Depois de perder um irmão, Adriana foi afastada do trabalho e só voltou no auge da pandemia, em agosto, enfrentando a doença psicológica e ajudando a salvar vidas.

Quando a pandemia chegou, a enfermeira Adriana Carneiro Bravo, de 43 anos, que trabalhava no Conjunto Esperança, em Francisco Beltrão, recém havia perdido seu irmão. As notícias do que era a covid-19 somada ao luto recente a deixaram em uma grande depressão, precisando se afastar do trabalho por três meses e se submetendo a terapias e medicações. A doença só não foi tão forte quando seu sonho de poder trabalhar na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) pôde ser realizado em agosto do ano passado.
Adriana sempre quis trabalhar na unidade. Ela tinha um protocolo aberto que solicitava a transferência. Não imaginava, porém, que ele seria aprovado em meio à pandemia. Apesar do medo e do luto que a rondava, ela aceitou o desafio e enfrentou a depressão para salvar vidas na ala covid da UPA.
“Eu vou dizer que o covid me ajudou nessa parte. Eu fiquei bem, melhorei a minha saúde mental, porque eu via que eu precisava estar ali”, diz.
Adriana chegou em agosto, logo na primeira escalada de casos. Até fevereiro deste ano, ela conta que houve pacientes que chegaram a ficar mais de quatro dias na fila de espera, além dos que morreram, por não resistirem às complicações da doença.
Devido à grande demanda, a UPA precisou ampliar a ala covid criada no início da pandemia e, assim como outras profissionais, Adriana mantinha protocolos humanizados para tratar uma doença que tira a dignidade de todos.
“A gente sabe que na ala do covid não pode ter visitas. Então a gente permitia que eles [familiares] viessem. Paramentávamos eles, colocávamos toda a proteção, colocávamos luvas pra eles poderem tocar no familiar, isso para dar um pouco de dignidade pra pessoa que está ali e para o familiar também. Porque a gente não sabe o que vai acontecer. Pode ser a última vez que ele vai conversar, que vai ver vivo, então se fazia o possível, inclusive gravava vídeos e mandava pra família.”, conta.
A enfermeira relembra de um dos casos que marcou a luta conta a covid, capaz de arrancar lágrimas suas.
Ela não se recorda a data, mas foi o dia em que um senhor chegou com seu carro, dirigindo, dizendo que sentia falta de ar e que estava cansado. Ao medir a saturação, que é a quantidade de oxigênio, foi identificado o índice de 75% – o normal é estar acima de 95%. O homem que chegou dirigindo alegando apenas um cansaço precisou ser colocado em um leito imediatamente.
Obeso e hipertenso, ele fazia parte do então grupo de risco da primeira cepa do vírus, por isso os cuidados foram eminentes. Ele foi testado e permaneceu na UPA por mais tempo. Os enfermeiros é que precisaram avisar a família.
“E ele era muito querido, sabe, uma pessoa que te transmitia uma luz, uma tranquilidade, e todo mundo meio que chorando, a equipe emocionada, então uma situação bem difícil. A família veio e a gente deixou a esposa e um dos filhos entrar e se despedir. Eu vi aquilo e desabei. Saí, fui chorar longe, a gente já sabe quais pacientes não vão evoluir bem, infelizmente, e aí não tinha vaga ainda pra ele e nós ali contra o tempo, decidindo se íamos entubar [na UPA] ou se íamos esperar mais um pouco pra sair a vaga”, lembra Adriana.
A vaga foi aberta no Hospital Regional do Sudoeste, mas dias depois ela soube que ele morreu, aos 62 anos.
Este não foi o único caso em que se foi cogitado a entubação na UPA. Segundo Adriana, isso chegou a ser realizado na unidade, que embora consiga fazer o procedimento, não é como em uma Unidade de Tratamento Intensiva.
Quando Adriana deu entrevista à reportagem, a UPA tinha ampliado para sete leitos na unidade, mas também já havia precisado adaptar um oitavo leito para atender os pacientes.
Apesar de conviver com o desafio covid e a iminência de estar ao lado de um vírus que já ceifou a vida de milhões de pessoas no mundo, Adriana segue firme. Ela não contraiu a doença e já foi vacinada, um dos grandes alívios do primeiro ano da pandemia. E nesse período, diz, a depressão foi enfrentada de frente, pois seu instinto é salvar vidar.
“Eu não podia ficar doente, porque a equipe é reduzida, não é todos os profissionais de saúde que querem vir pro covid. Muitos profissionais têm medo e preconceito. Então eu pensava: ‘Meu deus, se eu ficar doente, como que vai ser? A equipe precisa de mim, as pessoas precisam de mim, e isso me ajudou muito. Eu encontrei uma força que eu achava que não tinha”
[relacionadas]