barracão, Capanema, Dois Vizinhos, Eneas Marques, Pérola D’Oeste, Realeza, Santo Antônio e Verê, Deni elegeu-se prefeito de Francisco Beltrão (69/72), deputado estadual (74 a 86), deputado federal (90 a 94) e foi secretário de Estado, ministro e diretor da Copel.

A formação de Deni Schwartz é engenheiro civil. Estudou em Curitiba e teve como colega de turma Jaime Lerner, que mais tarde seria prefeito de Curitiba e governador do Paraná.

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Casado com Elair Santos Schwartz, tem quatro filhos: Deni Filho (biólogo), Varínia Vitória (arquiteta), Indira (falecida, era veterinária) e Helder Antônio (engenheiro civil). Atualmente, reside em seu sítio de Nova Prata do Iguaçu, bem próximo à barragem da usina de Salto Caxias.

A seguir, tópicos de sua palestra daquela noite de 16 de maio, no auditório do campus da Unipar.

 

A importância da história

Divulgação
Após chefiar o Getsop e titular milhares de terrenos rurais e urbanos, Deni
elegeu-se prefeito de Francisco Beltrão (69/72), deputado estadual (74 a 86),
deputado federal (90 a 94) e foi secretário de Estado, ministro e diretor da Copel.

 Espero que os jovens comecem a pensar seriamente na importância da história, nós vivemos num mundo que, de um dia para o outro, se esquece o que aconteceu, e não tem melhor professor que a história para que a gente não repita os erros do passado. Portanto, aos estudantes de história, ao professor de história: vocês têm uma importância muito grande, inclusive para encontrar soluções. Gostaria de chamar a atenção porque nós estamos numa região historicamente, no Brasil, desconhecida e que tem uma importância vital, provavelmente, se não fosse a atuação de um cidadão brasileiro no século retrasado (Barão do Rio Branco), nós hoje não estaríamos falando português aqui, e sim castelhano ou espanhol.

 

Justiça, a grande culpada

Os senhores já ouviram a história da Cango, seus méritos indiscutivelmente foram grandes. Eu não viria aqui para repetir o que os senhores naturalmente conhecem, mas para que os senhores meditem sobre o seguinte e para mostrar como a história é importante. Primeiro: a disputa que levou o Alcides (Bernardi) a participar de uma revolução em 57 tem um grande culpado que se chama Justiça Brasileira. Isto precisa ser muito claro, porque não é admissível que uma questão se arraste durante cento e poucos anos. A Cango, que dava a espingarda para o colono, a enxada, a semente, o médico, portanto, um excelente projeto, fracassou por quê? Simples e puramente porque em determinado momento a Cango era válida, de repente a justiça dizia “não, não, isso é de particulares” — de repente era da Cango, de repente era do Estado. E nessa disputa morreu gente, se prejudicou a região, se cometeu talvez o maior crime ecológico na região, porque o cidadão, não sendo dono, derrubava pinheiro e queimava porque não tinha segurança jurídica da terra. Isto tem que ser levado em consideração, porque vivemos nos dias atuais igualzinho ao que era antigamente. Ou não é verdade que nós temos problemas de Incra ficar brigando com Funai, Funai brigando com não sei quem, desde sempre, por indecisões jurídicas?

 

A elite fracassou

Não sei quem era culpado. Nós temos de ir mais fundo e saber por que só agora, há cerca de três anos, decidiram que o pinhal que tinha em Dois Vizinhos e Verê pertencia à Pinho e Terras e o grupo Dalcanale recebeu uma fortuna do governo federal, depois de cento e poucos anos. Por isso que eu digo que precisa conhecer a história para vermos por que, de repente, pessoas humildes e trabalhadoras resolvem pegar sua foice, sua espinguardinha e sair em uma revolução. A elite fracassou, essa é a denúncia que eu quero fazer, a elite naquele momento fracassou porque ficou enrolando! A Cango, que veio com uma boa finalidade de ocupação da terra, organizando, montando os lotes como deveriam ser, preservando a natureza, fazendo a cabeceira, o rio, ficou nos 900 e poucos lotes, e estimulados por uma nova região, o pessoal veio atrás. É bom recordar que essa região era estratégica. Eu morava em União da Vitória, era garoto, o Exército estava fazendo a estratégica, que era a estrada que ligava São João dos Pobres, em Santa Catarina, vinha no Horizonte, vinha a Palmas e vinha a Barracão para ocuparmos essa região, aí já começa a participação do Exército. Chegamos em 57, os senhores conhecem bem a história. Além dos mortos, ficou uma ferida que persiste até hoje na divisão de pessoas e que naturalmente as novas gerações foram aplainando, mas levou muito tempo aquela discussão, certa inimizade, uma divisão na nossa sociedade.

 

Atuação significativa dos políticos

Em 57 houve uma paralisia, o Exército veio para cá em respeito à Companhia. Houve uma paralisia e ficou ao Deus dará, nem a Cango assumia, nem os particulares trabalhavam e o Estado muito menos. É bom frisar que a discussão no judiciário envolvia particulares, envolvia o Estado do Paraná e envolvia a União, eram três partes brigando, se dizendo dono. Fala-se mal agora de políticos, mas há que se lembrar de políticos que, sentindo as necessidades desta região, tiveram uma atuação muito significativa, inicialmente o senador Othon Mader, o deputado Antônio Anibelli, Zacarias Seleme, radialista Ivo Tomazoni, aqui em Beltrão Luiz Prolo, Walter Pécoits e tantos outros, os senhores conhecem bem, e ficarei por aqui para não cometer injustiças, inclusive porque de outros municípios muitos participaram. Mas — e isso está muito claro no livro do Hermógenes Lazier — os políticos conseguiram convencer o governo federal que precisava tomar uma decisão e Jânio Quadros — eu faço questão de dar nomes para os senhores se situarem bem nas épocas —, em 61, assina um decreto de desapropriação das terras. Vejam o absurdo que a demora da justiça levou, ela não decidiu e o governo federal tava brigando na justiça pra não dizer que era dele e teve que desapropriar terra, mas foi uma excelente medida. Só que o Jânio renunciou. Outra coisa que eu gostaria que os senhores pensassem bem, não que eu seja partidário do parlamentarismo, mas veio o parlamentarismo em função da posse do Jânio e no parlamentarismo os deputados passaram a ter mais força ainda e então foi concretizada a desapropriação no governo do João Goulart, primeiro ministro Tancredo Neves. Porque os deputados tinham força, no parlamentarismo o deputado não era pra apresentar emendas, deputado fazia o que tinha de ser feito, fiscalizava, procurava saber os interesses do interior e tinha força pra isso. Mas, vejam bem, fica uma questão: como é que o governo federal ia comprar as terras se o Estado viesse a ganhar na justiça?

 

(O governador) Ney disse “eu não aceito isso aí”

Eu assisti uma cena espetacular, voltei a ser participante da história. Estávamos em Curitiba, eu era engenheiro do Estado, estava acompanhando o governador, aguardando a chegada do presidente João Goulart que estava vindo a Pato Branco — beltronenses, não fiquem brabos, o Jânio só veio a Pato Branco porque Beltrão não tinha aeroporto, e Pato Branco tinha parte do que então seria o Getsop, Verê e parte de Dois Vizinhos era Pato Branco. Nós estávamos aguardando o presidente João Goulart no aeroporto em Curitiba pra ele trocar de avião, naturalmente o governador Ney Braga viria junto, e o governador chegou com o presidente e disse “olha, eu não aceito isso aí, eu não aceito porque nós também estamos brigando na justiça, essa terra é do Estado, não é da União”. Novamente entra a justiça, que não definiu. Aí a gente pegou o governador, levou pra dentro de uma sala, o Jango estava vindo instalar o Getsop, que era exclusivamente com membros do governo federal — cinco conselheiros do governo federal, subordinados diretamente ao gabinete militar da presidência da república; veja a importância que começa a ter o Exército, porque o Exército é que tinha confiança aqui, a Cango tinha perdido aquela confiança naquele vai e vem, ora ela mandava ora ela não mandava —, e saíram os dois sorrindo de lá e tinham chegado à conclusão de que o Getsop deixaria de ser um mecanismo meramente federal e passaria a ser misto. Incluiu-se aos cinco membros mais quatro representantes do governo do Paraná, entre os quais eu tive a honra de participar. Formou-se um grupo de nove conselheiros e o Estado e a União se solidarizavam junto à justiça de não reivindicar, fosse de quem fosse, estava resolvido. Foi feito o depósito. Eu estava com 23 anos, me chamaram “você é membro aqui, mas vai trabalhar lá, vai ser o chefe de serviço lá”. Aí começa a minha história aqui, a história do Getsop aqui foi em 1962, o ano passado esqueceram da data.

 

O Getsop teve começo e fim

Fizemos 50 anos, ninguém lembrou porque nós tivemos um começo e tivemos um fim. Não se conhece nenhum funcionário do Getsop, nós não ficamos como muitos órgãos que ficam perambulando como zumbis, sem função alguma e gastando o dinheiro do governo, como tem inúmeros órgãos que hoje não têm mais a finalidade e continuam existindo, ou não é verdade? Me desculpe, mas eu não vim de 100 quilômetros pra vir aqui contar historedo. Estou sendo sincero com os senhores, para instigar os senhores a pesquisarem, eu posso estar completamente errado, mas os senhores poderão achar a verdade de novo. O Getsop, então, passou a ser um órgão misto. Aí nós temos que dar mérito a algumas pessoas que aguentaram o Getsop, senão teria morrido como tantos órgãos também já morreram, ou tantas boas iniciativas, inclusive a Cango. O governador Ney Braga sustentou durante os primeiros tempos com dinheiro do Estado, com funcionários do Estado, porque infelizmente estava naquele pré-64 e a coisa tava meio complicada.

 

Em 64, Deni pôs o cargo à disposição

Quando chegou 64, veio a revolução, eu fui a Curitiba, me apresentei ao presidente do Getsop, que também já tava sendo substituído, e naturalmente pedi minhas contas, entreguei o meu cargo, que era de confiança. Esses cidadãos militares conhecem bem, ou conheceram de nome, pelo menos, era um coronel, diretor do Colégio Militar de Curitiba, eu me apresentei e ele disse “olha, rapaz, me nomearam como presidente prum tal de Getsop, com toda a sensibilidade, eu não sei se isso é uma fábrica de inseticida ou o que é, porque eu não sei o que é isso, então vou te pedir uma coisa, você guente lá mais uns três meses pra mim achar alguém pra te substituir”. Não me substituíram e eu fui ficando. Esse coronel depois foi general de quatro estrelas, um dos mais insignes generais dos últimos tempos, general Ademar da Costa Machado. E eu sou tão velho que há uns dois anos eu recebi um convite pra almoçar com o general comandante da região que queria saber do Getsop. Eu fui lá e encontrei o filho do general Ademar que vinha aqui garoto com o pai ver o Getsop, e já era general — agora é general de quatro estrelas, está em São Paulo e é o comandante do Sudeste. Então veja que a gente tá velho mesmo!

 

Terras conquistadas para o Exército em Beltrão

Nós ficamos aí. Pouca gente tá lembrada de algumas coisas importantes de visão da época. Os nossos companheiros do Exército têm, sei lá, quatro, cinco alqueires de terra dentro de Beltrão que nós negociamos, eu e o então prefeito Euclides Scalco. Chegamos para o que se dizia posseiro naquela volta do rio, que hoje está em nome do Exército, negociamos assim “você fica pra lá e esse aqui vai ser pro Exército”, que na época queria construir um batalhão, infelizmente até hoje não saiu, mas tá lá o terreno. Veja o valor que aquele terreno tem hoje.

 

Dez alqueires para o Horto

Alguém conhece o Horto? Só os mais velhos. São dez alqueires de terra que nós pegamos do seu Ângelo Camilotti, a troco de mudas de pinheiro. Fizemos um acordo “nós queremos fazer um horto, nós pagamos o terreno com mudas”. Hoje o município tem 10 alqueires de terra rodeado de bairros em volta, mas dentro da cidade, alguém lembra disso? Na época nós já começamos a pensar nisso, gente sóbria pensou nisso e fez negociações sem briga e ficou aí o patrimônio que hoje é de Beltrão. Aqui não existia Café do Paraná, não existia um secador, não existia depósito de cereais, não existia nada, nós trouxemos Café do Paraná, o Getsop foi o primeiro que trouxe um agrônomo e começamos a vender a semente. Eu li aqui no livro, que eu recomendo, do Hermógenes Lazier, tem os números, os dados, quantos mil títulos de terra foram entregues. Pois bem, tem um cidadão aqui na sala que hoje dirige o jornal e escreve o jornal, o tal de Ivo Pegoraro, que estudou numa escola feita pelo Getsop (Escola Santo Antônio, de União da Barra, em Verê). Nós fizemos cento e poucas escolinhas, naquele tempo escolinhas rurais, e um dos alunos está aqui, alguém sabe disso? Alguém sabe que o DER daqui é o 4º distrito rodoviário? Pato Branco é o 12º, alguma coisa assim. O Getsop comprou as máquinas e chamamos o DER “ó, tá aqui as máquinas, mas nós queremos um distrito em Francisco Beltrão”, tem o distrito ali e nós tínhamos que negociar terreno, foi com o Carlinhos, duas quadras, ele tinha bastante, “você não paga imposto, agora esses daqui são nossos”, e ele concordou, visando o bem do município.

 

Sudoeste era terra de bandoleiros

Eu estou dizendo isso pra mostrar como é história, como era o povo, como queria progredir. Eu sou tão velho que um ilustre ex-governador — tem inúmeras ruas chamadas Bento Munhoz da Rocha Neto —  uma vez esteve aqui e me fez uma pergunta e eu dei uma resposta meio cretina, mas verdadeira. Vocês não podem imaginar por qu o Sudoeste era tido como uma terra de bandoleiros, não só o Sudoeste, mas quase todo o Oeste e tal. Simples e puramente porque mandaram, e foi isso que eu disse ao ex-governador, que era um grande historiador inclusive, um grande deputado, foi o homem que acabou com o Território do Iguaçu lá atrás. Ele perguntou por que os gaúchos e catarinenses daqui não gostavam dos paranaenses. Eu disse “não gostavam e têm toda a razão, nós não temos um jornal que chega aqui, não temos estradas para cá, não temos nenhuma comunicação e a turma aqui, como eu, tem que escutar a Rádio Guaíba e a Rádio Gaúcha porque até hoje, num radinho normal, você não escuta uma rádio de Curitiba. Além disso, quando o governo quer punir alguém por alguma razão lá em Londrina, em Ponta Grossa, cidades maiores, sabe pra onde eles mandam? Mandam pro Sudoeste como uma punição. Resultado: quem está aqui fica pensando que o paranaense é isso aí”. Ele, muito filósofo, olhou pra mim e disse “mas o senhor também é funcionário, o senhor veio pra cá por causa disso?” Não foi bem por isso, mas talvez.

 

Nas regiões mais difíceis, o Exército media

Era o que a gente vivia naquele momento, esse desligamento entre a capital e o interior. O Getsop conseguiu através de seus membros, e a importância foi tanta que a minha posse aqui, se não me engano em 63, 62, teve um iminente personagem do Exército, o então subcomandante da 5ª região militar chamado Ernesto Gaisel, tal era o prestígio que se queria impor. Naturalmente, nós tivemos problemas políticos, porque uma das coisas importantes que se tinha era que vendia a terra por um preço simbólico praticamente e todo o recurso era revertido na região, por isso as escolinhas foram feitas, as máquinas foram compradas, não tinha esse negócio de mandar pro Tesouro e depois não volta mais. Hoje isso seria totalmente impossível, a falta de confiança mútua hoje é uma desgraça. Mas foram feitas essas atividades, nstalamos o Horto, fizemos o aeroporto e aí vieram para cá o 5º Batalhão de Engenharia para fazer um aeroporto, que é o atual, e a 2ª Divisão de Levantamentos, para também medir terras. Nas regiões mais difíceis ia o Exército medir, era uma confiança que o Exército tinha da população.

 

População nota 10

Em 1973 encerramos as portas, eu deixei a chefia, continuei como membro do conselho enquanto prefeito e em 73 aí encerrou. O que fica nessa experiência, é bom que os jovens saibam, é o seguinte: a nossa população que eu melhor conheço, os outros eu não sei, mas é excelente. Em toda essa conflagração eu nunca fui ameaçado por quem quer que seja por qualquer razão, eu demonstrei aí que negociamos terras, ali onde está a Cibrazem (Companhia Brasileira de Armazenamento) hoje, era o terreno do dr. Aryzone. O Parque Jayme Canet Júnior foi colaboração de madeireiros e tal, a prefeitura não tinha condições de fazer tudo. Então, primeira lição: a população não tinha nada daquelas bravuras, até hoje quando chego lá os colegas de faculdade falam “você foi herói”. Herói coisa nenhuma, achavam que vir para o Sudoeste era o fim do mundo. Pelo contrário, tanto que eu fiz questão de me aposentar e voltar pra cá. A turma diz “você não mora em Beltrão não, você mora em Nova Prata”, mas quando eu vim aqui Nova Prata ainda era Beltrão, então voltei pro antigo Beltrão. Mas, enfim, a população nota 10; a confiança no exército: espetacular, tanto antes da revolução como depois, foi que fez a pacificação de fato.

 

Favelas rurais?

Críticas: era moda os tais brasilianistas virem aqui e fazerem entrevistas e saiu um livro de um inglês falando que nós estávamos fazendo favelas rurais. Por quê? Porque quem faz as leis não entende de povo, essa é a grande verdade. Tem uma lei que você não pode titular terra com menos de um módulo rural e aí começou a briga, o que faz com um cidadão que ocupa três alqueires, dois alqueires, mata o cara? Leva pra onde? Mato Grosso, Amazonas? Não, nós nos rebelamos e resolvemos fazer como nós queríamos, a instrução veio de Curitiba. Você pega e dá uma ordem de ocupação pro cidadão. Ótimo, aí o cidadão vai vender essa ordem de ocupação e tal, daqui 30 anos na justiça tá cheio de questão de herdeiros por causa de uma ordem de ocupação. Que nem casa popular, o cidadão entra, compra, faz um contrato de gaveta, eu sei porque eu tive a honra de acabar com o BNH, que era banco de malandro, e graças a isso a Caixa econômica não pode nem aplicar o dinheiro que tem. Depois de uma luta entenderam e nós passamos a titular, e esse livro inglês mete o pau em nós porque nós estávamos fazendo “favelas rurais”.

 

O que falta aqui, caviar?

Eu me sinto satisfeito hoje, todas as cidades têm excelentes condições de vida. Esses dias um jornalista foi lá gravar comigo sobre um assunto, aí o cidadão “mas o senhor fica aqui no mato, o senhor não sente falta?” Eu respondi “olha, eu realmente sinto falta”. Tem um troço que me contaram que é bom que é o tal de caviar, mas como eu nunca comi, acabou não me fazendo falta, e diz que é muito caro, aqui nas bodegas não tem esses troços. Mas realmente o que falta aqui em Beltrão? Esses dias me perguntaram como é que era viver no interior. “Ah, eu quero viver no interior, será que eu não vou ficar isolado?” E eu “bom, tem o seguinte: você mora em Curitiba, quantas vezes você foi no Teatro Guaíra este ano?” Ele respondeu “ah, tem uns quatro anos que eu não vou, e quando eu fui foi pra assistir o Almir Sater”. Daí digo “e no cinema?” Ele “também, a gente chega em casa cansado”. Daí eu perguntei “qual é a vantagem que vocês têm de morar em Curitiba?”, de fato qual é a vantagem? Eu tenho certeza que quem vai daqui pra Curitiba vai mais em teatro e cinema do que os que estão lá, e isso eu tenho discutido com o meu colega de turma, meu amigo e ex-governador Jaime Lerner — fomos colegas desde o científico, depois na faculdade nos formamos juntos —, digo “Jaime, você que é urbanista, vamos inventar alguma coisa pra espalhar a população, não podemos continuar com essa história, o cidadão mora em Nova Prata e o sonho dele é morar em Beltrão, o de Beltrão quer morar em Curitiba, o de Curitiba quer morar em São Paulo e o de São Paulo quer ir pra Miami, fazer uma concentração idiota”. Desculpa, saí do assunto, mas era isso que eu gostaria de transmitir aos senhores. Muito menos como uma palestra, por favor, eu sou apenas um contador de causos e, por favor, se estiver totalmente errado, me digam que eu quero também me corrigir.

 

Correntes políticas do Sudoeste

Politicamente falando, existiam duas facções, a do então governador Lupion, era o velho PSD, a UDN anti PTB, e aqui PTB e UDN se aliavam em função dos agricultores. Era incrível, mas enquanto o Lacerda no Rio de Janeiro, a capital de então, criticava o Getúlio, o governo como um todo, aqui o Ivo Tomazoni, o Pécoits, do PTB e o Prolo, da UDN, se uniram em função disso. Mas é muito importante, pra resgatar bem a história, tem um documento — e nesse livro do Lazier tem cópia — em que há uma manifestação das lideranças locais sobre a antevéspera de 57. Impressionante que aquelas pessoas que posteriormente criaram uma divisão social aqui, os pró-Lupion, os anti-Lupion, todos ansiavam desesperados por uma solução. Quer dizer, antes de 57, todos comungavam, infelizmente já naquela época políticos se aproveitavam. Mas o político é incrível, ele não abre mão de espaço, e quem mandava aqui era o grupo de Clevelândia. No momento em que Ivo Tomazoni começa a crescer em Pato Branco, Pécoits crescia aqui, Prolo e tal, começam a crescer outras lideranças, eles quiseram abafar, é natural, isso acontece hoje com mais frequência até, é muito difícil uma liderança nova acontecer porque quem tá lá tem as suas vantagens.

 

O preço do tomate e o meio rural

Os nossos políticos não entendem, eles acham que dando uma verbinha pro prefeito, comprando a confiança do prefeito, eles resolvem o problema. Não. Nós temos que discutir porque que de repente o tomate passou a custar seis reais em Curitiba. Agora eu nunca vi eles falarem que o produto da Natura, da Avon, sei lá de quem, aumentou de preço, sempre é a comida. É mentira porque o ano passado eu vendi milho a 25 reais, hoje tá 19, ou não é verdade? E vocês, jovens, precisam gritar isso, porque nós estamos com a nossa população do interior envelhecendo violentamente, daqui a pouco não vai ter gente lá, isso precisa ser dito, precisa ser mostrado. Me desculpem, mas isso é uma divagação que eu me sinto na obrigação de fazer porque provavelmente conheci os avós dos mais novos daqui da região, e eu sempre digo pra minha mulher que quem fez o Sudoeste não foram os homens, foi a mulher, aquela nonazinha lá de vocês, veja o passado dela, enquanto o marido no domingo ia jogar uma bocha, ela ficava cozinhando a polenta, tirando o leite. Eu digo que criaram um novo tipo de escravo e a gente é pior que a escravidão, porque o escravo ainda ganhava comida, e hoje tem de se virar.

 

Tem gente que ainda hoje fala que quem trabalhou na Cango e no Getsop poderia ter pego terra pra si, mas a legislação não permitia. E  como foi a sua vida social e, principalmente, a sua vida familiar desde que veio para Francisco Beltrão em 62?

Primeiro, você tem toda a razão, nós éramos proibidos de ter terras recebidas do governo. Certa vez, o governador disse que ia tirar todas as minhas terras, minhas fazendas no Mato Grosso e tal. Eu disse “ó, você pode tirar todas, não tem dúvida, eu dou a procuração pra você passar pro seu nome, se quiser, menos as terras que eu tenho em Salto Caxias desde 72 que eu comprei de terceiro, não tem nenhum título no Getsop, todas são escrituras que eu comprei posteriormente a titulação”. Então isso era uma regra que valia na Cango e valeu depois pra nós. Aliás, era uma regra geral não só a questão de terras, ultimamente a gente não pode nem receber presentes. Esta semana estavam provando quais os presentes que o presidente tal pode receber, aliás, um grande questionamento nacional: o que a dona Dilma pode fazer com aquela fotografia que ela recebeu do Hugo Chavez, porque, antes de mais nada, pôs a presidente numa situação muito difícil, não é um presente que se dê, é um culto à personalidade. Então há que se perguntar, eu fiquei constrangido em ver a nossa presidente ter de receber, lógico que foi uma infelicidade do governo venezuelano, poderia ter dado qualquer presente dentro das normas, menos um negócio de culto à personalidade, que fica muito feio, já imaginou na época do Hitler o Getúlio Vargas, que era meio dado ao hitlerismo, receber uma fotografia do Hitler, poxa, para lá! Quanto à vida social, Beltrão era ótimo, não tinha um metro quadrado de calçamento, era tudo barro. Tem um lance interessante, onde era a rodoviária antiga, aqui na praça, tinha o hotel do Liston e o ônibus parava ali. Um dia um funcionário do Getsop, que parava no hotel, tava chegando o ônibus, e olhou uma mulher encalhada, literalmente, encalhada no barro. Era a minha sogra que tinha vindo de surpresa nos visitar. Era todo mundo amigo. Eu estava aqui há uns dois meses mais ou menos, descendo a avenida, barro, e eu de jipe, era só jipe que a gente tinha, e todo mundo fazia com a mão e eu “tô afamado já, em dois meses todo mundo me cumprimentando”. Quando parei, olhei, tinha perdido a roda do jipe. Havia muito mais união, lógico, aa cidade era pequena. Eu fui até presidente do União.

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