A mulher do primeiro tesoureiro da Prefeitura

o primeiro tesoureiro da Prefeitura.
JdeB – O que a senhora lembra de quando morava em Pato Branco?
Geni – A única coisa que eu lembro é que nós fomos morar numa casa que tinha escada fora e o pai era sapateiro, embaixo. Eu tava sentada no último degrau, subiu um homem lá – mas isso já era tempinho que tava em Pato Branco -, ele chegou e começou a mexer comigo e “pá!” nos óculos dele, quebrei tudo o óculos do homem e ele desceu brabo com o meu pai. E o pai disse bom, ela tava lá sentada quieta, por que mexeu com ela? (risos).
Isso já na segunda vez que moraram em Pato Branco?
Primeira vez. De lá nós fomos morar uns três quilômetros fora, eu também ia na roça, era pequeninha, mas ia. A gente plantava arroz, mandioca.
Na primeira vez seu pai tinha sapataria. E na segunda vez?
Não sei o que, porque ia e voltava, ia e voltava. Em Vitorino ele montou um moinho, daí 40 dias nós voltamos pra Pato Branco. Ele vendeu pra sair do lugar, ele não ficava nos lugar. Daí que nós viemos pra Vitorino, pro Santana, só que ali foi feito três mudanças, tudo ali dentro. A primeira foi o moinho; daí o pai resolveu sair dali e criar porco solto na roça, daí que nós voltamos pro Santana. Não sei como nós vivia, não trabalhava na roça, daí que nós viemos pra cá. Aqui ele tinha uma bodega, que foi, bem dizer, o tempo dos jagunços.
Como era Beltrão quando vocês chegaram?
Era só uma estradinha. Eu acho que a mudança veio de carroça, porque colchão era de palha, daí tirava as palha, trazia só o pano. Não tinha móveis, não tinha nada, a gente nem conhecia móveis.
Logo que chegaram aqui, a senhora só ficava em casa, ajudava a mãe?
Mas não tinha o que fazer.
E a senhora estudou?
Só um ano. Em Pato Branco e Vitorino não tinha, eu era muito nova, só minha irmã que ia, e o Nino. Eu fui na aula já tava no fim do ano, dei uma bronca lá com a Nilza Longo e a professora começou a xingar e eu peguei e vim embora, depois não voltei mais. Eu era teimosa, não voltei mais na aula. Aprendi só ler. Conta não aprendi.
Só teve uma professora?
Só uma. A Derci Kuntz.
Por que a senhora brigou com ela?
Ela brigou com a outra que tava do meu lado e eu, como era teimosa, peguei e fui pra casa e não voltei e a mãe daí ficou quieta, o pai também não mandou voltar.
Aos domingos ia na missa?
Tinha que ir na missa. Era bom só que era muito comprida, uma hora e pouco, só que eu gostava, eu ajudava também, a mulher do Ruaro (Vergínia) que arrumava.
E aí como a senhora conheceu o seu Dalvino?
Ele trabalhava no Vetorello, era ao lado, tinha loja, União acho que era, como ali o Soranso e o Foletto, encostadinho.
Em pouco tempo casaram?
É. Porque na realidade não tinha rapaz aqui, tinha que eu gostava mesmo era o Pernambuco, mas o pai não deixou porque era polícia (risos).
A senhora queria namorar o Pernambuco?
Namorei escondido um tempo, mas daí o pai descobriu e não deixou. E daí o Osmar Brito veio morar com nós, era motorista de caminhão, e ele queria, só que eu não gostava dele.
E quando chegou o Dalvino a senhora gostou dele?
Ah, daí eu gostei dele, começamos namorar e em pouco tempo casamos.
Como foi o casamento?
Ele falou com o meu pai, daí o pai dele veio, acertamos tudo, era pra vir também a mãe, mas a mãe muito doente não quis vir. Era pra nós casar dia 7 de fevereiro, e não sei porque que não deu, acho que o padre não veio, e daí casamos dia 14 de fevereiro.
Foram morar onde?
Ali onde tem o segundo lote em frente ao Nelson Meurer, o Dalvino mandou fazer uma casinha, sete por oito.
Tinha o poço nos fundos?
Foi feito poço. Tinha que tirar água do poço, de 12 metros. A água era bem boa.
Cada casa tinha um poço?
Cada casa tinha um poço, ficamos tempo assim pegando água do poço. A gente mandou fechar com tijolo, tampo em cima. Eu tirava aqueles latão de 20 litros, que fazia mais ligeiro.
Tinha força então?
É, mas eu tinha o quê? 40 e poucos quilos, eu era magrinha.
Pouco peso e bastante força. Nunca aconteceu de arrebentar a corda e cair o balde?
Nunca, a única coisa que aconteceu uma vez veio um rato junto com o balde, daí tivemos que chamar o homem pra limpar o poço. Todo ano mandava limpar.
Sua primeira filha era uma menina normal?
Normal, só que ela começou a chorar, ela era bem gordinha até. Ela começou a chorar e eu levei no doutor Walter, examinou e disse que ia sair o sarampo, porque não tinha pediatra. Ele disso ó, fique com ela dentro de casa, fiquei uns dois dias. Daí ela começou ter febre, ruim. Levei. Não tire de casa por causa do sarampo. No sétimo dia eu levei porque vi que ela tava ruim. Ele disse ó, não adianta tu teimar trazer porque é um sarampo. Voltei e daí como era tudo aqueles dias que não dormia, ela dormiu e eu dormi também, e de manhã eu acordei e ela tava ruim, ruim que só pra ver. Eu disse Dalvino, vamos ligeiro levar ela. Quando nós chegamos na metade do Hospital Vicente de Paula, ela deu aquela puxada e morreu, na estrada.
E não era sarampo?
Daí o doutor Valter disse assim ó, foi uma morte repentina. Eu disse pra ele repentina com 12 dias de febre? Como repentina? Ele pôs no óbito miocardite, saber lá o que que era, né. Faltava dois dias pra seis meses bem certinho.
Depois veio a Cleonice.
A Cleonice nunca foi pro hospital, só uma vez que deu gripe e ela atacou demais daí tive que levar, foi essa única vez, nunca ficou doente.
Os outros também foram todos sadios?
O Léo só uma vez que deu desarranjo, teve que ir pro hospital, agora esse aqui (Celso) não.
E a Leonir, como foi?
Nasceu normal, quando tinha 40 dias começou febre, febre e continuou. Ela tinha uns dois anos quando começou a caminhar e quase cinco quando começou a falar.
O que o médico atestou?
Não sabia. Uma vez nós fomos pro Rio Grande, mandamos um médico fazer chapa, não apareceu nada e aqui o doutor Alceu disse que era retardamento não justificado, que não apareceu o porquê.
E o Leo nasceu no ano da revolta?
Ele era bem bebê. Nós fomos pra Marmeleiro na casa do meu tio. Ficamos lá até acabar.
Seu Dalvino foi perseguido?
Ó, teve uma época que ele foi perseguido, acho que nem tanto por isso, ele começou a escrever aquelas cartas pro Grupo dos 11. Ninguém tinha máquina (de datilografia), daí eu falei assim: Dalvino, acho que só tu não pode fazer. O dia que eu ganhei o Leo, dali dois dias eu tava em casa – porque eu ganhei no hospital -, tava o seu Cantelmo, a esposa dele, bateu na porta e disse pra ele seu Antoninho, atende pra mim e ele chegou e disse é o papel pra pedir o campo, pra jogar bola. Eu acreditei. Quando foi de noite veio o pai, Celso, Arlindo meu cunhado e o tio Mário, eles falavam, falavam, um dia frio, e eu não podia levantar. No outro dia eu perguntei pra ele, disse não, não é nada. De manhã o pai veio e disse tá acontecendo assim, assim e assim. De tarde ele saiu e não voltava, não voltava, quando ele chegou, disse fui no quartel fazer uma entrevista. Ele não ficou preso porque o doutor Celso, Prolo, seu Cantelmo e o pai foram lá, justificaram, se ele preencheu foi porque tinha máquina e daí ficou por isso.
Nos dias da revolta, aquele povo todo na rua, onde a senhora estava?
No outro dia que o pai levou pra Marmeleiro, no tio Osvaldo Soranso. Ficamos uma semana lá.
Então, a senhora não viu o que aconteceu aqui?
Não, só quando já tava terminando. O primeiro dia o Dalvino tinha medo, e um deles morava na nossa casa, e no outro dia eles fugiram. Era um das companhias que morava ali do lado.
E quando o Cela se elegeu prefeito, o Dalvino foi trabalhar com ele?
Sim.
Como que era, ele tava na empresa do Vetorello?
Era o Vetorello com o Antônio Potrick, era uma sociedade e aí ele foi trabalhando ali.
E da eleição, o que a senhora lembra?
Ah, ali sim eu sei que era bronca e bronca do doutor Walter, queria mandar.
O doutor Rubens, na primeira eleição?
Ah, sim, na primeira eleição o doutor Walter não tava junto.
Na eleição era só o doutor Rubens e o Cela? E o seo Dalvino também era eleitor do Cela?
Sim, ele que foi funcionário e o Dalvino foi candidato a vereador, no primeiro ano, porque tinha pouca gente, mas tinha uma urna e vinha gente que era parente dele, um dentista e ali apareceu um voto. O Dalvino disse mas, escuta, como é que apareceu um voto? – Ah, eu votei pra você (risos).
Depois ele não se candidatou mais?
É, e depois ele não fez mais campanha. Até o vizinho primeiro nem sabia que ele era candidato.
Dalvino era o trabalho, o esporte, o Rotary…

JdeB – E a senhora conhecia bem o Cella e a esposa dele?
Geni – Conhecia, e até ele era padrinho dela aqui (Leonir).
É que ela tinha bastante filhos também.
É, ela também tinha bastantinho, não tinha muito o que fazer, e naquele tempo a gente não tinha máquina de lavar roupa, era tudo na mão, e a poeira que vinha daqueles matão, nossa!
Quando o doutor Rubens assumiu, o seu Dalvino não trabalhou mais na prefeitura?
Mandaram embora e ele voltou pra empresa.
O seu Dalvino era envolvido com o futebol também?
Sim, sempre. Quando eu tava pra ganhar esse aqui (Celso), eu falei pra ele de manhã, eu disse, (o jogo) era em Pato Branco, Dalvino, você não vai jogar! – Não, espera pra ganhar (o bebê), depois que eu volto (risos). Ele não se preocupava com nada.
E conseguiu esperar?
Não, daí ele não foi, porque eu comecei a piorar e piorar, daí ele me levou pro hospital, todos eles nasceram no hospital, desde o primeiro.
E a senhora fazia pré-natal?
Não, naquele tempo não tinha, era quatro meses, se tinha alguma coisa ia.
E quem escolhia os nomes?
Era geralmente eu.
E por que a senhora escolheu os nomes tão parecidos?
Ah, eu gostei dos nomes (risos).
E o seu Dalvino morreu novo, né?
Novo, porque ele não tinha nada, mas, de repente, deu esse AVC, já foi na cama e aí paralisou, ficou um ano e meio ali na cama.
Ele foi uma pessoa que sempre participou do esporte e do Rotary também?
É, do Rotary ele foi fundador.
E a senhora acompanhava ele?
Não, uma que eu tinha os filhos tudo pequeno e outra que ele dizia ah, você vai lá e nem sabe falar direito. Daí eu não ia.
E ele sempre trabalhou como contador?
Sim, sempre de contador.
E o Nino, seu irmão, era parecido com o pai?
Ele era e não era. O pai era um homem muito bom, mas se bebesse ficava muito ruim. O Nino não, ele se bebesse um pouquinho ficava mais alegre.
E o seu pai viveu quantos anos?
Meu pai acho que viveu 60 anos, era novo, tinha câncer de pulmão. Ele foi pra Curitiba se operar e acabou morrendo lá. E a mãe também morreu de câncer, com 77 anos, um pouco mais, também de câncer.
A senhora viu Beltrão nascer e se desenvolver?
É, só que hoje, esses dias a Mari veio aqui e nós demos uma volta e, meu Deus, não dá de conhecer mais, quantos prédios saindo por aí que a gente fica apavorada.
A senhora não imaginava que fosse crescer tanto?
Não. E ali em cima, nós moramos 47 anos em frente ao Nelson Meurer, onde tem o Mano, na Vila Nova, daí o Franzoni quis que nós vendesse, insistiu demais, e aí aqui era do Neco. Ali perto do rio, a gente tinha uma casa, e aí viemos pra cá.
E qual foi o tempo que a senhora mais gostou de Beltrão?
Eu, na realidade, aqui, porque lá eu sabia que quando dava enchente entrava água, na hora a gente não se tocou, né. A primeira enchente que deu veio até na área, não chegou a entrar, mas antes de eu ir ali tinha entrado água até na janela, e eu sabia, mas na hora de eu comprar, esqueci.
Na enchente de 83, moravam Avenida Cantelmo?
É, morava lá, aquela que entrou água, só que nós não morava ainda. E aqui não tem perigo de água.
A senhora sempre foi bastante caseira?
Eu saía todo dia, porque eu fiz muito crochê pra fora, desde 86, até agora eu tô fazendo pouco, as mãos não ajudam, porque quando me deu AVC eu perdi essa aqui, só depois que voltou o movimento.
Outras costuras também?
Quando eu era solteira eu costurava, depois eu parei.
E quem é que fazia as roupas quando a senhora casou?
Era eu, eu que fazia tudo, pras crianças, comprava tecido e fazia, porque não tinha roupa feita, era eu e a Jandira, a minha irmã.
Comprava na loja de quem?
Ah, acho que mais no Vetorelo e até um deles morreu em Cascavel, foi antes do Foleto. No tempo do Foleto o Dalvino cuidava da escrita.
E como é era aquele sistema de fazer a roupa, a senhora comprava uma peça e fazia roupa pra todos igual?
Não, a gente inventava, às vezes eu fazia tudo com recortezinho, ia inventando assim.
Comprava a fazenda, a linha?
Sim, até a máquina eu dei agora pra minha sobrinha, mas a mãe comprou quando eu tinha 17 anos.
Sua mãe também tinha máquina?
Não. Ela fazia na mão, pra nós ela fazia tudo na mão, fazia tudo com enfeitezinho, tudo bonitinho, era bem mais demorado, mas ficava bonito.
E a senhora aprendeu com ela?
Não, na realidade, eu aprendi com a Leocádia do Odósio (Dala Maria), porque ela era costureira e ele era alfaiate. Eu fui aprender com ele, fiquei uns quatro ou cinco meses até que aprendi bem.
Quando morava na avenida Cantelmo, a senhora tinha poço, galinha e porco?
Não, porco não, só galinhas. Eu fechei um pedaço grande, comprava lá na Gralha Azul os pintinhos, e aí eu vendia, tava na frente da casa e vi um piá subindo com duas galinhas correndo, e disse ih, tão roubando e comecei a contar, já tava menos, daí eu parei, não adiantava.
Carne, horta vocês tinham em casa?
Sim. Sempre tinha horta.
Trabalho não faltava?
Nunca, e nunca mandei eles carpir, era sempre eu.
E como era o seu dia a dia, levantava cedo?
Ah, sim, até eles ficavam dormindo e eu ia trabalhar. E aí ia atrás de arrumar as camas, fazer o almoço, porque era no fogão a lenha, era tudo demorado. E foi sofrido, cuidava da horta, das galinhas, dos filhos, da casa.
E ainda sobrava tempo pra visitar as comadres?
É, eu tinha um pátio grande, a Dolera morava do lado, aí de tarde nós sentava ali tomando mate-doce e comendo pipoca e contava as histórias. A gente assistia bastante novela, daí tinha o que contar.
E dos escândalos que aconteciam na cidade?
Ah, não tinha, era tudo calmo, porque era pouca gente, só quando acontecia alguma morte, aquela vez quando mataram o Romeu Lauro Werlang, meu Deus, aquilo foi uma correria, nossa!
E como é que a senhora ficou sabendo?
Escutando os tiros. Era perto, porque foi ali onde é a farmácia, que era a loja. Morreu por uma bobeira.
E no tempo da campanha política, como era?
O mais que escutava era naquele tempo que o doutor Walter, eu não sei se o Kit foi candidato ou se só ele ia falar, mas quando chegava na hora do doutor Kit, eles tiravam a rádio do ar (risos). Um dia antes de começar, ele já disse não tira a rádio do ar. E era tudo o doutor Walter que mandava.
A senhora escutava música no rádio?
Sim, eu escutava. Gostava bastante. Até hoje eu gosto, prefiro mais rádio do que TV.
E no domingo todo mundo ia na missa?
Sim, todo domingo tinha que ir. No tempo que tava aqueles bandidos, às vezes, o pai não deixava, era só atravessar a rua, mas ele tinha medo. Mas eles vinham de madrugada tomar um gasosão, pão e salame e queijo. Um dia foi pegar e eles pediram a sardinha e o pai meio que virou, ele disse, um deles, Soranso, pode tirar tranquilo, porque nós não vamos fazer nada pra você, você é o único homem que nós estamos respeitando.
E vocês voltaram de Marmeleiro e logo depois veio muita polícia aqui, o pessoal fugiu pra Cango e vocês ficaram aí?
Sim. O Júlio Assis disse que atravessou os matos e uns foram se esconder nos amigos aqui por perto. Ah, eu não tinha medo. Mas tinha uma mulher, e eu peguei o Leo na missa e atravessei a praça pra ir lá na mãe, mas, pelo amor de Deus, o quartel tá aí, vai que eles te dão um tiro! Eu disse vá, vá o quartel tá cuidando, não tá aqui pra matar ninguém. E não aconteceu nada.
Daqueles primeiros dias do município a senhora não lembra muita coisa?
Não.
Só lembra que o seu De Nardin foi funcionário do prefeito Cella?
É, só lembro disso, não lembro quanto tempo ele ficou, mas não foi muito.
Ele foi o primeiro tesoureiro da Prefeitura de Beltrão?
É. Mas ele ficou quantos anos, nunca recolheram o INSS dele. Ele foi muito relaxado, pra ele não importava nada.
Depois ele conseguiu a aposentadoria?
Conseguiu, porque depois o Antoninho colocou ele num negócio do Estado, que os dez anos que ele ficou, porque ele tava bem doente. E o Dalvino podia ser podre de rico, ele tinha um lote no Alvorada, vinte alqueires de terra cheio de madeira na Linha São Paulo, tinha três lotes em Salto do Lontra, daí ele resolveu colocar tudo na firma, e ele perdeu tudo, a firma, que era da Suvel, hoje é a Sudoauto, a mãe ficou viúva em Nova Prata, ela veio morar aqui no lote, e eu disse Dalvino, você vai ficar sem nada, e ele perguntou o porquê, porque seguido o Júlio traz e descarrega ali na casa, e um belo dia, do cartório, disse bem assim Dalvino, tira a casa do teu nome. Naquele tempo o INSS tirava, porque eles vão te lograr, daí nós fomos lá e passamos no nome dos filhos. Eu disse pra ele Dalvino, e agora? – O Júlio vai me dar dois mil da minha parte. E aí começaram a vir cobrar as dívidas e não chegava, era muita dívida, ele ficou com uns sete ou oito de escritos da casa, só pra nós comer e só, daí o Nino ajudava, o meu cunhado ajudava, a gente passou anos bem difíceis.
E ele gostava do esporte, se dedicava?
Sim, bastante. Ele e o Osmar Brito quebravam as pernas por causa do futebol. E teve uma época que eles faziam um joguinho ali na praça, mas daí o pai falou pra ele e se tu cair e quebrar o braço? Daí ele parou.
E o braço, como ele perdeu?
Ele morava em Guaporé, o pai e a mãe foram na roça e ele pegou um cavalo e começou a andar, correndo de um lado pro outro, o cavalo pulou a cerca e ele caiu e quebrou o braço, levaram ele pra Porto Alegre, na Santa Casa, e eles engessaram e ficou mal engessado, quando viram o braço tava podre. Isso ele tinha 15 anos. E aí ele foi pra lá estudar, as tias ficavam cuidando dele e tudo. Eu fui lá uma vez, logo depois que eu era casada, e, meu Deus, que miséria, era pobreza mesmo, a casa aqui no chão e era assim, morro e morro, plantava naqueles morro tudo assim.
A vida é sofrida, né, dona Geni, cada um tem o seu tipo de sofrimento.
É verdade. E aí ele tinha três irmãos e duas irmãs, e uma morreu de câncer no joelho, a outra tá ficando biruta e tiveram que internar, um irmão era alfaiate, um era construtor de prédios, o outro não sei o que fazia, e veio um, a gente que pagou a passagem, senão nenhum nunca veio, nem ligaram, nem nada. E veio só quando ele tava doente, senão nunca vieram.
E ele ia seguido?
Sim, todo final de ano ele pegava férias e ia pra lá.
E a senhora ia junto?
Não, eu não ia, porque tinha os filhos pequenos, só fui duas vezes, quando eu não tinha nenhum e quando tinha dois.
Aqui em Beltrão, a senhora também pisou em bastante barro?
Sim, muito. Quando tava pra chover, eu ia comprar o que precisava, pra semana inteira, pra não ter que sair, porque era muito barro, e quando secava era aquele poeirão. Quantas vezes eu tinha que lavar a roupa de novo por causa do poeirão.
E a senhora fazia sabão?
Sim, fazia de sebo. No porão tinha aquele plaino assim, colocava o sabão tudo ali. Um dia a dona Carol veio ali e disse meu Deus, quanto sabão e eu disse que se ela quisesse um pedaço, eu dava pra ela. Ela disse que não. No outro dia não tinha um pedaço, roubaram, tinha as marcas do pé no chão, levaram tudo os sabão.
Quando vocês casaram, tinha energia elétrica?
Não, era só lampião. E aí quando veio, vinha um dia, da avenida pra cá, e no outro dia da avenida pra lá, era só metade e metade.
Se tivesse novela pra assistir, ia pegar só a metade?
É, só a metade (risos).
E hoje a senhora acompanha a novela?
Não, a gente perde o gosto, acompanho mais o rádio, eu gosto bastante, desde aquele tempo.
E a sua saúde tá boa?
É, tá indo. O médico disse que é desgaste na coluna, dói pra caminhar, não tem o que fazer, às vezes eu perco o equilíbrio, daí eu tenho que usar a bengala, ali na minha irmã às vezes eu fico um mês sem ir, mas ela também vem pouco aqui, porque ela teve dois AVC, e o filho não deixa ela sair sozinha.