“Ele vive no mundo da lua.” Professor, talvez seu aluno tenha dislexia e TDA
“Dislexia é uma dificuldade de aprendizagem de origem neurológica. É caracterizada pela dificuldade com a fluência correta na leitura e por dificuldade na habilidade de decodificação e soletração. Essas dificuldades resultam tipicamente do deficit no componente fonológico da linguagem que é inesperado em relação a outras habilidades cognitivas consideradas da faixa etária.”
Numa explicação mais simples, dislexia e deficit de atenção são distúrbios que podem ser notados de forma clara quando a criança inicia sua fase escolar, ou seja, na hora do aprendizado.
Afinal, uma criança com o transtorno troca a letra “b” pelo “p”, confunde o som da letra “t” com a “d” e sente dificuldade para fazer cálculos. Dados do Ministério da Saúde comprovam que pelo menos 5% da população nasce com dislexia, mas, deste total, apenas 1% é diagnosticado. Os outros 4% vivem sob a notoriedade de preguiçosos, desleixados e na escola são conhecidos como os que vivem no mundo da lua.
Felizmente, pais atentos ao cotidiano dos filhos e presentes na vida escolar conseguem diagnosticar o problema, que nada tem a ver com falta de inteligência. Foi o caso de Renata com a filha Maria, hoje com 15 anos. “Percebi quando ela era ainda um bebê, por volta do 1º ano de vida, que demorou mais para andar, tinha facilidade para cair. Mas foi no momento em que entrou na escola que notei que havia algo errado. Ela não lia, não conseguia acompanhar a turma, comia letras e palavras ao copiar o conteúdo do quadro.”
Logo que notou, a mãe, preocupada, foi atrás dos recursos. Em 2005, quando a filha tinha 7 anos, fez avaliação. Segundo os exames da psicóloga e psicopedagoga, a menina apresentava sintomas evidentes de dislexia e TDA (transtorno de deficit de atenção). A partir de então, Renata não parou mais. “Ela tem acompanhamento de psicopedagoga, neurologista com especialidade em dislexia, fonoaudióloga e psicóloga”, ressalta.
Profissionais da educação não estão preparados para estes alunos
Apesar dos avanços, a menina sofreu preconceito na escola e, pasmem, dos próprios professores. Segundo a mãe, muitos educadores não conhecem o distúrbio e ainda fazem pouco do problema. “Mesmo levando os laudos dos exames, o diagnóstico e o tratamento que minha filha faz, alguns professores ignoravam. Me diziam que ela não acompanhava a turma, que estava mal na escola e tinha que ouvir que ela era distraída, vivia “voando” na sala”, conta a mãe.
“Senti que muitos professores não têm conhecimento do assunto, nem qualificação para entender o problema. Preferem dizer que são preguiçosos”, declarou Renata.
Para que um aluno com dislexia consiga se desenvolver, é preciso que a instituição de ensino tenha ferramentas e passe por readequações. Crianças disléxicas precisam de mais tempo para resolver questões e assimilam conteúdos a seu modo. Por causa do problema, se distraem com maior facilidade e necessitam que alguém, no caso o professor, lhes chame a atenção quase o tempo todo. “Quando minha filha se distraía, bastava o professor chamá-la pelo nome, ela sabe que precisa de foco, mas isso não é tarefa simples para quem tem dislexia.”
Renata procurou o Jornal de Beltrão para alertar pais e professores sobre o problema e pedir que as escolas, tanto públicas quanto particulares, tenham mais educadores capacitados para acompanhar esses alunos. “Minha filha não sofreu preconceito, mas eu, como mãe, me sentia triste a cada ligação quando ia ao colégio levando novamente os laudos e exames. Parecia que não entendiam ou que não queriam colaborar com o problema. Falta conhecimento.”
Especialista alerta sobre o assunto
JdeB – A pedagoga Soraia Luz Quintana, pós-graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional, Orientação, Administração e Supervisão Escolar, é especialista em distúrbios de aprendizagem. Segundo ela, não é fácil diagnosticar a dislexia. E ela ressalta que todos, tanto pais quanto professores, devem estar cientes que não é falta de inteligência.
De modo geral, o transtorno é diagnosticado nos primeiros anos de escola. “Precisa de estudo, sensibilidade e uma atenção por parte do professor. Ele é a primeira pessoa a desconfiar que a criança possa ter dislexia.”
Mas por que é tão difícil identificar? Soraia explica que o aluno escreve errado, processa informações de maneira diferente, troca letras e lê com muita dificuldade. “Geralmente, a criança tem facilidade na oratória, mas na hora da escrita, leitura ou de entender o que está escrito, tem muitas dificuldades.”
Eis então que surgem as desconfianças: foi mal alfabetizado, é relaxado, preguiçoso, tem deficit de atenção ou tem dislexia? Soraia diz que, como a criança não é compreendida e com a demora do diagnóstico, vem a indisciplina.
“Quanto mais tarde detectar o problema, o aluno e seus amiguinhos começam a entender que é diferente dos outros. Começam as gozações e desmotivação. Existem casos em que a dislexia vem acompanhada de discalculia, dispraxia e/ou hiperatividade (TDH)”, observa.
Dois caminhos a percorrer
De acordo com a pedagoga, após o diagnóstico de dislexia, existem dois caminhos a seguir: quando a família aceita e quando a família não aceita. No primeiro caso, serve de exemplo a história de Renata, que aceitou a filha e a ajuda a superar o problema.
Segundo Soraia, o acompanhamento deve ser de todos: família e profissionais. “A escola pode e deve avaliar esse aluno de forma diferente dos outros. Avaliação oral, ou tendo outra pessoa acompanhando e interpretando para esse aluno o que foi pedido e sempre o alertando quanto à escrita, dar um tempo extra ou o professor ter um olhar diferenciado ao corrigir a avaliação”, comenta.
Se a família não aceita o filho com dislexia, o caminho a percorrer é ainda maior. Sem querer entender o distúrbio, pais e mães colocam a culpa na escola ou nos professores, e passam a trocar de instituição ou sala de aula frequentemente.
Projeto de lei prevê atenção maior
O Projeto de Lei nº 7.081, de 2010, do Senado Federal, com origem em iniciativa do senador Gerson Camata (PMDB-ES), tem por objetivo instituir, no âmbito da educação básica, a obrigatoriedade da manutenção de programas de diagnóstico e tratamento da dislexia e do transtorno do deficit de atenção com hiperatividade (TDAH), por meio da atuação de equipes multidisciplinares, das quais participarão, entre outros, educadores, psicólogos, psicopedagogos, médicos e fonoaudiólogos.
Soraia pontua que alguns vestibulares dispõem de tempo extra e um acompanhante para a pessoa com dislexia. Por isso, a importância do parecer por escrito dos profissionais e arquivo no histórico do aluno. Dislexia é um transtorno que pode ser controlado e melhorado. Se houver parceria entre família e escola, o aluno se desenvolve a seu tempo, driblando suas dificuldades.
Para que não haja resistência no caso de transferência de uma escola para outra, é importante o diagnóstico estar no histórico do aluno. “Se esse aluno for transferido ou passar para outro nível, esse documento acompanha para a ciência dos futuros professores ou um eventual conselho de classe”, orienta Soraia.