20.9 C
Francisco Beltrão
sábado, 07 de junho de 2025

Edição 8.221

07/06/2025

Entrevista: Nilda e seu Angelin

90 anos de idade, 65 de casados

Dona Nilda (Renilda Fabiane dos Santos) e seu Angelin (Ângelo Domingos dos Santos) ganharam uma grande festa da família, dia 22 de setembro, para comemorar 65 anos de casados. Ele completou 90 anos dia 31 de agosto e ela, também 90 anos, dia 23 de setembro. Seus cinco filhos – Dilce, Terezinha, Marilene, Vilmor e Valmir – já lhes deram oito netos e dois bisnetos.

Ela é gaúcha de Passo Fundo, ele de Guaporé. Desde 1957, mudaram para Ampere, no Paraná, onde residem até hoje. Em sua casa, no mesmo sítio que adquiriram há 56 anos, próximo à cidade, seu Angelin e dona Nilda concederam uma entrevista para o Jornal de Beltrão, acompanhados da filha Terezinha, que também ajudou a fazer perguntas e completar algumas informações.

- Publicidade -

Não parece que tenham esta idade. Falam de tudo e com muitos detalhes. E é interessante o lado cultural da família. Dona Nilda nunca foi à escola, mas aprendeu a ler com seu pai. E Ângelo é de uma família de cantores. Nem toda a entrevista coube nessas duas páginas.

 

JdeB – Quem é que decidiu vir para o Paraná?

Renilda – Foi ele que decidiu, porque nós morava em Santa Catarina, mas lá tinha serviço só três vezes por ano, de fazer erva-mate, porque trabalhavam no mesmo lugar. O resto do tempo a gente trabalhava pra cá e pra lá, mas ele também queria ter o cantinho dele, né, morar na terra nossa. A gente tinha alugado, era de uma firma, que tinha um pinhal, tinha mato.

 

Quem é que convidou vocês pra vir pra cá? 

Renilda – Ninguém, eu acho, porque nós que resolvemos de vir.

Ângelo – É, porque enquanto nós tava em Santa Catarina, veio um irmão meu morar aqui pra cima, daí eu pensei em ir lá, pra ver se tem um lugar bom. Eu vim ver, voltei, pegamos a mudança e viemos pra Beltrão.

Renilda – A gente arrumou um lugar, comprou um terreno, só que enquanto ele veio buscar a mudança, ele vendeu pra outro. Era a Cango, naquela época.

Quantos alqueires o senhor pegou aqui? 

Ângelo – Dez alqueires, mas eu tinha ganhado 40 lá (em Beltrão) onde que tinha ganhado primeiro, porque era 22 alqueires cada um.

Renilda – Porque tinha que vir comprar e pegar uma ordem do guarda, pra daí pegar a mudança, enquanto que ele veio aqui, comprou o lugar.

Ângelo – É o Gregório.

Renilda – E daí o guarda tirou de nós e vendeu pra outro, vendeu por dez conto, naquele tempo.

 

Daí vendeu pra vocês? 

Renilda – Sim, depois vendeu pra outro homem.

Terezinha – O pai tinha pago naquela grande área dez contos, e depois esse guarda que era responsável por essa região já tinha vendido pra outros por mais que o dobro, e o pai ficou sem nada.

Renilda – Depois então, quando ele veio aqui pra baixo, meio que desesperado, tinha um conhecido nosso que morava aqui e tinha 40 alqueires, aí ele disse me dá dez contos de réis, que eu te dou dez alqueires aqui. Daí, imagina né, claro que aceitou.

Ângelo – Mas é bom que eu terminei, quase, o dinheiro, porque eu tinha só um trocado e daí pagar tudo que tinha, eu tinha balança que eu vendi pra ele, com os arreios e quatro dúzias de tábuas que eu levei junto com a mudança. E aí eu fiquei sem dinheiro.

 

Como foi o primeiro ano sem dinheiro? 

Ângelo – Ah, eu tinha que trabalhar fora, porque daí começou a entrar gente ali. Pra ganhar dinheiro na cidade, eu ia fazer até poço, forro, horta, madeira, por tudo, fiz um chiqueiro pra botar porco, ia trabalhar fora, ia trabalhar na roça aqui, plantava um pouco.

Renilda – E mesmo com as meninas, ainda colhemos 18 sacas de trigo, feijão.

Ângelo – Plantou uma cestinha de batatinhas, colhemos uma quantia e depois não tinha mais lugar pra pôr, não tinha. E aí tinha o véio lá na costa do Capanema, demos pra ele, mas ele vinha com o burro e levava ainda 18 sacas de batatinhas. E não tinha nem pra quem vender aqui também, não tinha gente, não tinha nem mercado pra deixar.

Terezinha – De noite a mãe costurava, né.

Renilda – É, porque as pessoas que entraram lá com nós, entravam com os cargueiros, a pé com as malas, e nós entramos com caminhão, já tinha a máquina de costura, porque eu trabalhava de costureira lá no Rio Grande do Sul. Eu cuidava da casa e das meninas, ia na roça com as meninas e de noite eu costurava. E quando nós entramos aqui, nós tinha duas vacas de leite, deram em troca.

 

Venderam as vacas também em troca da terra? 

Terezinha – É, porque quando deu o pai jogou fora e comprou outra (risos).

 

E o trigo, que o senhor falou que colheu 18 sacos, vendeu uma parte? 

Ângelo – Não.

Renilda – É, mas depois a gente teve que vender quase tudo, porque não tinha mais lugar pra colocar. Tinha só aqueles que colocava ali na cozinha, porque não tinha mais espaço.

 

A senhora gostou daqui? 

Renilda – Sim, eu gostava bastante, porque lá no Rio Grande nós sofria com a água, meu Deus, como sofria! E aqui tinha bastante, e depois eu lembrava também que aqui o terreno era nosso e animava mais ainda.

 

E a sua família era sempre sadia? 

Renilda – Ah, graças a Deus, sim.

Terezinha – Ah, mas eu fiquei doente alguns anos, lá no Rio Grande.

Renilda – No Rio Grande sim, mas depois que nós tava aqui, não.

Terezinha – Tanto que a mãe ganhou uma máquina pra fazer a polenta, como é a história mesmo?

Ângelo – Ah, mas daquela vez deu tosse comprida, você tinha três meses, as crianças morriam naquela época disso, e um dia nós inventamos de comprar a máquina de fazer polenta, então nós mexia a polenta com uma mão e com a outra segurava a nenê no colo, porque senão dava aquela tosse e ela se afogava.

 

E como era essa máquina? 

Ângelo – Eu fiz ela de madeira, me deu a intenção e eu fiz tipo um cabo comprido, até tem o buraco lá que nós colocamos pra cima no forro, e dentro das panelas tinha cinco pás, e com a mão, assim, rodeia, porque tem um canhoto que pega com uma mão e mexe o canhoto. E daí fica uma polenta sovada mesmo, daquelas que não fica purinha, nem nada, porque ela é bem gostosa.

 

E o pessoal gosta até hoje? 

Ângelo – Ah, sim, mas nós até hoje, se não é polenta daquela lá, mexidinha, ninguém come outra.

 

E a senhora não tinha alguém pra cuidar da Terezinha?

Renilda – Não, não tinha. Com uma mão segurava ela, e com a outra mexia a polenta.

Terezinha – É, e tinha que cuidar, porque naquela época, com essa tosse comprida, as crianças se afogavam e morriam, né.

Renilda – Sim, e me ensinaram ainda de sair com ela de madrugada, levantada, diz que aliviava aquela tosse e deu gripe, daí sim que tossia ainda mais, que era perigoso. Mas daí começamos a dar um calmante, que deu certo. E fiz promessa, porque naquele tempo, tinha tempo de rezar também. E deu de aliviar aquela tosse, mas não era fácil, porque não era só ela, eu tinha três e os três tinham a tosse.

 

E a capela de vocês era Santa Terezinha, em Ampere. Iam todo domingo?

Ângelo – Sim, no domingo nós sempre ia na igreja, rezava um terço, né.

Renilda – Ah, mas daí ela ia crescendo e quem sabe tenha a memória mais firme, porque a gente sofria, trabalhando. 

Terezinha – Como era a igreja daqui, mãe, todo mundo ia na missa no domingo?

Renilda – Não, porque naquele tempo não tinha missa aqui, iam na igreja nos domingos pra rezar o terço.

 

E quem é que rezava o terço?

Ângelo – Ah, tinha muita gente, eu também rezava o terço, um pouco cada um.

Renilda – Mas mais que rezava era o Francio, o Antônio Francio, a família dele toda vinha também.

 

Rezavam e cantavam?

Ângelo – Sim, a ladainha nós cantava.

 

Uma estrofe as mulheres e outra estrofe os homens?

Ângelo – É, bem isso.

 

Tinha várias melodias também?

Ângelo – Sim, conforme o dia escolhia uma.

Renilda – É, porque nós tinha comprado um livro do catecismo, tinha umas músicas assim. Eu ensinava o catecismo pras minhas vizinhas, enquanto eu tinha o livro do catecismo, ensinava pros filhos delas também, porque quem tinha naquele tempo também, que agora já é falecida, a Rosane, a Jurema, a Iracema, mas eu tinha juntado mais de 20 alunas aqui que eu ensinava o catecismo.

 

E quando a senhora era moça, a senhora gostava de cantar também?

Renilda – Sim, sempre cantei e canto ainda.

 

E na sua família também cantavam?

Renilda – Na minha família nem tanto, não cantavam muito, mais que cantavam era a família dele, eles sim cantavam na missa, cantavam na igreja.

Terezinha – Conta do nono, mãe, conta o que ele fazia.

Renilda – Ah, o nono era músico, ele era mestre de música, instrumento de som e tudo.

Terezinha – É, o nono sim que sabia ler, porque ele é quem ensinou a mãe a ler.

Renilda – É, quem me ensinou a ler foi o meu pai, porque ele nunca tinha ido na aula, mas ele comprava os livros e diz que o pai dele ensinou ele, daí o pai era músico e ele mesmo que fazia, ele escrevia. E também pra ler, naquele tempo, o pai disse que ensinava ele em italiano também, porque diz que tinha um livro em italiano, e ele que ensinava pra nós na hora de meio-dia ou de noite, e daí nós lia tanto em italiano quanto em português.

Ângelo – Ela lia em italiano melhor ainda do que o português.

Terezinha – E a mãe também não foi pra sala de aula.

Renilda – Não, nunca nem fui ver como é que os outros estudavam.

Ângelo – Conta aquele causo do catecismo do nono.

Renilda – Ah, sim, porque o nosso catequista também foi o meu pai, e ele era meio distraído, na hora de meio-dia o pai chamava nós na sombra e ensinava pra todos os irmãos. E eu tinha irmão que ficava brincando com uma varinha, que não prestava atenção, e daí o pai perguntou de que coza Dio gá fato em mondo? (Do que Deus fez o mundo?). Dela mula, respondeu o menino (da mula). Dela mula? Ele queria dizer dela nula (do nada).

 

E  que músicas o seu pai compunha?

Ângelo – Ah, todas as músicas.

 

Mas era música de igreja?

Ângelo – De igreja, de tudo.

Renilda – Até de acompanhar o enterro, sabe, que era o livro do oficio dos mortos. Só que eles eram em bastante na casa do meu pai, eram em 18 componentes, e eram só instrumentos de sopro, e o pai mesmo que fazia as notas, que escrevia as letras…

 

Então, vocês tinham um compositor na família?

Ângelo – Sim, 35, 36 anos que tocou instrumento de sopro. Tinha 18 componentes na orquestra dele, e ele tocava todos, só que o dele preferencial mesmo era o clarinete.

 

E o senhor, como é que começou a cantar?

Ângelo – Eu era piá, e com a mãe e com o pai, dentro de casa, nós começamos a cantar, eu tinha uns seis ou sete anos, e lá começamos. A mãe fazia polenta e nós cantava em roda do fogão. Na igreja eu comecei com doze anos, eu, o Albino e a Maria, nós cantava.

 

Cantavam o que, lembra?

Ângelo – Ai che vogl’io, dolce Maria? Speranza mia, te voglio amar.

Renilda – Eles tinham um fogaréu, então, de noite, a mãe dele fazia janta e eles tudo em roda, ela cantava, ensinava eles a reza, ensinava a cantar.

 

Que bonito. Hoje o pessoal fica ao redor da novela e não pode falar nada, mas naquele tempo cantavam, rezavam, se educavam, né?

Renilda – É. E naquele tempo, não tinha nem rádio, fora, no interior.

Ângelo – É, eu sempre me lembro da primeira vez que nós cantamos, nós, irmãos, aquele falecido, eu e o Adílio aqui e a Maria, cantamos Bella Mia Esperanza.

Terezinha – E depois formaram um conjunto, né.

Ângelo – Sim.

Terezinha – Só tocavam, não cantavam. Mas tinha outros que tocavam junto ou não?

Ângelo – Nenhum, só cantavam.

 

E a música ajudou a senhora a se apaixonar por ele ou a música não teve nada com isso?

Renilda – Não, não tinha nada a ver, não. Porque depois ele deixou o pai dele em Guaporé, veio trabalhar com um tio dele lá onde nós morava, e nós se conhecemos lá. Eu conheci os pais dele, a família dele uns meses antes de casar, porque ele morava lá com um tio dele e os pais dele moravam longe.

 

O que fazer com tantos pinheiros?

 
Seu Angelin e dona Nilda com a máquida de fazer polenta. “Se não é polenta daquela lá, mexidinha, ninguém come outra.”

JdeB – Vocês namoraram muito tempo?

Renilda – Dez meses, porque se conhecemos em novembro e aí casamos em setembro do ano seguinte.

 

Ele já tinha uma casa pra morar?

Renilda – Ele tinha comprado um terreno do tio dele, que ele trabalhava de arrastador, o tio dele descontava um tanto por mês praquele terreno. Mas depois veio o pai dele morar lá, daí ele deu aquele terreno pro pai dele, porque diz que depois o pai dele dava outro terreno, mas até hoje nada (risos).

Terezinha – E moraram juntos com o nono por quanto tempo?

Renilda – Era pra ficar junto quatro meses e ficamos três anos. E depois fomos trabalhando, eram em 14 na casa, só homem, quase, daí a gente não aguenta mais, quer fazer a vida da gente. E daí que veio aquela oportunidade de trabalhar com a erva-mate em Santa Catarina, depois veio aquela oportunidade que aquele irmão dele vinha morar pro Paraná, porque já tinha terminado a safra da erva, e foi onde ele veio pra cá. Ele acertou de comprar aquele terreno, daí ficamos parado em Beltrão três semanas.

Ângelo – É, vinte e três dias, eu me recordo bem.

Terezinha – Por que parados?

Ângelo – Porque a Cango não deixou entrar sem ter uma ordem do guarda.

Renilda – Tinha que vir aqui requerer um terreno, pegar um recibo do guarda pra poder entrar com a mudança.

 

Quando o senhor comprou aqui em Ampere era só o direito. Depois foi titulada pelo Getsop. O senhor é o único dono?

Ângelo – Sim, era direito. Único dono.

Renilda – Não. Já dividimos tudo pros filhos. Eu sempre dizia pra ele reparte pros filhos em vida. Depois a gente morre e eles gastam a metade com advogado, em juiz e coisa. A primeira vez não tava de acordo, depois entramos em acordo.

 

Aqui o senhor derrubou uma parte de mato?

Ângelo – Não, não tinha. Olha, não tinha um alqueire derrubado aqui em roda das casas. O resto era tudo mato.

 

Como era esse mato daqui, tinha pinheiro também?

Ângelo – Tinha. Aqui tinha pinhal. Era até uma altura aqui pra cima, depois pra frente não tinha mais pinhal. Pinheiros eu derrubei, dei pros outros. Quem não tinha pinheiro a gente dava um pra eles fazer tabuinha, pra fazer tábua, pra se fazer o rancho. Não cobrava nada. Aqui no meio, onde tem o trigo aí pra cima, eu sei que eu dei pros barriga-verde, aqui o Costa, o Capanema, assim era uma turma.

 

Ajudava a limpar sua terra?

Ângelo – É (risos).

Renilda – Sim, porque derrubava o mato e podia fazer roça.

Ângelo – Naquela época não queria que derrubassem o pinheiro, porque o pinheiro achavam que tinha valor, a companhia da terra, que era daqui. Pra cá não tinha, eles pediam pra ajudar, pra dar os pinheiros pra quem precisava. Lá na costa Capanema não tinha ninguém que tinha pinhal. Eu dei pra uns quantos.

 

O senhor derrubou também pra fazer madeira?

Ângelo – Essas casas que tenho aqui é tudo feito com aquela madeira que tiramos daqui.

O senhor preserva uma casa de madeira lascada e o senhor diz que madeira lascada dura mais. Por quê?

Ângelo – Porque ela não é cortada a veia, ela é aberta certa na veia. E serrada eles cortam a veia e penetra água. Apodrece antes.

Terezinha – Vocês mesmo que fizeram a madeira? Vocês que foram lascando?

Ângelo – Uma parte sim.

 

E fora o pinheiro, o que mais que tinha aqui?

Ângelo – Ah, tinha bastante. Tinha cedro bonito, gabrieúva, grápia, tinha bastante angico, marfim. Tinha bastante madeira de lei.

 

Essas outras madeiras o senhor não aproveitou, só pra lenha?

Ângelo – De uma altura pra frente eu aproveitei um pouco, mas era muito pouco.

 

Quando veio a mecanização, o senhor destocou?

Ângelo – Sim, e daí o que dava pra fazer madeira foi tirado e o resto foi botado fogo.

 

No começo, o senhor fazia derrubada, queimava e plantava?

Ângelo – Sim. E lavrava tudo com boi.

Renilda – No começo eu também tinha que ajudar a lavrar com os bois, mas aí eu não tinha força, me escapava o arado em volta, mas senão ajudei até a derrubar o mato, porque o primeiro mato, de manhã tinha uma barrigada (“barriga” é o primeiro corte que se faz na árvore, com o machado, do lado que ela vai cair) que eles faziam. E de tarde ia com o serrote, pra ajudar a derrubar as árvores.

 

Ah, a senhora ajudava a puxar o serrote?

Renilda – Sim.

Terezinha – Ah, mas a mãe gostava, porque a mãe trabalhava o dia inteiro na roça, né.

Ângelo – Sim, sim. Ah, ela trabalhou bastante.

 

E era bonito ver o tombo das árvores?

Ângelo – É, se derrubava uma meio grande, daí dava um grito (risos).

 

Subia nos pinheiros?

Ângelo – Sim, pinheiro grosso eu derrubava aqui, mas aqueles pinheiros de 90 metros, que eu subia e daí cortava.

 

JdeB – Ainda hoje o senhor sobe em árvores?

Ângelo – É, alguma a gente sobe ainda, mas só que deixava os filhos descontentes, então não vou mais (risos). E tinha muito pinhão aqui, nossa!

 

Comeram muito pinhão?

Ângelo – É, mas não era tanto, tanto assim.

Renilda – Sabe que não dava muito pinhão aqui? Lá em Santa Catarina que dava bastante.

Ângelo – É, lá em Santa Catarina que dava mais, e lá no Rio Grande dava mais ainda.

 

E caça, caçaram muito bicho?

Ângelo – No começo tinha caça de pena, aqui, mais, só que de mato, de bicho era pouco, tinha mais lá na costa do Capanema.

 

Caça de pena era o quê?

Ângelo – Ah, era nambu e macuco, tucano tinha bastante também, papagaio, o baitaca tinha também.

 

E cobra?

Ângelo – É, tinha bastante.

 

Alguma mordeu vocês?

Ângelo – Não, graças a Deus.

Terezinha – A gente tava andando, às vezes, e tinha que parar, porque elas tentavam se atravessar.

Renilda – Nossa, como tinha bastante cobra aqui.

Terezinha – O medo também que a gente passou foi quando era a época dos jagunços, né, mãe.

Renilda – É, no ano seguinte que nós chegamos foi o tempo dos jagunços, que entrou aquela Citla. Nós sofremos porque eles vinham invadir as terras e os homens iam todos se reunir em turma pra combater com eles, e eu ficava em casa com as crianças, mas aquele ranchinho lá (de madeira lascada), que se eles queriam alguma coisa, jogava a porta em cima da cama… mas não tinha muito medo não, porque parece que aqui nunca aconteceu coisa feia.

Terezinha – A mãe dizia que tinha medo porque, às vezes, parecia que atrás das árvores ia aparecer alguém.

Renilda – Sim, morria de medo disso.

Terezinha – É, de quando tava sozinha com as crianças, a mãe fala que tinha medo porque a impressão que a mãe tinha, assim, que de uma hora para a outra poderiam chegar e invadir, derrubar a porta. Ou, então, quando a mãe saía e tinha medo que atrás das árvores pudesse ter alguém esperando pra atacar. Essas coisas que a mãe tinha medo.

 

E chegou a vir alguém na sua casa?

Renilda – Não, acho que não.

 

E o senhor?

Ângelo – Ah, eu tinha que ir junto com os companheiros, eu tinha uma espingarda calibre 32, mas tinha dois cartuchos só, e fui com aquele cartucho e a espingarda nas costas, dava dois tiros, mas e depois? (Risos).

Renilda – Ah, mas ele facilitou, a gente mais tinha medo por isso. Porque às vezes ele ia de manhã comprar alguma coisa e voltava só de noite. Ou uma vez ia de noite e se entretia lá jogar com os amigos, e voltava só no outro dia. Por isso que eu tinha medo.

Ângelo – Eu passava a noite jogando quatrilho. Passei alguma noite, mas era só um passatempo. Às vezes, jogava a um real, ou 50 centavos, era pouquinho. É que, na época, dava uns 200 réis.

 

E tinha mais gente que gostava de jogar?

Ângelo – Tinha uma turma ali que nossa.

Renilda – Sim, porque quando nós entramos, já tinha bastante gente de origem italiana, tava entrando mudanças direto.

Ângelo – Tinha até oito, dez por dia. Às vezes, passava um dia ou dois que não vinha nenhuma. 

Renilda – A religião era longe aquele tempo. Até, eu não sei se você lembra, mas nós entramos, eu acho que na Semana Santa, que veio aquele irmão dele e disse vamos ver se tem alguma coisa, daí eu disse vai você, vê se tem, na volta você avisa. O que é que fizeram aquela vez, até eu acho que era um crucifixo, levaram lá até onde tem o cemitério enterrado. Pra mim enterraram o senhor (risos), tava enterrado o crucifixo no chão (risos). No outro dia, às dez horas, que era Sábado de Aleluia, fomos buscar e, como não tinha fogo, porque uma pessoa podia tá sem chinelo, mas sem uma espingarda não tava. Daí diz que vinham pra cá com o crucifixo, dizendo que tinha ressuscitado Jesus, e dando tiro de revólver, de espingarda e gritando. A religião dava medo, viu, porque não tinha religião aqui, mas daí começou a entrar italiano, gente de origem, até que, de repente, começou a melhorar.

 

No começo não tinha religião?

Renilda – Não, porque mais era a caboclada que vinha de fora.

 

E eles não tinham capela?

Renilda – Não. Aqui tinham feito uma casinha, acho que daquele dentista, daí começaram a rezar o terço lá dentro. E quando nós viemos, eu acho que tinham levado aquela casinha lá em cima aonde tem a igreja agora.

 

Quando vocês chegaram, a vila era pequeninha?

Ângelo – Sim, porque tinha só o Barruinho, o Augusto Nhoato, o Santolin.

Renilda – O Santolin tinha a bodeguinha.

Ângelo – É, de cinco por cinco, dormia dentro, fazia comida e ainda tinha a bodega. Então, calcule que tipo de bodega, o que é que tinha pra vender (risos). Ele vendia as coisas por uma janela, nem entrava na bodega, o freguês.

Terezinha – O Augustinho lá embaixo, e quem mais que morava por ali?

Ângelo – Tinha os Fagundes, que moravam ali aonde mora o Detoni.

Renilda – E lá onde que mora os Bialeski.

Ângelo – Ah, sim, ali atrás do banco Itaú tinha o João Bialeski, o Vicente tinha começado a moer lá embaixo, atrás do rio, que tinha um moinho, foi lá que nós começamos a pegar a farinha, senão tinha que ir até Beltrão buscar farinha.

Renilda – É, mas o primeiro ano que nós chegamos aqui, nós comprava… o que é que era aquilo lá que nós comprava, aquelas casquinhas secas?

Ângelo – Casca de grão de milho e farinha que socava e deixava secando no sol, e saía uma casquinha pra comer com leite.

 

Casca de milho que saía do moinho?

Renilda – É, deixava de molho os grãos de milho, e diz que todo dia trocavam a água, até que aquele milho ficava mole e então batia o que, que daí fazia aquelas casquinhas?

Ângelo – No monjolo, eu acho que batiam.

Renilda – Eu sei que nós compramos uma vez, quando eu tinha os filhos pequenos, daí um me disse mãe, eu não gosto dessa farinha de cachorro (risos).

 

Era aquela casca do milho com leite?

Ângelo – É, porque nós sempre tivemos vacas de leite.

Terezinha – Mas, mãe, daí do que é que fazia o café?

Renilda – Nós plantava cevada pra fazer o café, e depois torrava e socava com o pilão. Com uma cevada própria pra fazer café.

Ângelo – Era muito gostoso.

 

Criava porcos?

Ângelo – Sim.

Renilda – É, pra comer não passamos dificuldade, a gente passava mais dificuldade de pão. Porque quando a gente tem bastante galinha, tem leite, tem porco à vontade, a gente não sofre com a comida. Galinhas trouxemos bastante quando entramos. E sempre assim, em terreno novo cria melhor, então nós sempre tinha bastante porco, galinha, leite, queijo, arroz também, porque nós tinha trazido bastante arroz de lá.

Terezinha – Eu nunca esqueço a história do caminhão, que quando entrava enroscou uma saca de sementes de trigo, estourou tudo, o pai e a mãe ficaram desesperados porque era a semente pra começar a vida aqui. Mas vocês plantavam de tudo também.

Ângelo – Amendoim também plantava, pipoca, cebola, batatinha, alho.

Terezinha – E daí eu ia vender na cidade.

Renilda – É, a Tere era a vendedora, ela que ia vender, mas também a nossa terra era muito boa, porque a gente sempre tinha de tudo de sobra, desde cebola, alho, ervilha, fava, tudo.

Ângelo – Tomate que nós colhia também.

Renilda – É, tomate que nós plantava ao redor das árvores, daí ia na roça com uma cesta de vime, voltava pra casa com a cesta cheia de tomates.

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Destaques