Um dos principais líderes da Revolta dos Posseiros de 1957, agora cidadão honorário de Pato Branco, teve atitudes corajosas que hoje ele não repetiria

Gaúcho de Rondinha, nascido em 16 de julho de 1932, Jácomo Trento é o penúltimo dos oito filhos de Eurico e Ana Zanchet Trento: Antônio, Vitório, Luiz, Clementina, Guilhermina, Tereza, Jácomo e Arlindo.
A mãe lhe disse que ele teria que ser macho e ele levou a recomendação ao pé da letra, tanto que batia nas meninas e arranhava até a diretora; mas aos 12 anos encerrou seu tempo de estudante, depois de ter sido expulso da escola três vezes. Aí começou a trabalhar de mecânico, profissão que o levou mais tarde para Porto Alegre e de lá foi servir o Exército. Aos 21 anos, mudou para Pato Branco como mecânico, mas logo passou a fazer vendas de aparelhos de rádio pelo interior e foi nessa função que ele abraçou a causa dos posseiros, que eram explorados pelas companhias de terra.
Jácomo Trento, mais conhecido como Porto Alegre, junto com o então radialista Ivo Thomazoni, tornou-se um dos principais líderes da Revolta dos Posseiros de 1957, que começou em Pato Branco dia 9 de outubro e depois se estendeu para Francisco Beltrão (dia 10), Santo Antônio do Sudoeste (dia 12) e Dois Vizinhos (dia 13)*.
Trento defende que não tenha uma data para aquele movimento, e sim uma semana. E mais: que na segunda semana de outubro seja lembrada a Revolta dos Posseiros como a maior conquista histórica do Sudoeste do Paraná, porque toda a região foi envolvida e se mobilizou para expulsar as companhias de terra.
Trento conta que, no seu tempo de moço, era muito namorador. Mas quando chegou em Pato Branco, em 1953, encontrou uma garota de 14 anos que o “amarrou” para o resto da vida, Reni Michelon (filha do alfaiate Carlos e Oliva Chioquetta Michelon, moradores do centro da cidade). Ele casou com Reni dia 28 de setembro de 1955 e, com ela, teve mais três filhas: Ana Ceres, Estela Maris e Lianara. Mais três porque ele já tinha uma no Rio Grande, a Maria de Lourdes. Mas aquela filha, que estava sendo criada pela avó, ainda não tinha certidão de nascimento e acabou sendo registrada como filha de Reni e Jácomo. A adoção como filha natural ocorreu sem problemas. O que causou estranheza, e até pedidos de retificação de informações, foi a diferença de idade: a mãe é apenas dez anos mais velha que a filha?
Maria de Lourdes, Ana Ceres, Estela Maris e Lianara já deram a Jácomo e Reni 7 netos e 4 bisnetos. O bisneto mais velho é o Pedro, de 9 anos. As três meninas bisnetas têm uma particularidade: nasceram num período de apenas sete dias. Leandrinho, filho de Marília e Leandro, nasceu em Cascavel, dia 28 de novembro de 2012; Alice, filha de Mariana e Sérgio Cardoso, nasceu em Curitiba, dia 1º de dezembro de 2012; e Aurora, filha de Mariana e Samuel, nasceu em Pato Branco, dia 3 de dezembro de 2012.
A postura batalhadora de Trento tornou-se marcante em todos os lugares onde esteve. Basta citar que foi entrevistado pela revista Veja (10 de junho de 1992) quando defendia os fazendeiros do Acre, onde ele possui propriedades e continua dividindo seu tempo, entre Senador Guiomard (no Acre, a 24 km da capital Rio Branco) e Pato Branco.
Na próxima quinta-feira, 9 de outubro, Jácomo Trento recebe o tíutulo de cidadão honorário de Pato Branco, seguindo-se um jantar oferecido pelo CTG Carreteando a Saudade, com apresentações artísticas sobre a Revolta dos Posseiros e danças tradicionalistas.
Em seu apartamento, acompanhado da esposa e da jornalista pato-branquense Cirene Vanzela Miotto, Jácomo Trento, sempre falante e cheio de expressões corporais (levanta-se, gesticula), concedeu esta entrevista ao Jornal de Beltrão.
JdeB – Como foi o garoto Jácomo, lá no Rio Grande. Mulherengo?
Jácomo – Minha mãe determinou os trabalhos, com as meninas uma foi estudar pra ser professora, já tava lecionando e tal, e a outra foi trabalhar de balconista na loja de um amigo nosso. Aí veio a minha vez. Às vezes, quando me chamavam de machão, digo mas, olha, sou assim porque a minha mãe me ensinou a ser assim, homem é homem e bicho é bicho. Ela disse você vai pra oficina mecânica, vai aprender mecânica. O mais novo, que é apenas um ano meio mais novo que eu, ficava com a chácara e os boizinhos, ele amava, gostava de fazer aquilo. Eu com 12 anos entrei na oficina mecânica, os motoristas de caminhão me ensinavam besteira e eu era um baita de um namorador.
Como foi o tempo da professora Edite?
Dona Edite, lá era triste. Eu fui expulso três vezes de lá, aí a minha mãe era dona do prédio e acomodava a diretora lá e tal.
Foi expulso por quê?
Porque eu era safado. Um dia eu resolvi quebrar os óculos de uma colega, só que errei o óculos e peguei aqui em cima (na testa), foi uma expulsão.
Batia nas meninas?
Batia nos piás também. Os piás não brigavam mais comigo porque eles me respeitavam, eu era o mais sem vergonha de todos.
Tinha o que, oito, dez anos?
Essa cacetada que eu dei nessa menina acho que eu tinha uns oito.
Com os meninos brigava no soco?
As primeiras brigas que eu fiz com os meninos era no soco, na cacetada, aquelas lutas. Depois eu era tão rápido que eles não me acertavam nunca, eu acertava eles e eles não me acertavam.
Chegou de sangrar alguém nas brigas?
Não, mais adiante deu uma sangrada, na diretora, ainda. Aí o seguinte, a dona Edite, se você for lá, tá velhinha, 90 e tantos anos, tá atrapalhada, mas a primeira coisa quando eu chegava lá, ela dizia aí meus cabelos brancos, Jácomo que me deixou.
Então alunos que incomodam não é só de hoje, naquele tempo também tinha?
Não, o que eu acho mais grave no homem é ser ingrato, não reconhecer o que as pessoas fazem por ele ou então ser omisso. Quando precisa botar o bico eu boto, sempre foi assim, eu briguei por mim quando era criança, depois de criança eu nunca briguei por minha causa e nunca briguei com gente humilde. Eu briguei de prefeito pra cima, sempre. Nessa revolta brigamos com o diabo, contra o governo do Estado, contra os prefeitos todos da região, brigamos contra o presidente da República, contra tudo.
E a história da porquinha guacha?
Nós criava uma porquinha guacha, comigo não era tanto, mas com meu irmão, se tu batesse nele, ela vinha querer morder você. Aí a professora foi dar um tapa no meu irmão e a porquinha chegou e mordeu a perna dela. Lá vai nós expulso os dois.
A porquinha defendia vocês?
Jácomo – Defendia, era braba que nem cachorro brabo, mais o Arlindo, comigo não era tanto, não podia botar a mão nele.
Reni – A escola era junto de sua casa?
Jácomo – Era tudo junto, a casa era nossa, o prédio tinha três andares de madeira, meu pai tinha uma loja muito grande, ele morreu com 40 anos. Era tudo meio ajeitado. Foi o segundo, agora vamos pra terceira, foi com a diretora, que me ameaçou com um cabo de vassoura.
Reni – Por que que a professora ameaçou?
Jácomo – Vai ver eu já tinha batido em mais alguém, sei lá. Ela dizia vou te bater, você gosta de bater nos outros, vou te bater, acho que é mais ou menos isso. Aí fui agarrar pra tirar o cabo dela, as quatro unhas, foi sangue pra todo lado, aí fui expulso definitivo, faltava um mês pra tirar meu diplomazinho de quinto ano. Essa expulsão foi definitiva.
Mas mesmo sendo no prédio da sua casa a escola não foi mais pra aula?
Jácomo – A minha mãe, coitada, era muito honesta e muito certa, aí que ela me mandou trabalhar de mecânico, entende? Tu não quer estudar mesmo, só briga com todo mundo no colégio, vai trabalhar de mecânico.
O senhor falou que era muito mulherengo, mas quando garoto batia nas meninas. Quando parou de bater e começou a namorar?
Ah, com 12 anos de idade eu fui trabalhar de mecânico e aí os motoristas me ensinaram que não era pra bater nas meninas. Um dia passou uma menina, chegou um carro assim e foi encontrando a menina, brincadeira deles, eram conhecidos, ela parou e olhou pra ele e disse pode matar, e aí o motorista respondeu bichinho do teu tipo eu não mato pra comer, como é vivo mesmo. Eles me ensinaram que tem que olhar pra mulher (risos) e aí começou, com 12 anos já aprendi isso daí, fui pedofilado pelas funcionárias do colégio, do hospital e do hotel.
Como assim?
Ah, as empregadas viam que eu era muito sapeca e começaram a querer me namorar, eu fui pedofilado por mulheres, elas que me pedofilaram.
Era um garoto briguento, mas as mulheres gostavam?
Gostavam. Eu sempre era influído com mulher, eu era briguento, mas sei lá.
Mas e aí, você acabou tendo uma filha?
Aí a história fica mais comprida. O meu irmão mais velho acabou falecendo, ele morreu com 30 anos. Tinha uma loja junto com o Luiz Vitório, a 60 quilômetros da minha paróquia, da Rondinha, eu fui ficar uns tempos lá e foi lá que eu me encontrei com essa moça e começamos a namorar. No fim se acabamos na linha de fundo e acabou engravidando essa menina. Eu tinha 17 anos, eu fazia colônia, tinha um caminhão Internacional velho e meu irmão tava dentro pra poder mexer e ele sabia que eu era mecânico, sabia dirigir um pouco, então eu ia recolher porco, trigo, pegar tabuinha, vender na cidade, por aí. Eu tinha uma capa espanhola e ia lá namorar a menina, ia debaixo do parreiral com a capa, um colchão bom (risos) e aí se perdemos na linha de fundo. Quando a gravidez começou a ficar muito longe, me chamaram pro Exército. Fui pro Exército com 18 anos e a menina nasceu uns dias depois que fui pro Exército, daí a moça achou que devia entrar na justiça, aí eu fui chamado pra depor em Rosário do Sul, perto de Uruguaiana. O Exército me pagou passagem de avião pra eu ir e voltar, mas o capitão Trench falou pra mim não, você vai sair dessa, vou te ensinar como deve fazer, você vai e diga pra todo mundo que você vai engajar, de cabo vai pegar 3º sargento, e pra engajar você tem que ficar mais dois ou três anos. Vai lá, dá o teu depoimento e volta aqui que eu vou te ensinar. Cheguei de volta e me disse Cabo 104, manda carta pra todos teus amigos e pra tua família que você vai engajar, que você vai receber a promoção de 3º sargento – nem sabia se ia receber naquele tempo, depois que abriu a vaga. Por quê? Porque ela vai se enjoar e você me disse que ela tinha um namoradinho antes de você, ela vai se agarrar com ele e vai casar com ele e se livra do processo (risos). Eu tive muita escola.
E ela deixou a menina com a mãe?
A menina, assim que nasceu, a mãe dela dizia não vou deixar essa menina se criar com ela, que ela vai levar a menina pro mau caminho, é eu que vou criar. Falava pro Luiz, meu irmão, que tava com a loja lá, vizinhas dele: Luiz, você vai ser testemunha, até que eu tenho força, a Clair Lurdes vai ficar comigo, quando eu perder a força eu vou entregar pro Jácomo e o Jácomo que registre ela do jeito que ele quiser, eduque ela do jeito que ele quiser. Por sinal, ela levou uma sorte danada, se deu bem na vida.
Você não pensava em casar com a mãe da menina?
Com ninguém, tu acha que eu ia casar com a Reni também? Eu queria era farra. Na passagem do ano de 53 pra 54, no Reveillon, eu tava na mesa com Salvador Andreatta. Pai, aquela bicha lá é Rainha da Primavera aqui de Pato Branco, mas ela é do Barbieri e nós não gostamos muito dela, vai lá dançar com ela. Aí fui dançar com ela um bolero, Solamente una vez, que é a nossa paixão até hoje.

“Eu queria fazer uma guerra”
Quantas você namorou antes da Reni, em Pato Branco?
Aqui eu tinha mil paqueras, as mocinhas tinham um negócio de não casar com os caipiras daqui, querer casar com os de fora. Eu cheguei aqui com um terno de linho branco 120, com gravata borboleta, sapato marrom com a tala branca, o cabelo daquele tempo que botava pra trás, era lavanda ou bitrem que grudava o cabelo, não é que nem brilhantina, vaselina. Eu era tido como malandro. Os rapaz que tinham um pouco de interesse na Reni falavam pro Rauli: Rauli, como que você deixa esse cara, esse Porto Alegre, namorar tua irmã, você não vê que ele é veado, olha o jeito que ele se veste. Passei por veado (risos). Cortava a barba todos os dias, caprichava, coisa de juventude mesmo, só que aquele tempo era um sistema bom, que nunca demos prejuízos pra ninguém. Por exemplo, eu nunca bebi, nunca fumei. Nos bailes eu quebrei a cara de muita gente. Começava a briga e não queriam separar, quando os caras queriam bater em mim eu saltava fora, os caras tavam bêbados, mas eu não tava bêbado. Um dia fui apartar uma briga e era um motorista do Kovaleski, de União da Vitória. Fui tacar o soco na cara do motorista, ele tirou fora, e dei na cara do promotor público e o promotor, nosso companheiro (risos), ele disse Porto Alegre, não precisava ter dado um soco tão forte assim, tá me doendo até agora. Era assim.
Não tinha alguém que brigava com tiro?
Não. Eu nunca fui omisso, eu fui até metido demais, mas eu tô satisfeito como eu tô, mas se eu fosse menos metido, eu hoje teria umas dez vezes mais do que eu tenho. Eu cuidei muito mais dos outros, mas que nada. A vontade começou a aparecer depois da revolta, que vendi bastante rádio, aí que montamos a Casa Rádio, então o meu comportamento eu não sei, a Reni sempre fala, acha que vim no mundo pra cumprir uma missão. Também eu tenho uma mania de comprar briga dos outros.
Foi a Reni que fez o Jácomo mudar depois que vocês se conheceram?
Foi o seguinte, eu nunca deixei de ser o Jácomo, acontece que você vai levando e você vai mudando até pela religião, porque tem um tempo que fiquei até meio afastado da religião, me revoltei muito por causa dessas barbaridade, achava que Deus não tomava providência. Eu falei isso pra minha mãe, ela chegou e Jácomo, você não tem nada lá, vai brigar pros outros por quê? Mas Deus existe e é honesto, porque se você lê a história certa, você nota lá que teve a mão de Deus pra um piá de 25 anos fazer o que eu fiz. E Deus me atendeu várias vezes já.
Como foi a história da delegacia, que o delegado abandonou?
Aquilo foi um ato suicida, porque os meninos chegaram dia 8 de outubro, andaram atrás da autoridade, e o juiz e o promotor não tavam aqui. Eu fui na delegacia e aí esses três meninos que estavam aqui, depois de terem recebido uma negativa do delegado, dizendo que o seu Constante não podia provar que quem bateu nessas crianças foram os jagunços. E aí ele falou puxa, o Porto Alegre vai segunda-feira pro mato e volta sábado, não tá aí, mas eu vou lá na rádio, que eu tenho um sócio deles lá, eu vou apresentar pro Ivo Thomazoni, que daí iam fazer uma entrevista com essas crianças. Chegando na casa dele, quem ele encontrou fui eu mesmo. Eu digo olha, vamos seguir lá, daí eu já falei pro Constante Tavares e pro Ivo o motivo, porque eu coordenava os colonos, eles eram os meus confidentes, os coitados, a única tábua da salvação que apareceu lá fui eu. Comprava briga aberta a favor dos colonos, e aí quando ele me entrevistou, eu falei Ivo, é amanhã que nós vamos levantar isso aqui, porque eu vou lá no delegado, se ele não me obedecer, nós vamos levantar esse negócio aqui. Na minha cabeça era dia 8 e no dia 9, de manhã, já era pra nós chamar o povo pra briga. No outro dia de manhã cedo fomos lá e olha onde que Deus começou a me beneficiar, eu entrei na delegacia com dois revólver na cinta, um em cada cano da bota, e deixei o jipe num canto da delegacia, com duas caixas de balas. Eu queria fazer uma guerra, veja a minha cabeça. Mas aí eu entrei esbravejando. Lá no portão o Alberto Gerão disse Porto Alegre, você tá ficando louco, o que é que tá acontecendo? A gente sabia o que tava acontecendo, daí começou a rádio de Beltrão, falava de meia em meia hora sobre a chacina da família Saldanha. E aí eu digo ele falou pra esse homem aqui que ele não prova que os jagunços cortaram essas crianças de soiteira, agora eu quero ver se ele vai falar a mesma coisa pra mim. E ele disse vem cá, Porto Alegre, o delegado não tá aí. Olha só não é ato suicida, entrando na delegacia com um colono e três crianças pra brigar com o delegado, porque tinha lá uns quinze polícia. E aí o Gerão falou que a mãe dele tava passando muito mal, que às quatro horas da manhã ele tirou da cama e foi pro Rio Grande do Sul, porque a mãe dele tava morrendo, e de fato morreu. Eu saí de lá correndo, por mim eu já ia chamar o povo aquela hora, que era umas dez da manhã, mas não, Porto Alegre, vamos trabalhar, vamos estudar esse caso, vamos fazer no horário. Meio-dia e meio, era patrocinado pela Casa Rádio. E aí foi que nós detonamos, começamos a chamar o povo, e aí marcamos uma reunião às cinco horas da tarde no pavilhão da igreja, aí o Ivo começou a falar e começou a encher de gente, quando era uma hora nós tava com a praça cheia de gente, 500, 600 colonos.
O senhor falou que teria sido diferente a história aqui se o delegado não tivesse viajado por causa da morte da mãe dele?
Ah, não, eu não tava nem conversando contigo agora, porque eu já tinha morrido. Do jeito que eu entrei na delegacia, com dois revólver na cinta, dois na bota, tinha quinze, dezesseis militares e só eu lá, um deles era terrivelmente contra nós, quando ele passava por mim, eu chamava ele de bandido, ele devia ter uma raiva tremenda de mim, mas não mandava me prender, não. A nossa segunda filha é a mais braba de todas, diz que era porque ela mamava leite envenenado, ela nasceu em 57, ela é muito braba.
Com o conhecimento que o senhor tem hoje sobre a revolta, se o senhor voltasse aos 25 anos, o senhor faria tudo de novo?
Vou deixar os 25 anos e vou falar pela revolta. Se quiser fazer levantar o povo para derrubar essa bandalheira de vagabundo que tá roubando o país desse jeito, eu sou companheiro, posso ir na frente, eu entro como bucha de canhão, porque o que tá acontecendo no país hoje é falta de dignidade nossa, de se levantar e derrubar esse povo no pau. O Getúlio Vargas foi empossado numa revolução de 30, nós podia fazer uma agora e derrubar essa tropa. E eu vou dizer uma coisa pra ti, tenho saudade dos militares. Eu acho que os militares só fizeram uma coisa errada: esqueceram desse povo que tá mandando. Há quarenta anos atrás, se tivesse jogado na vala comum todos os caboclos que tá administrando o país hoje, era um outro país. Eu teria coragem de entrar numa briga dessa porque é uma covardia esse povo fazer o que faz. Nos anos 50 nós vivemos aqui no Sudoeste mais ou menos a situação que o Brasil tá vivendo hoje, na arbitrariedade, na corrupção, uma coisa fora do comum. Aí o que fizemos em outubro de 57? Juntamos meia dúzia de Porto Alegre, meia dúzia de Thomazoni, meia dúzia de Carbonero, meia dúzia daqui, meia dúzia dali, numa semana resolvemos o problema que se espichava por mais de 20 anos. E esses vagabundos aí que têm todo o poder do governo e têm a Polícia Federal, o Exército, têm a Aeronáutica, têm a Marinha, por que não resolvem o problema?
E aqui você acha que confiaram no Porto Alegre dia 9 de outubro no grupo?
Confiaram em partes. Aí o coronel me pediu pra arrumar os caminhão, ah, não vou arrumar, cada grito que eu dou vem um caminhão de colono aí, tá bom. Então encostei os dois caminhões em frente à Casa Rádio, da Rádio Colmeia, e vamos embora, povo, mas também só tinha aqueles dois caminhões, ficou tudo muito quieto. O Ribeiro, que morava em Verê, fazia dois dias que ele tava aqui. O Elias também tava pronto, porque ele ia ser motorista do outro caminhão, e o Dorvalino Cantu eu nem sabia, ele tava bêbado, subiu em cima do caminhão de trás e deitou, dormiu. E aí quando tava saindo, o Carbonero chegou e abriu a porta do caminhão e disse Porto Alegre, tu não vai morrer sozinho, tem que ser companheiro pra falar uma coisa dessa, vamos morrer juntos, vamos lá. Então, na realidade, eu posso dizer que foram macho nessa briga o Carbonero e o Nego Elias, o Ribeiro, porque ele morava no Verê, tinha que ir pra casa ver a família, só que ele gostou demais da briga que ele me acompanhou tempos né.
Se vocês não tivessem feito o que fizeram, não teria acontecido a revolta?
No meu pensamento, aqui só tinha uma cidade se eles tivessem ganhado essa briga, que seria a cidade da Citla e tudo isso aqui era reflorestamento de pinheiro. Eles iam montar a maior celulose da América Latina, de um grupo alemão que vinha instalar, até então a intenção do (Mário) Fontana era boa, só que ele não pensou nessa barbaridade de gente que tinha aí. Como era um grupo alemão, tinha dinheiro suficiente pra vir aqui e comprar todas essas posses, tava tudo à venda. Eles erraram, felizmente que eles erraram, senão isso aqui só tinha uma cidade. Porque hoje eu penso, naquele tempo não tinha nem capacidade de pensar, mas hoje eu penso que eles fizeram errado, porque eles poderiam vir aqui com um pouco dinheiro e comprar as posses e pronto.