
No tempo de famílias numerosas, a sua é de apenas quatro irmãos. É que o pai, João Somavilla, morreu novo. Ela e os três irmãos foram criados pela mãe, Luíza Vendrúsculo Somavilla. Aos 15 anos, morreu o irmão mais velho e, logo após o casamento de Angelina, morreu também a mãe.
Assim foi a infância e a juventude. Após seu casamento, com Adolfo João Pedron (8.7.1924 a 30.7.2009), em setembro de 1948, a mudança para o Paraná, Vila Marrecas, futura Francisco Beltrão, em 1951.
Aladir Maria (Ládi) e Altair Antoninho (Neco) eram pequenos. Aqui nasceram os outros seis filhos: Ari Américo, Alda Luíza, Analice Maria (Néli), Ana Terezinha (Tico), Alvacir Luiz (Váci) e Alcione Carlos (Mano). Para ajudar a cuidar de tantas crianças, tinha a tata Ana Talgatti, que acabou sendo adotada pela família como filha também. Eles já lhe deram 21 netos e 9 bisnetos.
O marido é de família pioneira de Francisco Beltrão. Além de Adolfo, Fioravante e Helena Vendrúsculo tinham mais nove filhos (incluindo dois que morreram pequenos): José, Sezisfredo, Constante, Adolfo, Orlando, Maria, Adelaide, Ermelinda e Ernesto.
Junto com sua família, Angelina (nascida no interior, entre Júlio de Castilhos e Nova Treviso, dia 10 de janeiro de 1928) viu a cidade de Beltrão crescer. Após sua viuvez, vive com a filha Ana Terezinha, que também é viúva.
Aos 87 anos, castigada pela osteoporose, Angelina tem dificuldades para sair de casa. Os filhos e demais parentes é que vão visitá-la, principalmente aos domingos. E foi num domingo, 22 de fevereiro, que, em sua casa no bairro Industrial, ela concedeu esta entrevista para o Jornal de Beltrão.
JdeB – Qual é a parte da história que a senhora mais gosta de lembrar, dona Angelina?
Angelina – A primeira passagem é a mais triste, mais ruim, porque toda a vida nós fomos sofrer. Eu tinha dois anos. Naquele tempo, não tinha caminhão, essas coisas, o pai passava com a carroça e com uma turma de cavalos, e estourou a apendicite e deu infecção e o médico não viu, ele acabou falecendo. A mãe tava esperando o mais novo e teve que ficar sozinha, ela era costureira e professora. E começou a ficar doente, dali pra frente toda a vida começou a ficar doente. Quatro meses depois que o pai faleceu que ela ganhou o último.
Sua mãe casou de novo?
Não, não. A mãe foi lutando e lutando, nós trabalhava na roça e nós tinha que pensar pra alguém vir ajudar a lavrar, pelo menos, porque nós não tinha nada, não tinha terra e daí o tio deu aquela terra pra nós trabalhar. Mas como é que nós ia lavrar, meu irmão era pequeno ainda e eu na aula, como é que nós ia fazer? Não tinha como. E aí então, nós morava perto da família dele, eles vinham lavrar e plantar pra nós. Depois eu e o meu irmão pegávamos a enxadinha nas costas e ia limpar onde eles tinham plantado. E assim foi indo, essa luta foi triste pra mim, sabe, porque eu sofri bastante, mas ainda tô aqui.
Vocês eram vizinhos dos Pedron e aí que a senhora começou a namorar o Adolfo?
Sim, mas nós não morava longe deles lá nem mil metros, era pertinho. Quase cinco anos namorando, daí casamos. Ele tinha colônia junto com o pai, trabalhava junto na roça.
Vocês casaram e a senhora continuou ajudando na roça?
É, alguma coisa, mas aí resolveram abrir uma loja, em Itá, ficamos quatro anos lá, mas depois resolveram vir pra cá pra ver como é que era, disseram que não era pra nós ficar lá, que era pra ir numa cidade maior. Então, nós viemos, com o falecido Constante e o pai eles vieram pra cá, foram pra Pato Branco e daí vieram aqui. Diziam pra eles que lá em Cascavel era melhor, mas eles gostaram mais daqui. Depois construíram uma casa e abriram uma loja, porque lá em Itá nós tínhamos uma loja de ferramentas, tudo junto, não era só de roupas. Nós abrimos aqui e fomos bem por um bom tempo, mas aí começou uma coisa e outra e desmanchamos a loja (era uma sociedadde entre os irmãos Pedron). Daí um foi pra um lado e outro foi pra outro, e nós construímos a nossa casa lá em cima, eu e o pai, mas nós tinha a loja ainda e ficamos 43 anos nessa casa onde nós moramos. Depois que eles resolveram vir pra construir aqui. Mas eu não queria vir pra cá, queria ficar lá, mas sabe que quando a gente fica mais velha, os filhos mandam e a gente fica quieto.
E a senhora com todos esses filhos conseguia ajudar o marido?
Sim, a gente tinha loja, eu trabalhava na loja e ele tinha um caminhãozinho, que ele ia pra Porto Alegre, faziam umas compras das coisas que eles precisavam, e às vezes eu ia junto. Ele tinha as firmas que ele já conhecia.
Ia direto daqui a Porto Alegre?
Não, não ia, a gente sempre parava em Erechim, sempre dava um jeitinho de parar em algum lugar. E estrada de chão nós pegava, tinha que empurrar o carro, às vezes, nós sofremos.
A senhora ia todos os dias na loja?
Sim. Quando eu ganhei o Ari, quatro dias depois eu já tava na loja. E vinham aqueles caboclos do mato, sabe, eles pediam e compravam aquele riscado, compravam em peças. Eu tava lá puxando aquelas peças pro freguês quatro dias depois que tinha ganhado o neném. Um dia meu cunhado chegou e disse “ué, tem novidade? Quantos dias faz?” Disse “quatro dias faz”. E ele “mas então vá lá pra cozinha e não me apareça mais aqui”. E aí eu não fui mais na loja uns dois ou três dias, mas depois ia de novo.
Como era o atendimento naquele tempo?
É muita roupa em peças e muita roupa em metro também. Depois tinha outros tecidos também, mas não era muita coisa, porque naquela época só tinha colonos e não tinha essas lojas de roupa que nem de agora.
Tinha que medir?
É, tinha tudo que ser medido, tinha prego, tinha sal, tinha farinha, tinha de tudo, a loja era completa, lata de comida e tudo. E daí vinha os caboclos de fora com os cargueiros, de um lado feijão e outro lado milho, e faziam as compras.
Eles vendiam milho e feijão e compravam as outras coisas?
É, e daí compravam, fazia a troca. Era cada caboclo assim, mas não se tinha medo, era normal. E a luz até as dez, porque era do Camilotti.
A senhora sabia todos os preços?
Não, eu não sabia tudo de cor. Mas tinha o preço tudo na mercadoria. Porque eu nunca tive aula, não sei se eu tive nem um ano, depois a mãe começou a ficar doente e daí precisava uma de ficar em casa pra cuidar e depois não fomos na aula. Eu aprendi na prática. Eu comecei a fazer umas continha e tal, pedia pro Adolfo se tava certo e ele me ensinava também. Me defendia muito bem, sem ter estudo, não me perdia nas contas, mas quando eu fazia, terminava e pedia pra ele dar uma olhada pra ver se tava certo. No final, depois, eu fazia as contas sozinha.
E o seu Adolfo foi pra aula?
O Adolfo foi, até a quinta série. A minha vida foi sofrida, foi sofrida mesmo. Porque depois que eu casei eu também trabalhei que nossa! Antigamente, quando uma mãe ganhava um neném, não podia ir no tanque lavar roupa e não podia ir colocar pão no forno, mas eu não, eu lavava as roupas e colocava o pão no forno e ainda tô aqui com 87 anos. E o que eu sofri durante tudo esses tempos eu não posso nem contar.
E as suas crianças eram sadias?
Sim, não ia muito no médico com as crianças e quem era o nosso médico era o doutor Walter. E quem levou ele de lá pra cá fomos nós.
Como que foi?
Ele tava lá perto do Uruguai onde tinha a barca, próximo a um povoado, ele tava trabalhando lá, e então o pai foi no médico e disse “doutor, vamos lá pra Beltrão?” Ele “mas e como é que eu faço?” “Ah vai lá primeiro conhecer e ver o que tu acha, depois nós conversamos”. E daí o pai que puxou a mudança dele. E tinha em cima de um morrinho lá, que tinha um posto de gasolina, onde está a Cia da Chopp, na Praça Suplicy, e logo pra frente tinha uma casa no alto assim, e aquela casa que nós arrumamos pro doutor parar. Ele parou ali e depois ele veio no hotel do Petla, onde que tem o prédio agora do Antoninho, o Maria Adriana, do lado de baixo da avenida, alugou o hotel pro doutor fazer o hospital pra ele. Ele construiu e foi levando devagarzinho, depois que ele construiu ele foi morar no hospital dele. Mas foi assim o início, ele também sofreu um pouco, mas afinal ajeitamos aquele hotel pra ele poder abrir o hospital.
Como era Beltrão, quando a senhora chegou?
Ah, não tinha nada, Jesus amado, não tinha nada. Tinha umas casinhas e coisa assim, tinha a igrejinha, rezavam naquele pavilhão de madeira, depois que construíram uma igreja, mas uma igreja meio provisória.
Quando a senhora chegou, aquela igreja grande de madeira não tava pronta?
Não, eles estavam construindo ainda. Eles rezavam no pavilhão e depois passou a ser lá. Mas depois deu aquele temporal e a igreja ficou meio inclinada de um lado.
Onde a senhora estava naquela vez que deu o temporal?
Nós estava lá naquela casa que tinha a loja, lá em cima, foi feito de dois andar, e em cima não estava fechado ainda. E tinha uma tia minha, bem velhinha e magrinha, e quase que se perde na estrada com o tempo, mas deu aquele temporal muito feio.
E na loja estragou alguma coisa?
Não, porque o vento passou reto.
Pegou só a igreja?
Pegou a igreja e pegou mais lugar, lá pro interior. Madeira pesada, anjico, pinheiro, tudo torcido do temporal que deu. E o falecido Potrick, juntaram ele na valeta perto do posto de gasolina que tinha ali, porque o vento levou e ele caiu lá na valeta. Ele tava saindo da missa da igreja e caiu lá, foi o vento forte.
O que a senhora lembra do Frei Deodato?
Do Frei Deodato eu lembro pouco, porque ele ficou pouco tempo depois, a gente escutava e a Virginia que cuidava dele, dava de comer e cuidava do cavalo dele, mas nós não tinha muita conversa.
Naquele tempo tinha o cinema, vocês iam?
Nada.
“Eu sofri que nossa, sofri mesmo, porque, afinal, é a vida”

Mas as crianças iam?
Não, também não iam. A gente sempre cuidava deles como se fossem uma coisa que não podiam sair. Eles ficavam no pátio do lado brincando, e também não tinha tantos presentes que nem hoje, eles compravam aqueles carrinhos de madeira e eu fazia os saquinhos e enchia de areia, pra depois fazer o caminhão e cobrir com uma lona, sabe. Eles passavam o dia brincando com aquilo.
Eles não pediam pra ir no cinema?
Não, nunca pediram. Só depois que ficaram moços, daí sim.
E a senhora colocou eles pra ajudar na loja?
Os filhos não ajudavam muito porque eles estudavam, trabalhavam mais fora, no posto e no armazém.
A senhora também não tinha muito tempo pra visitar as pessoas?
Ah, imagina, a gente trabalhava na loja e depois tinha que fazer o serviço da casa e fazer comida pras crianças, não dava tempo.
E os partos que a senhora teve aqui, foi no hospital?
Só a Analice, os outros todos em casa.
Quem atendia a senhora?
A nona Zancan, ela vinha lá da Vila Nova, eles iam buscar ela com aquela caminhonete, uma Rural.
Por que a Analice foi no hospital?
Porque ela ficou doente, eu fiquei doente a gravidez inteira, então o Walter cuidou dela.
A senhora teve dificuldades durante a gestação dela?
É, eu não tava boa, daí o doutor Walter tinha muito cuidado, ele sempre dizia “quando tu ver que não tá boa, me chame que eu venho te buscar”. Nunca me esqueço, aquela escada comprida, veio me pegar pelo braço, me levou pra baixo e me levou pro hospital. Depois que o Adolfo veio. O doutor Walter foi um médico muito bom pra nós.
Foram todos parto natural?
Todos. Só da Analice que eu tive no hospital, o resto todos em casa. Mas ela também foi parto normal.
Nunca teve complicação?
Eu acho que a gente aguentava muito, porque Deus ajudava.
E amamentava todos eles?
Sim, até os dois anos. A única que eu não amamentei muito foi a Alda, porque a Alda não queria mamar no peito. Depois a Analice amamentei até os dezessete meses, o resto todos passaram de dois anos.
E quando as filhas começaram a namorar, como é que foi? Tinha muita bronca da mãe?
Não. Sempre com cuidado das meninas, era tempo antigo, o pai era certo nas coisas, ele era finório nessas coisas. Uma noite eles resolveram fazer uma serenata, o Ivo Gordo, o Lico, outro junto, não me lembro mais, era pra Ladi a serenata, e o pai, imagina, ele nunca pensou numa coisa assim, abriu a janela do quarto e disparou, pularam a janela, disse que tinha vontade de pegar o violão e jogar longe. Até hoje se encontrar com o Ivo Gordo ele diz assim “e o violão do seu Pedron já se foi?” (risos).
Ele não gostou da serenata?
É. Mas nós também não sabia que o Ivo Gordo ia fazer serenata. Ele achou que era alguma coisa diferente, não que fosse uma serenata.
Atropelou o pessoal?
É (risos). As meninas ficaram brabas. “Era uma serenata, pai, pra nós!” “Bom, vocês não me avisaram que eles vinham fazer serenata”, elas disseram “mas nós também não sabia que eles vinham fazer serenata”. E ele disse “bom, assim eu passei de bobo, mas afinal tudo bem” (risos).
E os casamentos dos filhos, como foram?
Ah, os casamentos dos filhos foram tudo simples, porque a gente também não tinha muita coisa pra fazer, mas tudo eles casaram, não teve nada de mais.
E o seu casamento?
O meu casamento foi bem simples, era a cavalo ainda, nós fomos pra casa.
Era longe a igreja?
Não, nós não chegamos a casar em Severiano de Almeida, casamos em Três Arroios (os municípios são vizinhos), porque eles pagavam o dízimo lá (Severiano de Almeida), e aí casamos lá. E tomamos café da manhã e fomos na igreja casar, depois voltamos e fomos almoçar na casa do sogro. E de lá nós ia uns três quilômetros a cavalo, mas era tudo simples, a gente fazia como podia.
Vocês noivaram antes de casar?
Sim, noivamos antes de casar, uns três anos antes. O Adolfo quis noivar antes de ir pro quartel, ele queria garantir a esposa (risos). Mas sempre foi assim, um casamento do tipo da mãe, porque não é que nem hoje, que você vai e namora, não. Uns três domingos que ele veio na minha casa, a mãe disse “tem que me pedir pra vir aqui”, e eu não disse nunca um não pra minha mãe, isso eu levo comigo de consciência limpa, mas eu nunca respondi nem uma vez pra minha mãe. Eu tinha um pouco de receio pra ele, mas o que é que eu ia fazer? Aí disse pra ele que a mãe falou e tinha que cumprir. Ele disse que não tinha problema, que ele ia lá conversar com ela e foi. “Olha, aqui em casa é tudo assim, bem simples, só que tu quer vir almoçar domingo de meio-dia ou quer jantar de noite, pode vir, mas só que às dez horas, cada um na sua casa.” E o Adolfo nunca falhou, ele cumpriu a obrigação com ela diretamente, sempre às dez horas ele ia embora. Ele morava uns três quilômetros longe de lá de casa. Eu ficava sentada na cama, cuidando da mãe dia e noite e vendo ela gritar de dor, porque ela tinha câncer.
O Adolfo ia namorar a cavalo?
Sim, a cavalo. E tinha um riozinho pra passar, e quando aquele rio tava cheio, em dias de chuva, ele erguia as pernas assim pra cima e passava. Quando ia pra casa, ele tinha que pegar e tirar os arreios do cavalo, e passava em cima daquelas pinguelas feita de arame, e o cavalo ficava lá no potreiro.
E naquele tempo que ele esteve no Exército, ficou um ano?
É, ele não ficou bem um ano. Quando ele podia vir, ele vinha.
Ele gostou do tempo do Exército, falava bem ou mal?
Ah, ele passou bem, ele contava. Mas ele nem chegou a ficar um ano certo, porque depois eles largaram uma parte e ficou só outra.
Como foi a enfermidade da sua mãe?
A minha mãe sofreu anos e anos. Nós estávamos morando naquela casa que o tio deu pra nós, e era uma casa velha, era de duas portas, e do lado de cima do potreiro tinha pinheiros, árvores grandes, não era mato, e dava aqueles temporal, quando deu um temporal meio forte, tava só eu e a minha irmã em casa, porque a mãe estava no hospital. Quando a minha irmã viu, eu tava deitada na cama, eu desmaiei de medo, imagina, essas casas é fechada com aqueles arames de trinco e aquilo não aguentava, casas velhas, meu Deus do céu. A minha mãe, depois que dava alta no hospital, vinha pra casa e eu que cuidava dela, eu sentava do lado da cama e ficava cuidando dela, e a minha irmã cuidava mais de dia, porque eu ia pra roça trabalhar, mas a minha mãe sofreu muitos anos. Deu câncer que chegou a fazer bolhas e estourar.
E deu câncer do quê?
Câncer no útero. Depois meu tio quis levar ela pra casa, então ela foi pra casa dele.
Quando a senhora casou, a sua mãe era viva?
Sim, era viva, mas tava muito doente, muito mal. Eu aplicava as injeções dela de noite, só que nós tinha um médico lá em Severiano de Almeida, coitado, não tinha muita experiência, que nem hoje um enfermeiro, porque ele não era um médico, era simples, mas ele sempre cuidou de nós, do meu irmão também ele cuidou.
Como foi a morte do seu irmão?
Tinha 15 anos, o Abílio. Ele morreu de infecção. Porque a infecção deu do bodoque, até hoje eu não gosto de bodoque. Ele colocou no dedão do pé e puxou e aí a pedra veio na vista. E deu infecção nele, não teve jeito.
Esse seu irmão era mais velho ou mais novo que a senhora?
Era o mais velho. E aí quando ele morreu, aí que a mãe adoeceu mais ainda, perdeu o filho. Então, a minha irmã tinha que ficar pra cuidar. Olha, a minha vida foi sofrida e depois que eu casei, sempre trabalhei, sempre lutei muito e até hoje assim. Mas, graças a Deus, eu tô aqui ainda. A minha irmã ainda tá viva, ela tem dois anos mais velha que eu.
E os netos lhe deram alegrias ou tristezas?
Ah, os netos só me deram alegria. A melhor coisa que eu podia ter foi os meus netos, todos eles amorosos pra mim, todos me gostam, não posso ter queixa de nenhum. Os netos foram a minha salvação, que me aliviaram mais.
A senhora ainda teve a felicidade de ter bisnetos.
É sim, só faltou tataraneto, mas não deu certo.
Ainda está em tempo.
É, tem tempo, mas não sei quanto tempo a gente vai ainda… A gente não lembra bem de tudo, porque eu perdi um pouco. Graças a Deus, eu faço ainda meus crochês, leio um pouco, mas, sabe, o que me deixa em pedaços é esses ossos que não me valem mais nada, osteoporose, aquilo sim, pegou completo.
Dona Angelina, o que mais a gente lembra da vida, então, é a parte que mais sofreu?
É, a parte que eu mais sofri. Depois que eu comecei a ter os netos e tal, daí começou diferente, porque eles nunca deixam de me ver. Mas eu sofri que nossa, sofri mesmo, porque, afinal, é a vida.
E o seu Adolfo, como ele era?
Ele sempre foi muito próximo, muito bom, não tinha queixa de um ou de outro, não brigou nunca com ninguém, ele era muito calmo, só ele tinha uma turminha que eles iam jogar baralho, vinham buscar ele, porque no final nós não deixava ele sair de carro, nós tinha medo, porque um pouquinho ele não enxergava direito muito e não escutava muito, então eles vinham buscar. Os filhos sempre diziam pra ele “antes que aconteça alguma coisa, é melhor que o senhor vá de carona”. E ele ia de carona, eles vinham buscar e ficavam jogando a tarde toda.
Ele também trabalhou bastante na vida?
Sim, trabalhou bastante. Logo antes de nós casar ele tinha na casa do pai dele, porque nós deixamos muita coisa pra trás. Depois que nós casamos, nós fomos trabalhar num moinho, porque eles tinham um moinho, dali dois anos, vendemos o moinho e fomos morar uns quatro meses na casa do sogro, e daí ele tinha a plantação de fumo, numas roças novas, que recém tinham cortado o mato, e plantavam fumo. Nós ia trabalhar na roça, no fumo, mas depois resolvemos montar a loja e de lá viemos pra cá e assim foi.
Quando nascia um filho, quem é que escolhia os nomes?
Ah, era assim “eu vou botar esse nome”, “pode colocar”. Todos os filhos começam com o A.
Quem escolheu o da Aladir?
Angelina – Eu com a minha cunhada lá. Eu sempre fui uma pessoa de aceitar as coisas, nunca fui contra. E todos têm dois nomes: Aladir Maria, Altair Antoninho, Ari Américo, Alda Luiza, Analice Maria, Ana Terezinha, Alvacir Luiz e Alcione Carlos. E a Ana é filha de criação, vai fazer 50 anos de casada agora.
Filha Ana Terezinha – A gente fala que é uma irmã de criação, porque ela era jovem e ela quem nos cuidava, sabe. Ela morou com a mãe por mais de vinte anos, só saiu da casa da mãe quando casou. Eu fui aia dela no casamento, quando eu tinha seis anos.
Angelina – Uma pessoa também que não tinha boca pra nada, ela ajudava muito. Agora ela mora em Campo Grande. Ela não tinha parentesco nenhum, mas ela sempre ajudou muito nós.
E o que é que a senhora diz das meninas de hoje, a senhora acha que hoje elas não sofrem mais como a senhora sofria?
Não. Pra mim, faltou o respeito, porque se a pessoa tem respeito e sabe respeitar, tudo bem. Mas se não tem respeito e nem sabe respeitar, não vai pra frente. Graças a Deus, eu sempre tive muito bom respeito. Quando eu era solteira também, nós morava perto de uns alemão, e tinha aquela mulher que fazia de mãe pra nós, porque a mãe sempre tava no hospital. Mas ela ajudava em tudo, até quando nós casamos, fez tudo as cadeiras com flores no dia do noivo, quando voltamos de tomar café, todas as cadeiras estavam enfeitadas.
A senhora foi enfermeira do doutor Walter?
Não, ele que me falava que eu era enfermeira dele. Porque ia o pessoal lá pra fazer injeção, e quando não tinha quem fazia, eu que fazia injeção pra esse pessoal. O meu cunhado Roberto, eu fiz injeção pra ele por muito tempo, porque ele tava doente. Eu sabia fazer na veia, no músculo. Então, ele sempre falava “a minha enfermeira”. Depois também ele começou a ter mais equipe, mas quando precisava, eu ajudava. Eu ia na casa das pessoas, aplicar e ajudar.