Filho de ferreiro, aos 71 anos continua na mesma atividade, que também é seguida pelo filho Beto. Aprendeu com o pai, que veio do Rio Grande do Sul como ferreiro e se estabeleceu no Rio do Mato, interior de Francisco Beltrão. Ele também cria brinquedos para os netos. Tempo pra isso não lhe falta porque ele é de levantar cedo, seis da manhã já está na oficina.

Quando o Jornal de Beltrão publicou, em agosto de 2016, que Wilson Ramos seria “o último ferreiro de Francisco Beltrão”, seu Elias perguntou “e eu”?Quando o Jornal de Beltrão publicou, em agosto de 2016, que Wilson Ramos seria “o último ferreiro de Francisco Beltrão”, seu Elias perguntou “e eu”?
O título deveria ter sido “um dos últimos ferreiros”, pois, assim como faz o Wilson Ramos, Elias Maschio também tem longa experiência na atividade e continua na lida, possuindo também todo o equipamento do tempo de arado de boi e carroça e também os atuais, para conserto de máquinas de todos os tipos. Elias vai logo dizendo que gosta do que faz, daí se pode ver a importância de toda essa história que para muitos pode parecer um detalhe.
Elias Roberto Maschio é gaúcho de São Domingos (na época pertencia a Lagoa Vermelha). Nasceu em 24 de março de 1948. Em 1955, veio para o Paraná, junto com os pais, Luiz e Ângela Segalla Maschio, e seis irmãos, dos sete irmãos (o último, Toni, nasceu no Paraná), para se estabelecer em Rio do Mato; em 1960 mudou para o Km 16 e depois para a cidade.
Seu casamento, com Ana da Silva, foi na Igreja de Nossa Senhora da Glória que estava em construção. O sacerdote foi o padre Paulo Broeck (1919 – 1993), “aquele que dormia”. Filhos são quatro – Rosângela, Elisângela, Luiz Roberto (Beto) e Eleandro – e seis netos – Larissa, Letícia, Carlos Mariotti Jr, Roberta, Vandrês e Elias Roberto Neto Maschio.
Em sua oficina – Tornearia e Metalúrgica Maschio –, na Cango, diante de um poster de seu time, o Grêmio, ele deixou o filho Beto trabalhando enquanto concedia esta entrevista ao Jornal de Beltrão. Depois mostrou todas as instalações, com destaque para uma invejável coleção de peças e ferramentas antigas que preserva num pavilhão que é também garagem e salão de festas: serrotes, serras, rodas de carroça, lanternas, máquinas de plantar milho…
Elias também é um inventor. Aproveitando pedaços de ferro e adaptando motores, rolamentos e engrenagens, criou uma máquina para cortar lenha. É um rachador de lenha hidráulico. Corta até nós de guaviroveira e angico, ou outras madeiras duras. Fez também um parquinho e um carrinho de pedal, para os netos (usam tanto que os pneus estão carecas).
Como foi a viagem do Rio Grande pra cá, de mudança?
Levamos oito dias, era num caminhão Chevrolet 51. Lembro até hoje, era do Astério Sartori, era sócio do Mercildo de Carli, do Rio do Mato. Naquela época era Nova Concórdia, Rio do Mato e a cidade de Marrecas, não era Francisco Beltrão. O pai se instalou no Rio do Mato.
Ele comprou um sítio?
Não, trabalhou de ferreiro. No Rio Grande já era ferreiro.
O senhor aprendeu com ele?
Sim. Eu tinha 8 ou 9 anos. Fazia aquelas roda de carroça, aquelas argola, ajudava ferrar. Depois terminou as carroças, ficou só pra relíquia, mudamos pra indústria, pra Fundição Ouro Verde. O Sadi Bernardon, da Indústria Bernardon, fabricava muita carroça, aí ele montou uma filial em Capanema, pegou meu cunhado o Alberto Dalfré e colocou ele pra gerenciar essa filial. Saímos pra Barracão, Santo Antônio, era mato aquela vez, buraco, estrada de chão. Saímos 4h da manhã pra chegar às 7h da noite em Capanema (risos). Era uma caminhonete F-50.
Vendia bastante?
Vendia. Naquela época a Indústria Bernardon tinha quatro ferreiros que trabalhavam, quatro bigornas batendo martelo.
O senhor fazia de tudo?
Eu ajudava o pai. Por exemplo, essa chapa era esquentada, ficava vermelha e depois que acertava o lugar dava um banho de água fria pra dar o aperto.
Seu pai sempre foi ferreiro?
Sempre. Depois pro fim comprou um sítio ali nos Fachinello e plantou uma safra de soja, plantava e colhia a muque. A turma passava lá e dizia que ele ia ficar rico. Quando colheu aquela soja deu 115 sacos, quem avalisou tudo pra fazer aquele plantio foi o (hoje) falecido Cantelmo. No tempo do Foletto tinha uma casa de comércio. Aí falei pro pai: “Eu vou pra cidade, vou arrumar um emprego e o senhor não vai mais trabalhar”. Aí cheguei na Fundição Ouro Verde, tava o Aquiles Pansera tomando um chimarrão e pedi se precisavam de um ferreiro. Ele pediu de quem eu era filho. Falei que do Luiz Maschio, assim e assim. Ele disse: “Tá meio ruim de serviço, mas vem aqui trabalhar com nós”. Fiquei 12 anos lá.
Na empresa do Sadi?
É, quando saiu o Sadi. Eu ganhava 80 contos. Daí fui pra Fundição Ouro Verde e trabalhei com vontade, chegou fim do mês e me chamaram. O Aquiles falou: “Ó, Elias vamos acertar aí, já faz 30 dias que você tá trabalhando e você tem boa vontade”. Daí perguntei: “Se não leva a mal, quanto eu vou ganhar?” Em casa eu tinha que sustentar o falecido pai, a mãe, que já moravam na Rua Palmas. Tinha minha mana Isolda, tinha o Toni em Nova Concórdia e o Isaías em Itapejara. Ele falou: “No primeiro mês vamos te pagar 180 contos.” Era bastante dinheiro (risos). Fiquei até que começou cambucar as coisas, começou ir meio mal e o Filomeno, que era o diretor da empresa, falou: “Vamos fechar a firma, vamos pra matriz em Marmeleiro”. Aí o Aquiles perguntou quem ia pra Marmeleiro. Todo mundo eu não vou, não vou, só que esse meu mano Toni, de Nova Concórdia disse: “Eu vou”. Daí fui também. Morei lá na baixada perto daquela agência de caminhão Volvo de hoje. Foi 12 anos o tempo total na firma. Falei pro Aquiles que ia sair da firma, “se não der certo eu volto”. Falou que as portas tavam abertas. Eu tinha uma lambreta, saía de Marmeleiro pra terminar os 30 dias, não tinha carteira, não tinha capacete.
E passava na frente da polícia?
Não tinha a polícia naquele tempo.
A estrada era de chão. E quando chovia?
Vinha igual (risos). Cheguei no escritório pra entregar a chave da casa, já tinha me mudado. Me recordo até hoje, a mulher tava esperando a segunda filha e tava com muita vontade de comer abacaxi. Saí lá do Verê, antes da mudança, e vim aqui em Beltrão comprar o abacaxi (risos). Era um tempo bom.
Quando o senhor morou no Rio do Mato aconteceu a Revolta dos Posseiros, como foi lá?
Lembro que tinha um monte de jipes da Citla, dos jagunço, né. Comentava esses dias com o Beto que um dia de tarde o pai falou assim: “Elias, vai no Loterino Carraro e pega meia garrafa de pinga”. Ele tinha um alambique onde hoje é terreno dos Crestani. Cheguei lá e tinha uns jipes encostados na frente e lá deu um tiroteio. Quando abafou aquilo ali, tava o Reimundinho Soares deitado embaixo de um banco com um revólver na mão.
O senhor viu ele?
Sim. Tava embaixo do banco com o revólver pra se defender. De noite, aqueles jipes pra cima e pra baixo. Lembro até hoje que tinha uma serraria lá e eles procuravam gente nas frestas, embaixo das madeiras. Com aquela bagunça tudo que deu, a mãe pegou a gente e levou pro mato. Tinha a serraria dos Fabris, no Rio do Mato, eles chegavam ali, carregavam aqueles F-8 com a nata da madeira e levavam embora. Chegou num ponto que os colonos se revoltaram e fizeram o levante.
Quando teve o levante, seu pai veio pra cidade?
Veio. Tinha colono que não tinha armas e vinham até com aqueles garfo de palha (risos). Fecharam o Calçadão, se acamparam ali e enquanto (os jagunços) não foram embora não saíram de lá.
E a morte do Reimundinho Soares, no Rio do Mato, como foi?
Naquela época não tinha investigação que nem tem hoje.
Quando o senhor viu, ele não tava machucado?
Ele tava morto.
Eram dois mortos na frente da bodega e ele morto dentro da bodega, embaixo de um banco? O senhor tava sozinho?
Sim, era perto, só descer a rua.
E quando o senhor viu aquilo?
Quem que dorme, daí (risos).
Mas e o bodegueiro vendeu a pinga?
Eu já tinha pegado a pinga, tinha saído da bodega já. Não sei se já ouviu falar do falecido Millani, eu tava pra baixo do Millani quando começou o tiroteio.
Daí o senhor voltou pra ver?
Não, eu fui pra casa. Só que depois todo mundo foi lá ver.
O seu pai foi no velório?
Não. Segundo falavam, os jagunços eram tudo das penitenciárias.
Seu pai fazia algum trabalho pras companhias?
Não.
O Rio do Mato era uma vila boa, né?
Era boa. Tinha hotel, beneficiamento de madeira, daquela época que dá pra ver ainda é só uma escolinha. Rio do Mato e Nova Concórdia disputavam o primeiro lugar em potencial, daí tinha Marrecas.
Quando vocês chegaram não tinha muita diferença de um lugar pro outro?
Não. Marrecas era pequena, eu nem sonhava que chegaria no potencial que tem hoje. O senhor viu praticamente todo o crescimento da cidade.
Quando o senhor comprou aqui era barato?
Barato, era 300 conto.
Conseguiu esse dinheiro trabalhando como ferreiro?
Ferreiro, torneiro, metalúrgico.
Naquele tempo tinha banco?
Tinha. O Banco do Brasil era ali onde é a Dispeçal.
O senhor depositava?
Naquela época não. Eu investia, comprava material. Esse terreno que tem um poço artesiano aqui atrás foi pago 145 mil.
Quando o senhor ganhava 180 contos por mês dava pra comprar um terreno?
Dava e sobrava. A gente poderia ser dono de muita coisa hoje, mas não era assim, a gente fazia pra viver.
Hoje o senhor tem quantos metros quadrados aqui?
Só o pavilhão aqui dá 366 metros, daí tem mais lá pra frente.
Quando o senhor chegou aqui, o Camilotti tava começando. O senhor chegou em 55 e o Camilotti começou em 54.
Tava. Tinha bastante pinhal. Inclusive teve uma época que ele cedeu um terreno em frente ao Posto Dinon, que era do Cláudio Liston, ali tinha o moinho do Barea. Eu ia pegar farinha de trigo com um carrinho de mão lá.
Sua casa era onde?
Morava pra cima daquela agência de carros que era a Itaipu Veículos uma vez. Acho que é Hyundai agora.
Não tinha farinha nos mercadinhos, era direto no moinho?
Sim. Pegava os papel pra fazer os quilos de arroz e dobrava.
O senhor estudou no Rio do Mato?
Estudei lá e depois no Suplicy.Até a terceira série.
Dos professores que teve lembra algum?
A primeira professora minha foi a Irene Balotin. A sogra do Vilmar Cordasso.
O senhor é dos poucos que tá há tanto tempo como ferreiro e hoje com 71 anos continua trabalhando. Como é seu dia a dia? Começa cedo?
Hoje, ás 6 horas eu já tava na empresa. Meu horário de ficar é até 10h da manhã. O pessoal pára às 11h30 pra almoçar e às 13 horas tou de volta.
De madrugada o jornal já tá ali no pacotinho. O senhor lê o jornal de madrugada ainda?
Sim, antes de começar o trabalho aqui. Tem que gostar do que faz, se a pessoa não gostar do que tá fazendo, não dá certo. É que nem comentei, é a terceira geração, tem aquele meu mano de Itapejara que faleceu, ele trabalhava numa madeireira, puxei ele pra função e foi um baita dum metalúrgico. Agora tem aquele de Nova Concórdia, o Tinho Spoletto, fui eu que ensinei, também trabalhava em madeireira, e tem meu sobrinho em Itapejara. Eles tão tocando.
Tão dando seguimento?
Um sim, o outro não quis. O Adriano tem funcionário, mas o piá mais novo, o Leandro, não quis. A pessoa tem que ter o dom. Então as três gerações é seu pai, o senhor e seu filho, o Beto.
Que tipos de serviço o senhor faz hoje?
Não mexo mais muito com solda, mas trabalho no torno.
E o jornal. O que interessa ao senhor ler no jornal?
As reportagens daqui, as de fora também, a página do Almir. Tem umas reportagens muito boas. A primeira coisa de manhã cedo é fazer minha oração, daí eu vejo as reportagem do Jornal de Beltrão.
O senhor falou que faz café de manhã, e sua esposa?
Ela fica tomando chimarrão, mas sabe que hora ela levanta? Três ou quatro da manhã. Mas é meu costume fazer café. Ela levanta, pega uns gravetos, tem um rachador de lenha hidráulico e faz a polenta (risos). É costume de italiano, né.
E O BRASIL DE HOJE, COMOO SENHOR VÊ?
Elias – Tô confiante nesse presidente da República. Ele tem uma boa vontade de melhorar o País e espero que ele aprove a Reforma da Previdência. Tem que colocar as coisas no lugar. Tenho muita confiança nele, ele quer o bem pro País e pro povo brasileiro. Tava comentando com um amigo meu que falou assim: “Ó, Elias, temos que acreditar nas coisas pra elas funcionar”. Agora ele esteve em Cascavel, tenho quase certeza que ele vai abrir essa Estrada do Colono. Eu passei várias vezes ali. A última vez que passei lá, a gente foi pro Paraguai e teve uma vez que fui pra pescar na Ponte da Amizade e naquela época não abasteciam no sábado. Tava eu, o Ismael Montemezzo e o João Dalla Líbera. Voltando, chegamos no Parque Nacional, lá no meio do mato, num domingo de tarde, o balseiro falou que não fazia mais a travessia de ninguém. Daí com a gasolina medida pra chegar em Francisco Beltrão, chegamos num posto de Serranópolis, deram uma mão lá, abastecemos o carro e viemos pra casa. Eles dois era só festa e eu ansiado pra chegar em casa (risos).