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Francisco Beltrão
domingo, 01 de junho de 2025

Edição 8.216

31/05/2025

Ele vive a história de Clevelândia desde 1922

Filho de um dos legalistas que defenderam sua cidade contra a Coluna Prestes em 1925, Mozart conta histórias também de tropeadas, da evolução da pecu

 

 

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Ele é do tempo das tropeadas de gado” foi o título da primeira parte desta entrevista com o clevelandense – de nascimento e de uma vivência de 92 anos – Mozart Rocha Loures.

Boa saúde, completamente lúcido, tem alguma deficiência na audição, mas, com a participação do filho Nilton, ele contou ao Jornal de Beltrão muitas histórias. Domingo passado falou sobre tropeadas de gado; neste, fala do desenvolvimento do município que ele acompanhou ano a ano.

No confronto de Clevelândia entre legalistas e Coluna Prestes, Mozart tinha menos de 3 anos. Mas ele lembra das histórias que seu pai contava e foi um grande colaborador do livro “Um Rio Por Testemunha”, publicado no fim de 2014 por seu filho Nilton Luiz e o professor Guibarra Loureiro de Andrade. Acontecimento de exatos 90 anos atrás, dia 20 de fevereiro de 1925.

 

JdeB – O senhor acha que os outros municípios se desenvolveram mais por causa da agricultura e Clevelândia tinha menos agricultura?

Mozart – É, tinha pouca agricultura, lidava mais com gado, fazenda, essas coisas.

Nilton – Clevelândia abriu os olhos pra agricultura muito tempo depois, ficou parado por causa de grandes latifúndios, a cidade era toda rodeada de fazendas, então seria o gado.

 

Demorava quatro ou cinco anos pra vender um boi?

Mozart – O gado era vendido de quatro a cinco anos, exatamente, não vendia direto. Vendia aí 200, 300 bois e dava pra esperar, vinha criando, todo ano tinha gado.

Nilton – Eles compravam de dois anos e vendiam de quatro, cinco, porque era o período que o gado adquiria engorda necessária. Por que eles vendiam de quatro a cinco anos?

Mozart – Porque dava mais peso, era o boi mais gordo, porque o gado era gordura, não era peso, não tinha balança, aqui o comprador comprava olhando. Olhava o boi, o cara sabia quantos quilos ia dar aquele boi.

 

E que raça?

Criado naquele tempo mais o gado caracu, zebu. Uma vez se reuniu em Palmas muito fazendeiro, conversando e perguntando que raça de gado que admirava e naquele tempo não havia charolês, era caracu, zebu, o nelore. Aí tavam reunidos e perguntaram pro fazendeiro: qual é a raça de gado que o senhor mais gosta de criar na sua fazenda? – Agora tô criando mais a raça do zecu. Os caras “que raça é essa?”. Zebu cruzado com caracu, dá uma raça muito boa, isso é fato mesmo (risos).

 

Dava muita doença no gado?

Mozart – Naquele tempo não havia remédio pra doença de gado. Meu pai era fazendeiro do Rio Grande e ele dizia que a arma do gado é o sal e campo bom. Não faltando sal e campo de molhar o chifre no capim, quando o bicho baixa a cabeça pra comer, molha o chifre, não tem peste no gado, e não tinha mesmo. Dava muito carrapato e eles banhavam com água de cinza, queimava a madeira e fazia aquela cinza e molhava.

 

O senhor ajudava a fazer isso?

Mozart – Ajudava.

Nilton – Tinha uma lucidez impressionante e era um aluno brilhante de geografia, eu quero que você faça duas perguntas pra ele, quero que faça a pergunta de quais são os afluentes do Rio Amazonas e quais são as serras do Paraná.

 

Os afluentes do Amazonas, o senhor sabe?

Mozart – Conheço, antigamente era diferente, as escolas, os colégios, aqui eu estudei com professora particular  e depois foi estadual Maria Muniz do Canto Pacheco, era de Curitiba, casada com seu Pedro de Canto Pacheco, que era tio de minha mãe, irmão do pai de minha mãe, ela lecionava de 45 a 50 alunos, meninos e meninas na escola. Lecionava das 8 ao meio-dia, não saía nem um aluno sem dar licença e fazer contas, a obrigação e ainda fazia almoço. Era meio enérgica, era brabinha.

 

O senhor estudou quantos anos?

Mozart – Eu estudei até a 4ª série, aquele tempo não tinha ginásio aqui também. Depois, quando foi criado escola pública, grupo escolar, quem veio instalar foi Manoel Ribas, Maneco Facão, que chamavam, interventor. A banda de Clevelândia tocou o Hino Nacional e o interventor ficou muito impressionado.

 

E o senhor lembra desse evento? O senhor tava lá?

Mozart – Era gurizinho pequeno, mas me lembro, papai contava, e papai tocava também, fazia parte da banda, ele tocava um instrumento chamado bombardino.

Nilton – Mas o senhor não respondeu a pergunta ainda, sobre o Rio Amazonas, os afluentes.

Mozart – Pois é, chegava o fim do ano, vinha fazer exame, ela convidava o juiz de Direito, o promotor, os advogados, gente culta pra fazer o exame nos alunos. Colocavam todos os cadernos em cima da mesa e pegava matemática e fazia exame de matemática, cada um examinava um aluno e um professor, que depois foi professor meu em casa, o juiz de Direito doutor Laureni do Canto, muito competente, pegou meu caderno geografia e tava escrito sobre o Rio Amazonas. “Levante aí e me fale sobre o Rio Amazonas!” Eu tentei explicar mais ou menos, digo “o Rio Amazonas, professor, doutor, nasceu no país Peru, no Lago Lauri, e entrou no Brasil com o nome de Solimões. Depois que recebeu as águas do Rio Negro passou chamar-se Amazonas. É considerado no mundo como o maior rio em volume de água. Ele pegou o Estado do Amazonas e o Estado do Pará, formando a maior ilha ferroviária da América do Sul, que é a Ilha de Marajó, e desemboca no mar, no Pará, empurrando as águas do mar 120 km pra trás. Ao dar influência do Rio Negro no Amazonas ele tem 33 km de largura, o Rio Amazonas”. Aí ele perguntou “e os afluentes?” Digo “os afluentes são à margem direita Rio Javari, Jutaí, Juruá, Tefé, Quari, Madeira, Purus, Tapajós e Xingu”, hoje o Rio Madeiras tá aqui na divisa com o Peru, não sei porque mudaram o nome, quando eu estudei.

Nilton – E a parte esquerda?

Mozart – Margem esquerda Iça ou Potumayo, Japorá, Negro, Urubu, Tumã, Jamundá Trombeta,. A profundidade do Rio Amazonas varia de 20 a 200 metros de profundidade.

Nilton – E as serras do Paraná? Eu perguntei pro meu professor da faculdade e ele não sabia…

Mozart – Depois foi inaugurado o grupo escolar aqui, que o velho Maneco Facão veio assistir. Entrei no quinto ano, os outros todos passaram e ficaram no quarto ano, no terceiro ano, não sei, mas reuniu acho que uns 600, 700 alunos, de toda parte, encheu o colégio. Aí foi nomeada uma senhora formada diretora, dona Lenira Beltrão, ela casou-se com um rapaz daqui de Clevelândia, era solteira, muito boa diretora.

 

Filha do Francisco Beltrão?

Mozart – Filha de Francisco Beltrão, ele que era juiz das terras naquele tempo. Aí nós éramos em cinco só e ficamos no quinto ano eu e mais quatro moças, uma delas era dona Lenir, filha de Lenira, filha do Manoel Martins, mulher do véio Anibelli; a outra era Cinésia, filha de uma paraguaia, muito inteligente; outra Loremi de Figueiredo e outra Maria de Lurdes. Aí muito boa professora, formada, dona Rosinha Santos de Paula, ela falou “Mozart, se preparem, estudem as serras, o rio, os lagos do Paraná que amanhã eu farei exame, que estamos no fim do ano e vai entrar as férias agora e quero fazer esse exame de vocês”. Eu fui pra casa, aquele tempo não tinha luz, tinha vela e estudei até as duas horas, todas as serras, rios do Paraná, fui pra aula de manhã, onde é a prefeitura hoje era o colégio, perto da igreja, na praça, aí fui o primeiro examinado. Mozart, me diga quais são as principais serras do Paraná. Quando ela disse assim, me deu uma zonzeira, me assustei até, aí ela anotou qualquer coisa. Disse Serra Negra, Taquari, Cubatão, Cabaraqua, Cobainas, Santa Maria, Graciosa, Itupá, Prata, Araraquara e muitas outras espalhadas pelo Estado. Nota 10 (risos).

 

E como é o nome dessa serra que divide o Paraná com Santa Catarina?

Nilton – Serra da Fartura.

JdeB – Ess não tinha no estudo?

Mozart – Não tinha, no caderno não tinha, nunca mais esqueci.

 

O senhor gostava de geografia?

Mozart – Gostava, geografia é uma coisa verdadeira, história é mentirosa, história que nem jornal (risos). Um tio meu era engenheiro, ele que me deu a planta dessa casa aqui, Carlos Alberto da Veiga e Silva Teixeira Coelho, escreveu três livros.

Nilton – Como que é o nome dos livros?

Mozart – Perfis e panoramas, Pelas Serras e Rios do Paraná. O livro dele contava história, fizeram levantamento do Rio Tibagi, fundaram Campo Mourão e lá numa altura faltou comida e mandaram eu buscar comida.

Nilton – E aquela história do cachorro?

Mozart – Ele cortou o rabo do cachorro enquanto tava vivo. Cortou e assou o rabo do cachorro. Um dia, quando tava falando com ele, eu disse mas é verdade que você cortou e comeu o rabo do cachorro, o Piloto? Daí ele falou ah, isso é história de jornalista (risos).

 

E como era quando o senhor era pequeno. Ia na missa?

Mozart – Ia, toda vez que tinha padre. Desde pequeno eu me lembro que tinha padre. Muito devoto eu era, sempre rezando muito, tinha santo por toda parte. Nossa Senhora da Luz, da padroeira. Dava festa muito boa, tudo religioso. Agora tem centro espírita, naquele tempo não tinha, era só católico, iam todos à missa, novena, faziam sorteio, reunia ali oito, dez, quinze nomes e sorteavam quem ia ser festeiro. Meu pai caiu uma vez com seu Altir, fazia todas as despesas da festa, faziam leilões grandes, saia muito terneiro, vendiam muito gado no leilão.

 

Dava muita briga aqui quando o senhor era pequeno?

Mozart – Dava briga e matavam gente.

Nilton – E aquele Pacifico Pinto, o senhor chegou a conhecer?

Mozart – Não, não conheci.

 

Mas era verdade aquela história?

Mozart – É verdade, meu pai conheceu ele.

 

Em vez de pagar ele, matava o peão?

Mozart – É, exatamente. Naquele tempo da prefeitura ele veio, intimado ele tava, não sei se foi preso, mas ele veio, tava o juiz de Direito, o promotor, tudo, turma de inimigos que não gostava dele entraram dentro da prefeitura e meteram-lhe bala, mataram na prefeitura, o promotor subiu em cima e quase morreu, se atirou. Ele mandava fazer a empreitada de roça, essas coisas, ele mandava fazer o serviço e, quando pagavam, ele pegava o dinheiro dos caras e matava.

 

Carnaval, caçadas e carreiradas

O senhor conheceu algum bandido aqui? Algum matador?

Mozart – Me lembro mal e mal do que matou Pedrinho Belo. Tinha um rapaz que se criou aqui em Clevelândia, filho do tal Pedrinho Belo. Pedro Belo tinha hotel, o rapaz cantava muito bem, tinha uma voz que era uma beleza e era meio bagunceiro, briguento, barulhento, bebia muito, cantava nos bailes.

 

Dava muito baile, muita festa?

Mozart – Tinha, como não. Eu fui muito tempo secretário do Clube Cacino Clevelandense, agora é Clube Cultural, fui secretário, presidente. Eu fazia muito carnaval. Fazia os blocos, tinha três, quatro blocos de carnaval, moças e rapazes, mas era separado, os cantos e ensaios não se faziam juntos, um não sabia a música do outro, era assim, divertido. Faziam serenata e a mãe gostava muito de serenata e tinha o rapaz aqui, não me lembro o nome dele, tocava muito bem e cantava muito bem, Alberto Potidreira o pai dele, teve num tempo do Território do Iguaçu, o território acabou em 46, então ele fazia serenata, vinha pra fazer serenata uma hora, duas horas da madrugada, combinavam e chegavam bem devagarinho, cantava diversas músicas, muito boa. A última vez que vi ele era soldado. Uma vez tinha uma namorada muito bonitinha, ela deu o fora nele, ele convidou pra nós fazer uma serenata pra ela, uma orquestra bonitinha, e ele cantou pra ela, onze horas, meia-noite. Ele começou a tocar “não pense, meu amor, que eu vivo triste, não pense na vida em me deixar, eu vivo mais alegre e mais contente do que tu, já tem outra jovem no teu lugar, não pensa meu amor que eu vivo triste, não pense na vida mesmo assim, ela é mais gentil e delicada do que tu e mais amorosa para mim”. A moça levantou, pegou o revólver e “vuua” em cima de nós (risos).

 

Não tinha luz na cidade?

Mozart – Não, nada, as meninas saíam na luz do luar: quando tinha luar as moças saíam na rua, cinco, seis de mão assim e passeavam. Quando tinha baile, um senhor de São Domingos, seu Sebastião Valedorfe, de origem alemã, tocava muito bem gaita, tinha um compasso de gaita que era uma beleza. Quando chegava o Sebastião, eu fazia o requerimento pedindo licença pro prefeito e os outros saíam fazer convite pras moças “tem baile no clube hoje, às nove horas”. Quando era nove horas tava entupido de mulher, as mães junto com as filhas, não iam as filhas sozinhas, era cada baile que é uma beleza. E a bebida, a cerveja que tinha chamava-se Brahma Rainha, vinha em caixas de 48 garrafas. Uma vez eu e mais três compramos uma caixa de cerveja, lá no clube, foi botado dentro de um quartinho, entramos lá e tomamos a caixa inteira de cerveja, dançando o baile e tomando cerveja. De vez em quando batia na parede e do outro lado tinha uma mesa de jogo, jogavam muita carta naquele tempo, jogavam poker, pife, e daqui a pouco veio seu Manoel Martins, que era chefe político, fazendeiro grande, era padrinho meu, chegou e o que é esse barulho aí, o que tão batendo na parede? E olhou pra mim, até meu afilhado? Eu digo “até seu filho aqui também”. Tava o filho dele sentado, era eu, o Juarez, o Zenon e o Sadi. Clareou o dia e não tinha uma garrafa cheia, eles continuaram jogando, ninguém ficou bêbado, ninguém brigou.

 

Quando parou de estudar, o senhor fazia o quê?

Mozart – Comecei trabalhar de empregado, no comércio, trabalhei aqui e depois duas vezes em Campo Erê, era a casa mais forte que tinha dessa região. Beltrão comprava lá em Campo Erê, vinha mercadoria de São Paulo, Clevelândia. Teixeira Souza, uma casa muito forte, eu ganhava 30 mil reis por mês.

 

O senhor fazia o que na loja?

Mozart – Ah, vendia tecido, trabalhava no balcão. Eles faziam a porcentagem de lucro, fazia a conta e botava 10 por cento sobre o valor da venda. Aí chegou uma fatura grande, tava cheio as prateleiras, o brim mais caro custava cinco mil réis o metro.

 

O senhor conheceu o Francisco Gutierrez Beltrão?

Mozart – Ah, o doutor Beltrão? Conheci, morava numa chácara lá em cima perto da delegacia, tem até hoje aquela chácara. Morou aqui seu Beltrão, os seus filhos. Essa dona Lenir, que foi a diretora, muito distinta, não era muito bonita, mas muito boazinha, casou-se com um rapaz, irmão do dono da casa de comércio de Campo Erê, eu trabalhei com ele, ele chamava Leocir, todos da família do Beltrão eram formados, tinha engenheiro, advogado, tinha médico, o velho Beltrão era engenheiro também, ele era viúvo da primeira mulher.

 

O Duílio Beltrão o senhor conheceu?

Mozart – Conheci, foi quem mediu Pato Branco, ele que locou Pato Branco, ele e um primo meu, Paulo de Canto Pacheco, bom rapaz.

 

Quando o senhor tinha 6, 8 anos o Exército abriu estradas aqui que ia pra Pato Branco, o senhor sabe daquela história?

Mozart –  Lembro, como não? Lembro. Tava na beira dessa estrada, era de São João a Barracão, mas não foi a Barracão, foi até perto de Vitorino, pra lá de Pato Branco, não me lembro o ano, foi 28, 30. Quem fundou a quadra de futebol foi um parente daquele Borghnausen lá de Santa Catarina, era encarregado dos trechos. Faziam os trechos, todos a picaretas, pá, não tinha trator, não tinha nada, e puxava terra com galhota, carrocinha, levava lá, descarregava e daí voltava.

 

Já tinha hospital aqui quando o senhor nasceu?

Mozart – Não, não. Médico era a coisa mais difícil, não parava médico, antigamente não havia nada. Vinha médico, ficava 15 dias e depois ia embora. Palmas já tinha médico, depois, mais tarde, veio pra Pato Branco, primeiro médico muito bom, morto também, doutor Harry Valdir Graeff, foi prefeito, muito bom.

 

Quando o senhor era guri e precisava de médico, o que fazia?

Mozart – Benzimento. Tinha farmacêutico, doutor Patitusse. Eu tinha 16 anos pra 17, gostava muito de caçar, toda vida gostei de caçar. Depois saí do colégio, terminei o estudo e esse doutor Lauro que examinou, ele foi meu professor, estudei seis meses com ele, ele ia toda tarde lá em casa, fumava um cigarro atrás do outro, não tragava, ficava grosso de toco de cigarro. Aí saía toda noite, gostava de uma pinga também, tanto é que minha mãe me dava uns copos de leite, chegava no meio da turma, a gente tava numa roda tomando um aperitivo “óh, toma” “- Não, muito obrigada, não quero”. “Por quê?” “- Porque tomei leite agora, leite resfriado”.

 

Ah, ela dava leite pro senhor não tomar cachaça?

Mozart – Ela desistiu, a coitada (risos). Beba com moderação, se ficar com moderação não fica bêbado, vai tomando devagarinho e de repente você vai sentindo que vai ficando alterado, aí você para.

 

O senhor caçava com o quê?

Mozart – De espingarda, primeira espingarda que tive, meu pai levou uma tropa de gado, vaca de terneirinho e vaca pra dar cria, era de um padrinho meu, João do Poço, levou pra vender, no Rio Grande, passava Santa Catarina e levava, pra vender pros colonos, vaca de leite, vendia um pra um e duas pra outro.

 

E não tinha risco da vaca criar na viagem?

Mozart – Aquela história… tinha um tio da minha mãe, Domingos Ferreira Pacheco, muito meu amigo, muito bom, e uma vez conversando com o papai, papai era fazendeiro, laçava muito bem, montava muito bem. Tava contando, tinha um senhor que tinha uma fazenda arrendada, Francisco Calomeni, ele veio de Curitibanos. Ele contando que vinha trazendo uma tropa de gado, tavam sestiando, de meio-dia, e o gado deitado, e deram um tiro perto do gado e o gado levanta e corre mesmo, não tem cerca que ataca. A tal de disparada, o gado levou um susto e disparou e ele saiu correndo, pulou em cima do pelo da égua e saiu correndo na frente do gado “para, boi!” E contando que seu Francisco, lá numa altura, meteu a mão no buraco, rodou que chegou arrebentar o rabicho – rabicho é o que coloca por baixo pra eles pisar, pra segurar o arreio, pro arreio não correr pra frente – aí falaram “mas como, seu Domingos, se o senhor estava em pelo?” (risos). Não foi dessa vez, foi da outra vez, isso é verdadeiro, coisa verdadeira, tava junto, era piá mas me lembro. Veio de Itapetininga, de São Paulo, um senhor velho, seu Geremias de Almeida, paulista puro, muito conhecido do papai, muito amigos. Vim aqui, tinha um galpão e eles desencilharam os arreios, vinha até União da Vitória e de lá pegava ônibus, caminhão, sei que vinha até aqui, o aparelho todo de montaria tá ali, aí papai saía com ele nas fazendas comprar mula, mula mansa, mula xucra, todos os fazendeiros criavam mula. Aí o papai falou “seu Aladinho, nós tínhamos que comprar um cavalinho, bonitinho, bom pra pôr como madrinheiro das mulas que estamos comprando”, e ele “onde vamos arrumar?” O papai “ah, seu Domingos deve ter um cavalo bom, põe o cinceiro no pescoço e aonde bate o cinceiro a mula vai atrás”. No outro dia chegou o Domingos, papai junto com seu Geremias “foi bom o senhor chegar aí, seu Domingos, o seu Geremias quer comprar um cavalinho bonito, bom, novo, pra fazer madrinheiro das mulas que nós estamos comprando”. E ele “tem, mas até o cavalinho não é meu, é da Lucinda, mas eu vendo, tá muito bom, gordo, bonito”. Lucinda era mulher dele. Até aconteceu interessante um caso desse, eu saía a cavalo no campo e os cachorros correram e acoaram, na ponta do pinheiro, tinha caído pinheiro muito grosso, eu cheguei a cavalo, no pé do pinheiro caído, larguei o cavalinho ali, ele muito manso, subi em cima do pinheiro e vim puxando o pinheiro até a ponta, aí cheguei, tirei o revólver, quando dei o tiro senti um barulho, olhei pra trás, o cavalo tinha subido no pé do pinheiro, aí seu Geremias “não, nem compro, cavalo desses não se vende, não, a qualidade do cavalo é muito forte” (risos).

 

O senhor tava falando da espingarda, seu pai trouxe, que o senhor tava cançando?

Mozart – Isso aí, Taquari. Põe a pólvora, puxa e solta, louca de boa, matava o diabo com ela. Tinha que esperar carregar de novo. Caçava tudo que era passarinho, tudo que era bicho, quati, de tudo um pouco.

 

Falavam que uma vez os papagaios faziam dano na roça e daí contavam os papagaios mortos pelo bico que traziam.

Mozart – É, comiam muito milho, de fato, tanto é que dobravam a roça, o milho tava começando a endurecer e eles dobravam a roça, tudo de cabeça pra baixo o milho, tinha o maracanã e a baitaca, se tivesse o milho na ponta do pé ele vem e come mesmo, estraga o milho.

 

Tinha carreirada aqui?

Mozart – Carreira tinha, como não. A raia antigamente era aqui, começava lá em cima, passava aí a rua do hospital. Quando terminou de correr eu tinha seis anos. Mataram um tio meu, então encerrou. Aconteceu o seguinte: esse tio era rapaz novo, tinha 17 anos e era formado em Contabilidade, formou-se em Curitiba, e aí corria todo domingo. O Manoel Martins tinha uma égua branca, chamada Rica, me lembro da égua bem branca, bonita, muito corredeira e tinha o esquadrão do Exército lá em baixo, tinha o doutor Siabra que era médico do Exército, tratou papai algumas vezes, e esse Siabra quando recolheu o Exército ele vendeu o cavalinho, potrinho de três anos. Aí um tal de seu Herculano surrou o cavalinho, começou a sovar o potrinho, era manso.

 

Sovar é amansar?

Mozart – Sovar é treinar pra deixar correr, fazer correr. Eu sempre era bandeirinha, eu dava bandeira lá, naquele tempo não é como hoje, era por quadra, duas quadras castelhanas valiam 264 metros, duas quadras portuguesas 330, tinha que correr, não tinha sela, todo mundo corria em cima do pelo. Primeira vez foram tirar tempo, aí fica com a bandeira, vamos dizer, duas castelhanas, 264 metros, subiu com a bandeira branca, e aí os dois tirador de tempo ficam perto. Quando o Joca arca assim pra sair, aperta do relógio, e o relógio vai tocando, quando passa lá na bandeira, o bandeira entra e toca na paleta do animal, aí confere. Naquele tempo eu era criança, os 50 quilos de peso em cima um animal que desse 17 segundos da saída dos 264 metros era bem corredor, não era fácil. Hoje tem animais que dá até 15 e pouco, muito mais velocidade do que era naquelas épocas. Papai era muito carreirista e gostava. Ele dizia que o cavalo corredor até três carreiras pode correr bem, na terceira carreira em diante vende aquele cavalo e compra outro. Carreirista é que nem político, tem uma parte que apoia um lado e outra parte do outro lado. Aqui tinha seu Manoel Martins que tinha essa égua branca, era padrinho meu, família Martins, família importante. Aí essa égua já tinha ganho umas carreiras dos Pontes, mas os Pontes já tinham ganho uma égua, então eles queriam derrubar a égua. A primeira vez que tocaram o cavalinho já deu um tempo muito bom, já ficaram muito contentes, aí o velho continuou sovando, sovando é treinar de manhã, ensinando o animal a correr, na segunda ou terceira tocada acharam que podiam correr com a égua branca. Seu Herculano mesmo propôs o negócio pra correr nesta raia daqui, foi em 1928, meu tio foi morto dia 26 de setembro de 1928, aí propôs a corrida “eu corro com aquele potrinho assim”, o velho não conhecia, primeira vez que ia correr, “corro com sua égua se o senhor me der 50 por pelego”, 50 quilos montados na égua e no cavalinho podia por o que quisesse. O velho concordou, aceitou, fizeram a carreia, a importância eu não sei, não sei que parada foi.

 

A parada é a importância, a aposta?

Mozart – É, antes da corrida deposita dinheiro. Eu era piazinho, mas me lembro. Afinal, nesse dia 28 combinaram conversando com seu José Cândido, um gaúcho também, de Palmeira, combinaram uma carreira, correu uma égua dele com um cavalo chamado Marmelada, uma brincadeira por dez mil réis. O véio Juca foi pegar uma égua dele. Esse tio meu tinha 17 anos, foi esperar a égua vim pra correr na carreira, mas tinha uma encrenca anterior, um rapaz chamado Sidi, que era filho de um tal de Oscar de Oliveira, era meio farmacêutico, o velho dava remédio, homeopatia. Uma viagem que meu pai fez levando tropa de gado, esse peão foi junto, junto com um tio meu, eles eram meio encrencados, por causa de namorada, meu tio tomou a namorada dele, rapaziada nova, daí encrencaram na estrada. Aí numa altura papai emprestou um burro, um animal nosso, e o burro não era muito bom e ele pegou e rasgou a orelha do burro. Papai ficou muito indignado, devolveu o burro e mandou ele embora. Mas ficou inimigo do meu tio, por causa da tal namorada. Nesse dia correndo o pai dele tava ensinando, tinha uma porção de gente que foi assistir à corrida, como que faziam no Rio Grande pra bolear, boleadeira, antigamente jogava na mão, cavalo correndo e você joga na mão, tudo que era gaúcho usava, tinha laço de laçar e boleadeira de bolear. Então tava explicando, passou o Sarcisio e um tal de Oscar, irmão dele, passou e arrodearam tudo, e veio por detrás desse tio meu que tava sentado, esse tal de Oscar, que não era inimigo dele, deu um tapa no chapéu e deu tiro nas costas, quando deu o tiro nas costas ele levantou e falou “o que é isso?” E o outro deu três tiros, foi a última corrida que houve aí.

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