Filha de Pedro Bernardi (falecido em 9 de junho deste ano, aos 87 anos) e Amélia Maria Lorenzetti Bernardi, ela foi batizada e registrada como Ilse Marcelina Bernardi. O sobrenome Lora veio do casamento com o engenheiro civil Ivo João Lora, em Erechim (RS), no ano de 1990. E o título de doutora, com o cargo de juíza do Trabalho, ela conquistou em 1992, sendo aprovada em primeiro lugar num concurso com cerca de mil candidatos por vaga.
Dra. Ilse é a segunda de uma família de quatro filhos. Quando ela nasceu, já tinha a Vanir Clara (hoje professora). Depois nasceram o Amauri Antônio (hoje bancário aposentado) e o Anselmo Luiz (gerente de uma empresa de plásticos).
Os estudos primário e secundário foram em Erechim. Enfermagem em Concórdia (SC) e Direito em Cruz Alta (RS).
Dra. Ilse assumiu a titularidade da Vara do Trabalho em Francisco Beltrão dia 28 de maio de 1993. Por alguns anos dividia Beltrão com Chapecó, porque o marido continuava trabalhando lá. Mas em 1995 ele também mudou para Francisco Beltrão.
Quando Ilse e Ivo ainda residiam em Chapecó, nasceu o filho do casal, João Felipe Bernardi Lora (14.9.95), hoje aluno da 3ª série do segundo grau.
Ainda como presente de seu 50º aniversário (comemorado dia 24 de julho), dra. Ilse recebeu, sexta-feira, dia 31 de agosto, o título de Cidadã Honorária de Francisco Beltrão, num projeto do vereador Anízio César Pereira, outorgado pelo prefeito Wilmar Reichembach.
Nesta entrevista, concedida em seu gabinete, rodeada de livros, computador e material de seu trabalho diário, dra. Ilse lembra os tempos do Rio Grande do Sul, onde viveu a infância e enfrentou longas distâncias e até estradas de chão, para se formar; depois o concurso, o início como juíza em Cascavel, União da Vitória, Foz do Iguaçu e, por fim, Francisco Beltrão, onde também se dedica ao magistério, à família, leituras, música e até sua simpatia pelo Grêmio (contrariando o marido, que é colorado).
JdeB – O que a senhora mais lembra de sua infância?
Dra. Ilse – Eu fui aluna de minha mãe da 1ª à 4ª série. Ela era extremamente rigorosa e exigia que eu a chamasse de mãe – e não de professora – durante as aulas. O fato gerou situações engraçadas nas séries posteriores. Muitas vezes, concentrada na matéria, dirigia-me à professora chamando-a de mãe. Claro que todos davam boas risadas. Nos primeiros anos de vida, como nem sempre havia alguém para ficar comigo e com meus irmãos, costumávamos ir para a sala de aula. Os alunos disputavam-nos entre si. Por esta razão, fui alfabetizada aos 5 anos, com inscrição, nesta idade, na 1ª série. Iniciei meu primeiro curso superior com 16 anos. Estudar e ler sempre foram um prazer. Por isso, defendo que, para estimular o gosto pela leitura, deveriam as crianças conviver com livros e revistas, ouvir estórias próprias para sua idade. Assim, desenvolveriam naturalmente o interesse pelos livros, indispensável para o conhecimento, o aprendizado e o desenvolvimento pessoal e social.
JdeB – Sua vida de estudante, como foi? Quando decidiu cursar Direito já pensava em fazer concurso para juíza?
Dra. Ilse – Abstraindo a modéstia, sempre fui boa aluna, com notas excelentes. Concluí o segundo grau e, com 16 anos, não sabia exatamente que curso escolher. Surgiu a oportunidade de cursar Enfermagem. Com 20 anos estava formada. Trabalhava na área administrativa de uma empresa com a promessa de que, quando concluísse o curso, seria transferida para o setor de atendimento médico e de enfermagem. Como tinha boa redação (era colunista do jornal O Alto Uruguai, em Frederico Westphalen), não cumpriram a promessa, mantendo-me na área administrativa. Soube do concurso para o cargo de auxiliar judiciário, na Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul. Fiz o concurso e fui aprovada. Constatei que para progredir na carreira precisava cursar Direito. Trabalhava em Frederico Westphalen e o curso mais próximo era o de Cruz Alta, distante 170 quilômetros. Resolvi, juntamente com um colega oficial de justiça e mais alguns outros corajosos, encarar o desafio. Eram 340 quilômetros diariamente, parte do trajeto em estrada de leito natural. Fomos em automóvel, Kombi, ônibus, o que havia. Retornava muito tarde e na manhã seguinte, no máximo às 8 horas, já estava na Vara do Trabalho (à época Junta de Conciliação e Julgamento), pois era assessora do juiz. Foram cinco anos extremamente difíceis. Desde que iniciei o curso pretendia a Magistratura. Concluí Direito em 1989 e fui aprovada no primeiro concurso em que me inscrevi, tomando posse em janeiro de 1992, aqui no Paraná.
JdeB – Como foi o concurso para juiz?
Dra. Ilse – O primeiro concurso para juiz, que teve as inscrições abertas, foi aqui no Paraná, eu fiz e passei, em primeiro lugar. Mas não há milagre. É estudo e dedicação, é foco. Porque se a gente quer chegar lá, não pode se desviar pelo caminho. O segredo é esse, e tudo o que eu consegui, até hoje, foi sempre com muita dedicação, com muito esforço.
JdeB – Como foi sua vinda para Francisco Beltrão?
Dra. Ilse – É bem interessante a minha vinda para Beltrão. Eu estava em Foz do Iguaçu. Normalmente o juiz, para ser promovido, deve ser vitalício e a vitaliciedade se adquire depois de dois anos de estágio probatório. No meu caso, houve a criação de novas vagas e eu estava lá há um ano e cinco meses e houve o processo de promoção. Eu nem sabia que estava sendo promovida porque em Foz do Iguaçu o trabalho era terrível, eu fui parar lá na fase de conclusão da Itaipu, havia muitas ações contra aquelas empresas terceirizadas, 4 mil ações por ano e eu atuando sozinha, por muito tempo. Soube da promoção e o dr. Euclides Rocha, que era o presidente do tribunal, chamou os cinco promovidos. Como eu havia sido promovida por merecimento, eu tinha preferência na escolha. Eu morava em Chapecó, o Ivo trabalhava lá, aí eu escolhi Pato Branco porque era mais próximo, mas uma colega de Curitiba argumentou: “ah, deixa Pato Branco comigo, eu tenho uma filha adolescente, eu soube que em Pato Branco as escolas são melhores” etc. Eu avaliei, e acabei escolhendo Beltrão. Foi assim, uma série de acontecimentos, eu diria fortuitos, que me fizeram escolher Beltrão, e nunca me arrependi. Eu diria que foram circunstâncias especiais que me fizeram escolher esta que viria a ser minha terra por adoção.
JdeB – E aquela sua colega, ficou tempo em Pato Branco?
Ilse – Pouco tempo, desde esse fato acho que houve sete, oito juízes.
JdeB – Então, não fosse aquela sua colega, teríamos perdido a dra. Ilse porque teria ficado em Pato Branco?
Ilse – Possivelmente estaria lá até hoje. Muitas pessoas me perguntam como eu consegui ficar tanto tempo aqui. O Ivo trabalhava em Chapecó. Ele havia sido secretário de Obras, conhecia todo mundo, tinha uma empresa de estaqueamento, uma carreira extremamente promissora em Chapecó. Eu tentei várias vezes fazer permuta, na época só se podia ir para outro Estado permutando com outro juiz. Eu tentei com vários colegas, nunca deu certo, na última hora acontecia um imprevisto e eu não conseguia ir para Santa Catarina. Numa das oportunidades, o presidente do tribunal disse pra mim “óh, se depender de mim, tu não vais“. Esse é o preço de trabalhar demais, né. Quando nós vimos que realmente não havia solução, e aí o João Felipe nasceu também, o Ivo resolveu vir pra cá. Imagina a dificuldade, porque aqui ele era o marido da juíza, teve que começar tudo do zero. Ele veio pra cá com a promessa de que eu não ficaria todo momento mudando de cidade.
JdeB – Como conseguiu permanecer tanto tempo numa cidade, no caso Francisco Beltrão, como juíza?
Dra. Ilse – O juiz, para julgar, não pode ser amigo pessoal ou inimigo da parte. Como o Ivo, meu marido, após o nascimento do João Felipe, deixou suas atividades de engenharia em Chapecó, entendi que não poderia estar a todo momento mudando de cidade, a fim de não comprometer sua vida profissional. Ele, como ocorre com todos os profissionais liberais, precisava de tempo para organizar sua atividade e conquistar a clientela. Por isso, e até mesmo por temperamento, optei por uma vida mais reservada, que me permitisse julgar com imparcialidade, como se exige de um magistrado. Deu certo. Estou aqui desde 1993 e nunca houve situação em que, por amizade pessoal ou inimizade com a parte, tenha sido necessário afastar-me do processo.
JdeB – Na sua vida, a atividade mental é intensa, sobra tempo para atividade física?
Ilse – Por muito tempo eu só trabalhei, aí eu vi que acabaria com a saúde comprometida, então passei a apostar na atividade física. Eu não consigo todos os dias, muitas vezes eu estou aqui são 18h, 18h30, e eu tenho muito problema de garganta, não posso caminhar no frio, eu olho aqui, e preciso terminar a sentença, vejo o prazo que eu tenho, opto por ficar aqui até mais tarde. Agora, quando eu percebo que consigo, vou caminhar e também frequento academia, religiosamente três vezes por semana, porque tem que ter saúde física e saúde mental. Muitas vezes tenho um processo difícil pra julgar, aí vou caminhar sozinha, já decidi muito processo caminhando, porque eu me preocupo muito com a justiça. Nem sempre a gente consegue, porque depende da prova e o juiz não tem poderes extranormais para saber se as pessoas estão mentindo ou não e para o processo vêm versões conflitantes, a gente tem que eleger uma das versões que parece a mais razoável. E naqueles processos, principalmente quando se trata de assédio moral, assédio sexual, despedido por justa causa, vínculo de emprego que a situação não está bem clara, eu muitas vezes consigo chegar a alguma conclusão durante as caminhadas e acho que é fundamental, nós temos que investir em atividade física, não há como ter saúde mental sem ter saúde física.
JdeB – E o marido acompanha?
Ilse – Acompanha meio resmungando (risos), mas eu faço ir, eu sou adepta da atividade física e me faz muito bem, aliás faz bem pra todo mundo, só que a pessoa tem que ter disciplina. O segredo é esse, nem sempre a gente está com vontade de caminhar. Eu preferia ficar em casa tomando chimarrão. Quantas vezes o Ivo e eu estamos caminhando na rua e a gente vê as pessoas sentadas, tomando chimarrão e até a gente se pergunta “nós poderíamos estar fazendo isso?”. Não, vamos caminhar. Até pra isso exige disciplina.
JdeB – Quais as questões mais interessantes que a senhora viu nesses tantos anos de Justiça do Trabalho?
Dra. Ilse – As demandas mais difíceis são aquelas que envolvem pessoas de uma mesma família. Já houve ações de pai contra filho, de filho contra pai, entre cônjuges. Alegam que havia vínculo de emprego. Na instrução, vê-se que se trata de conflito familiar, o que exige do juiz muita sensibilidade para julgar.
JdeB – O que pensa fazer após sua aposentadoria?
Dra. Ilse – Ainda não parei para pensar. Gosto muito da vida acadêmica e tenho interesse especial por Filosofia. Também quero ler todos os livros que não consegui ler em razão da falta de tempo.
JdeB – O que a senhora tem a dizer aos jovens que pretendem seguir a carreira do magistrado?
Dra Ilse – Que antes de mais nada examinem se têm vocação. A carreira, a exemplo de muitas outras, se exercida adequadamente, é um verdadeiro sacerdócio. Exige dedicação, paciência, sensibilidade, muita vontade de trabalhar e atualização constante.
JdeB – Gaúcha, torce por Inter ou pro Grêmio?
Ilse – Pro Grêmio (risos).
JdeB – O marido também?
Ilse – Não, o marido é do Inter.
JdeB – E como é que vocês assistem os Gre-Nais? Ou não assistem?
Ilse – Não sobra tempo. Mas eu não sou uma torcedora aficcionada, eu tenho uma predileção pelo Grêmio, mas não acompanho.
JdeB – Não é de um pegar no pé do outro?
Ilse – Não.
JdeB – Mas faz bem quando o Grêmio ganha?
Ilse – Faz (risos).
Magistério, lado espiritural, leituras e música na vida da dra. Ilse
JdeB – Uma participação importante que a senhora tem é no magistério. Leciona no Cesul e na Escola de Magistratura do Paraná, Núcleo de Francisco Beltrão. Como é essa sua experiência?
Dra. Ilse – Eu gosto muito de lecionar, rigorosamente falando. Eu tenho uma certa dificuldade em razão do tempo, porque em primeiro lugar eu sou magistrada, então não posso assumir nenhuma outra atividade, seja de natureza pessoal ou profissional que comprometa o meu trabalho, isso é condição básica. Mas eu consegui equacionar e estou lecionando. Eu iniciei em São Miguel D’Oeste, leciono desde 2001, se não me falha a memória. O contato com os alunos é muito bom porque, até em função desta restrição que eu tenho quanto ao convívio social, me traz informações, experiências, eu acho que eu tenho obrigação de contribuir, e sempre tive a sorte de ter alunos entusiasmados, interessados, e muitos alunos que depois eu encontro aqui na sala de audiências, que vêm atuar aqui como advogados e eu constato que eles estão muito bem preparados. Isso é muito gratificante e a essa carreira eu pretendo dar continuidade.
JdeB – Mesmo após se aposentar como juíza?
Dra. Ilse – Mesmo após me aposentar, se tiver condições. Eu tenho muito problema de voz, tanto que eu faço tratamento com fonoaudióloga semanalmente, faço exercícios diários, porque é muito tempo usando a voz, mas se eu tiver saúde pra isso, eu pretendo continuar a carreira.
JdeB – E o aspecto religioso da dra. Ilse?
Dra. Ilse – Olha, sem espiritualidade não se chega a lugar nenhum. Eu prezo muito esse lado espiritual, desde menina, é uma tradição familiar. A minha mãe é ministra há 40 anos. Eu sempre vi minha mãe, meu pai indo à missa regularmente. Nós sempre rezamos na nossa casa e eu continuo mantendo essa tradição na minha casa até hoje. Nos momentos difíceis, o que nos ajuda é a fé, e eu acho que as pessoas que não têm fé devem ter uma grande dificuldade para equacionar as situações difíceis, mesmo no momento da perda de alguém. Eu perdi meu pai dia 9 de junho, ele tinha 86 anos, e ele sempre foi um exemplo inclusive no aspecto religioso. A saudade que eu tenho dele é uma saudade que dói, mas cercada de boas lembranças de uma pessoa que foi exemplo.
JdeB – E suas leituras, a senhora aproveita a facilidade da internet?
Dra. Ilse – Não, eu entendo que ler é bom ler o jornal, o livro; é manusear o livro, é o prazer de ter aquele livro, de levá-lo onde eu estou. A internet é uma excelente fonte de informações, mas o excesso de informações também é prejudicial. O que se diz frequentemente que o jornal vai desaparecer, que o livro vai desaparecer, eu não acredito. A internet tem muitos aspectos positivos, a facilidade de busca, a transmissão rápida das informações, agora, aprender a escrever e a interpretar se aprende nos jornais e nos livros.
JdeB – Este cenário que nós temos aqui, a senhora rodeada de livros, vai continuar?
Dra. Ilse – Vai continuar, com certeza. Eu tenho prazer em manusear, por isso não consigo compreender como alguém pode dizer que não gosta de ler. Meu Deus, são tantos livros bons pra ler, os clássicos, os modernos.
JdeB – Como a senhora vê a participação do judiciário na atualidade e no futuro do país?
Ilse – O judiciário tem papel fundamental na preservação da democracia e no resgate dos valores morais e exemplo disso é esse julgamento do mensalão que está em tramitação no Supremo. Quando falham as demais instituições, e mesmo quando elas atuam adequadamente, o judiciário está aí para repor as coisas nos seus devidos lugares, para quando instado pelo interessado dizer quem tem razão, deve procurar fazê-lo com isenção, imparcialidade e principalmente celeridade, porque hoje o que incomoda muito a população é essa resposta muito lenta, muito tardia aos pedidos das partes.
JdeB – Tem música na sua vida?
Ilse – Ah, clássica (risos), eu gosto muito de música clássica. Tanto que o João Felipe faz piano há dez anos.
JdeB – Durante o trabalho também?
Dra. Ilse – Sim, mas aí é só música clássica. Eu gosto muito de Mozart, de Beethoven. E agora, quando viajamos, nós entramos numa igreja em Copenhague, e havia um piano. E o João Felipe disse que ia tocar, e eu disse que não, porque eles são todos cheios de regras. E aí estava uma senhora cuidando da igreja, ele perguntou se podia tocar, porque ele fala bem o inglês, e autorizaram, ele tocou piano lá (risos).
JdeB – Incentivado pela mãe?
Dra. Ilse – Desde pequeno. Ah, e outro detalhe, nisso Beltrão é muito rico, a música. Olha quantas escolas nós temos aqui. A música ajudou muito na formação do João Felipe, no desenvolvimento, no raciocínio. Ele é um menino absolutamente normal. Não tem nada de excepcional, mas eu percebo que a música ajudou muito. E até hoje ele toca. Lá em casa, o Ivo toca violão e ele toca piano.
JdeB – Do jeito que vai não está acumulando demais o trabalho dos juízes? Não tem um jeito de simplificar?
Dra. Ilse – É que existe um fenômeno, nós copiamos muitas coisas dos Estados Unidos, que é a chamada judicialização dos conflitos. Hoje, as pessoas têm uma enorme dificuldade para tentar resolver elas próprias as suas dificuldades. Uma briga de vizinho, senta e conversa com o vizinho. Não, tudo é no judiciário. Esse fenômeno aflorou depois da nova Constituição, que estabeleceu uma série de direitos e as pessoas começaram a ter consciência desses direitos e passaram a ajuizar maior número de ações sem que o judiciário tivesse estrutura suficiente. Uma das propostas é estabelecer mecanismos de mediação, extrajudiciais. Antes do ajuizamento da ação, que se tentasse compor as partes e existem inclusive alguns projetos de lei em andamento, que seria uma forma de desafogar o judiciário. Também uma mudança de cultura, mas isso é a longo prazo, as pessoas por qualquer motivo procuram o judiciário.
JdeB – As pessoas que procuram a justiça por qualquer coisa é por insegurança ou é vontade de mostrar mais força?
Dra. Ilse – Sabe que é uma boa questão essa? Aí teria que se fazer uma pesquisa, com base nas informações que eu tenho eu não saberia dizer com precisão. Muitas vezes está subjacente a ideia de vingança mesmo, é afligir a parte.
JdeB – Dizem que o progresso material chega mais rápido, mas o cultural é demorado. A senhora conhece o mundo, viu como é a diferença de IDH por exemplo, o que nós podemos esperar nesse progresso do Brasil pra chegar a país de primeiro mundo?
Dra. Ilse – Na Noruega todos têm carro, mas é um carro popular, não se vê carrões e todos têm um padrão de vida muito semelhante, roupas, não há grifes, marcas famosas. O progresso material veio e ele é bem-vindo, é salutar, mas ao mesmo tempo é preciso desenvolver a consciência de que o aspecto cultural deve acompanhar esse progresso do ponto de vista econômico. Como? Exigindo contrapartida das pessoas. Esse programa de bolsas, o modelo europeu adota isso, a Noruega, por exemplo, paga um valor x aos jovens até 18 anos e quando eles estão na faculdade também recebem um valor mensal, mas existe a contrapartida. Então, para resgatar as pessoas não basta dar dinheiro, dar bolsa disso e daquilo, é necessário exigir a frequência à escola, exigir que se desenvolva alguma atividade, porque nós temos muito essa cultura paternalista. O que eu ouço de muitos empresários, hoje, de empregadores na sala de audiências, é que os trabalhadores têm consciência dos seus direitos, mas nem sempre têm consciência dos seus deveres. Eles querem ganhar bem, é uma reivindicação extremamente justa, mas isso deve vir acompanhado de um trabalho de qualidade, de atualização, de profissionalização. E nós temos que refletir muito a respeito disso. Nós estamos em um momento, até em função do progresso econômico, da distribuição de renda mais equânime, um momento de resgate também dos deveres como cidadãos e deveres como trabalhadores.
JdeB – Tem personalidades que a senhora segue, espelha-se em alguém ou em vários autores, em vários exemplos de vida?
Dra. Ilse – Eu diria que eu procuro, de cada pessoa, aproveitar ou examinar o que ela tem de melhor. Nós tivemos grandes pessoas ao longo da história. Acho que o primeiro passo que nós devemos dar é gostar do nosso país, é valorizar, é o sentimento de patriotismo que independe de quem está no poder. Nós temos que separar estado de governo, pátria de governo, não interessa se eu tenho afinidade com quem está no poder, interessa é a pátria, é a nação, é ter orgulho de ser brasileiro, e eu constato que em alguns outros países as pessoas têm orgulho, elas usam a bandeira, elas apregoam a sua condição de natural daquele país, a sua condição de cidadão. Ao longo da história, eu teria uma certa dificuldade pra dizer pessoas que me inspiraram, mas eu tiro muitos elementos da leitura e eu acho, aqui no Brasil, o exemplo da Zilda Arns muito interessante, o que essa mulher fez pelo país, inclusive ela foi cogitada para o Prêmio Nobel, pena que ela partiu.
JdeB – A senhora tem um cargo invejável, uma família invejável, conhece o mundo e conhece bem inclusive as ruas de Beltrão. A senhora se considera uma pessoa realizada?
Dra. Ilse – Sim, em primeiro lugar porque eu gosto do que eu faço. Eu não consigo conceber como alguém que trabalhe numa atividade fique oito, dez horas sem gostar. Eu costumo dizer que eu sou magistrada por vocação e é preciso ter vocação, a exemplo do que ocorre com muitas outras profissões. Eu tive muita dificuldade em Francisco Beltrão, em razão dessa minha postura eu sou rigorosa, mas eu sou rigorosa com todos, como jurisdicionada. Como cidadã eu gostaria de saber que o juiz vai tratar A, B, C, D da mesma forma, sem privilégios, sem concessões, só que algumas pessoas não entendem isso, elas acham que elas deveriam ter privilégios, e como elas não têm, elas se valem de expedientes menos lícitos, pra tentar desestabilizar um juiz. Eu já tive, inclusive, ações criminais ao longo desses anos. Em todas eu tive êxito, mas são situações que provocam dissabor, que provocam dificuldade, que exigem que o juiz busque assessoria jurídica, mas eu jamais vou recuar, e foram todos expedientes desta natureza. Como a pessoa não conseguiu fazer com que eu me curvasse aos seus interesses, eu mantive a postura imparcial, se valeram desse ataque pelas costas. Então, esses anos todos foram anos difíceis, mas o juiz, quando ele vai pra sala de audiência, ele tem que abstrair isso. Eu sempre busquei assessoria da nossa associação, que nunca recusou, e continuei trabalhando da mesma forma e administrando. Agora veio o reconhecimento, acho que valeu a pena, e um reconhecimento que eu nem esperava, porque eu estou ciente, aquela pessoa que tem um pedido indeferido ou aquela pessoa que é condenada é natural que ela, digamos assim, não simpatize com o juiz, é normal, nós não podemos esperar simpatia, pois nós trabalhamos com a coerção, é uma função do Estado, o Estado não permite que os particulares resolvam as suas contendas, eles devem vir ao judiciário, e quem faz esse trabalho somos nós. Quando a gente entra na carreira já sabe disso e tem que saber administrar, e é um exercício diário.
Relação de respeito entre pais e filhos
JdeB – A preocupação dos pais é o relacionamento com os filhos. Aqueles que não querem desrespeitar a lei, mas querem que os filhos tenham uma educação segura. Até onde vai o limite na sua experiência como mãe? O que a senhora diz pra essas pessoas?
Dra. Ilse – Os pais não têm o direito de zelar pela educação dos filhos, eles têm o dever e os pais, por inadequada compreensão do próprio ECA, estão abdicando desse dever. O pai tem o dever de dar orientações e exigir o cumprimento, inclusive atribuir tarefas aos filhos, isso contribui para a aprendizagem e educação. O Estatuto da Criança e do Adolescente é mal compreendido. É uma lei que visa coibir abusos, impedir abusos, mas não abstrai dos pais o dever de atuar na formação dos filhos. O que acontece hoje nas escolas? A criança, o adolescente tem comportamento irregular, o pai é chamado e ainda ratifica a conduta do filho, então nós temos que fazer um resgate disso, eu como mãe sou extremamente rigorosa.
JdeB – Nem sempre a senhora dá razão pro seu filho?
Dra. Ilse – Na maioria das vezes não. E o respeito aos pais? A gente vê criança batendo no rosto dos pais, dizendo palavrões, isso é inadmissível, essa deve ser uma relação de respeito e também não acredito naquela história de pai amiguinho de filho. Pai é pai e mãe é mãe. A criança, o adolescente precisa se sentir seguro e ele se sente seguro com uma postura firme, mas também é preciso dar exemplo. Eu sempre digo para o meu filho “Eu posso cobrar de ti, porque eu faço o possível pra dar exemplo, eu não permito que tu jogues papel na rua, mas eu não jogo papel na rua, tu alguma vez me viste jogar papel na rua?” “Não.” “Então, eu não permito que tu jogues.” Nós temos que resgatar os valores, isso me deixa muito preocupada. E quando nós viajamos eu levo o João Felipe junto comigo pra que ele veja que é possível pôr o pé na faixa e ele parar, não ouvir buzinas, ouvir pessoas educadas, claro que isso não é geral. Existem também problemas, mas eu faço sempre questão de visitar esses países, embora sejam países com preços altos e etc., mas eu não vou lá para comprar, vou lá para conhecer, justamente para ter essa experiência, pra ver por que dá certo na maioria das vezes e eu digo que isso é a honestidade. A honestidade está na raiz do crescimento econômico e cultural.