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Francisco Beltrão
terça-feira, 03 de junho de 2025

Edição 8.217

03/06/2025

Entrevista: O que os filhos lembram do dr. Walter Pécoits

Casado com Manoela Sarmento Silva (1920-2009), Walter Alberto Pécoits (1917-2004) teve três filhos. Roberto Flávio Pécoits (empresário) e Walter Alberto Pécoits Filho (médico) residem em Francisco Beltrão; Rosa Maria Pécoits Sade reside em Curitiba.
O que eles mais lembram do pai, médico que deu seu nome ao Hospital Regional do Sudoeste, inaugurado ontem em Francisco Beltrão? Lembram muito. E se emocionam ao contar o que lembram. Os três, em algum momento de seus relatos, enxugaram lágrimas. Mas também sorriram, de satisfação, ao recordar o pai que tiveram, um homem íntegro, trabalhador incansável, ligado a mil atividades, mas mantendo sempre o ser humano em primeiro lugar. Os três filhos também se dizem muito honrados pela homenagem ao Dr. Walter no Hospital Regional.
 
Roberto – A coisa mais antiga que eu lembro do meu pai é ele na rua de pó, exatamente ali onde hoje é o edifício Maria Adriana, onde existiu o hotel do Petla. O hospital era um verde escuro e eu vi o pai saindo, vestido de branco naquele pó vermelho, era até engraçado, dava um destaque muito grande. Ele de branco no casarão verde com uma área que dava pra avenida, aquela rua era um pó vermelho, ficava dez dias sem chover era um pó sensacional, e o pai de branco, ele usava um jaleco, tipo um avental que amarrava atrás que nem cirurgião hoje. Eu lembro também ele subindo na saída do picadão, hoje Rua Abdul Pholman, e aonde é a Gralha Azul hoje nós tínhamos um sítio da família, longe, longe, e um dia eu fui passar a tarde no sítio, me lembro de ver, lá de baixo, o pai passando a cavalo, no seu cavalo branco chamado Porto Alegre, ia atender paciente lá no Santa Rosa. Depois veio o jipe e aprendi a andar de jipe, depois melhorou um pouco e era Rural Williams, eu sempre vejo a imagem dele, ele guiando; às vezes ele me deixava guiar um pouquinho porque minha paixão era guiar um pouco a Rural, isso deve ter sido lá por 1970, por aí.
E a outra lembrança grande que eu tenho dele é política, nós estudávamos os três e ele ganhou a eleição pra prefeito e a posse foi dia 14 de dezembro (de 1960). Nós terminamos a aula urgente e fomos de táxi aéreo pra ver a posse, porque era muito importante, que era ser prefeito. Nós viemos, eu, a mãe e meu avô, pai dele, e o piloto, por incrível que pareça, vinha voando por cima da estrada, me lembro bem, que tinha passagem entre Xanxerê e Clevelândia, “aquilo ali é Clevelândia, então quer dizer que nós estamos no rumo certo”. A pista (do aeroporto de Beltrão), toda de chão, era o contrário do que é hoje, cruzada assim, áh, mas e a gente nunca chegava. Então fica essa lembrança da viagem, é uma coisa marcante.
Áh, tem outras imagens, dele naquelas escadarias na prefeitura velha, muita gente, muita festa. A posse dele foi em dezembro de 60, depois ele se elegeu deputado em 62 pra tomar posse em 63, foi quando eu me mudei de Porto Alegre pra Curitiba, porque meu pai ia ser deputado. Essas são as lembranças boas. Depois eu tenho umas lembranças ruins, em 64, quando ele foi preso no Dia dos Pais em Cascavel, e eu, o filho mais velho, tinha 19 anos, fui com a mãe falar com o secretário Ítalo Conti. Tinha um motivo, eu era colega de faculdade do filho dele, o Ítalo Conti Jr., me lembro muito bem. Ele era cunhado do Aníbal Khury, o Ítalo Conti era casado com uma irmã do Aníbal Khury. O Aníbal Khury já mandava naquela época, em 1964. Aí eu fui até o apartamento, pra falar que o pai tinha sido preso e ele ainda disse “não, não, não, não olha, não se preocupa, eu garanto pela integridade física do Dr. Walter, mas eu vou mandar buscar ele em Cascavel amanhã”. E naquela noite o pai foi espancado, e perdeu o olho. Quem tirou o pai da cadeia em Cascavel, na verdade, que ficou dormindo lá foi o Bordignon, irmão do Ricardo, casado com a Zilma. O pai foi num avião pra Curitiba, mas já chegou espancado. Perdeu o olho e toda essa história que a gente já conhece.
Essas são as lembranças ruins, mas a pior de todas nem é essa, pra mim. A que mais me marcou foi quando ele foi preso numa situação de fronteira em Curitiba por conta daquela rebelião do Jefferson Cardim que passou aqui, e acabaram matando o tenente Camargo lá em Santa Lúcia. E o pai foi acusado de participação, por causa da história do grupo do Brizola e coisas assim que a gente sabe que não, denúncia vaga. Eu acho que o pai nem nunca tinha visto. E aí, o pai pediu habeas corpus, naquele tempo o habeas corpus tinha que sair no Superior Tribunal Militar, que era no Rio de Janeiro, e o advogado tinha que trazer em mãos o alvará de soltura. Aí eu fui ao Rio, e voltei com o alvará embaixo do braço, que tinha sido concedida a soltura dele, na véspera do Natal. E o pior, junto com ele estava na prisão um advogado do Rio Grande do Sul, que também tinha sido preso pelos mesmos motivos, por isso estava em Curitiba, uma pessoa muito agradável, muito interessante assim, não tinha aquela… sabe, a desgraça acelera os laços de amizade. A gente ficou muito amigo, como a família dele não era de lá, quem levava almoço e janta pra ele éramos nós, sempre. E o habeas corpus tinha sido pedido pros dois e foi concedido só pro meu pai. E eu tive que assistir quando desci a escada do avião, olhei e vi a mãe dele vindo, e eu claro que tava feliz que tinham soltado o meu pai, mas tive que dar a notícia pra ela que ele não ia ser solto, em véspera de Natal, não é fácil. Fiquei muitos anos sem gostar de Natal, sabe. Muitos. Muitos. Que o Natal de alguma forma me deprimia, como tudo na vida, superei. Minha mulher reclamava muito de eu não gostar do Natal. Eu me lembro como se fosse hoje o rosto da mãe, e os advogados, olhando pra mim, e eu tinha uns 20 anos, e eu tinha que dar a notícia, sabe, eu era solteiro, e dar essa notícia, notícia ruim é horrível de dar. Mas naquela circunstância, nunca mais esqueci.
Realmente, depois que passaram esses episódios, eu sempre me lembro da postura, sempre acreditei muito, na minha cabeça, porque o meu irmão era médico e ele vai poder dizer as coisas do dr. Walter médico. Eu me lembro muito mais do dr. Walter homem público, e depois algumas vezes eu tive alguns atritos com ele também, normal e natural. Uma vez me lembro que quando ele, agora mais recente, estava na 8ª Regional de Saúde e uma pessoa foi lá e convenceu ele que deveriam fazer uma coisa eu disse “pai!” (risos). Ele disse: “como é que você sabe?”, “não, eu sei” e ele era uma pessoa assim de uma integridade! Ele pegava raiva de alguns absurdos, de não aceitar, não fazer, coisas assim que fazem levantar suspeita, ele dizia: “não adianta a gente ser honesto, a gente tem que ser e parecer honesto”, ele fazia muito isso. E essas são as lembranças que eu tenho.
E a última é quando ele começou a morrer, no exato momento que ele não pôde mais trabalhar, dali pra frente ele foi se terminando, dois anos, três anos que ele foi. Eu acho que ele sofreu muito, não pela dor, mas pelo fato de se sentir inútil, mais uma vez ele, puxa! Tudo acaba na vida sem poder fazer nada.

Alberto Filho – A primeira lembrança que eu tenho do meu pai é “trabalhar”. Na minha infância, a gente encontrava ele muito pouco. No horário do almoço, eventualmente na janta, porque o pai era um viciado em trabalho, a vida inteira ele foi viciado em trabalho. Ele trabalhou até os 84 anos, morreu com 85. Então a lembrança que eu tenho é “e o pai?” “Tá trabalhando”. Essa é a principal lembrança. Eu e a Rosa Maria fomos alfabetizados pela minha mãe. Até o quarto ano primário ela nos dava tarefa, nós estudávamos, então éramos praticamente autodidatas. No quarto ano é que fomos embora e que começamos a vida estudantil. Então a lembrança da mãe é mais forte, porque ela estava sempre junto da gente, fazia questão, no almoço, na janta, mas o pai foi um homem assim de múltiplas atividades. Ele era dono de rádio, era líder político, era médico, tinha sempre mil e uma coisas pra fazer, a lembrança minha que vem dele é “e o pai?” “Tá trabalhando.”

Rosa Maria – Sempre, sempre no hospital. O pai passou anos na vida dele comendo ovo cozido na hora do almoço. Era o prato predileto dele porque ele podia comer rápido, não precisava sentar, nada. E janta era muito raro ele estar com a gente. Muito raro. Não tinha tempo. A lembrança dele é realmente trabalhando e as últimas lembranças dele, lúcido, é de quando ele ficou se queixando que “a minha única dor, minha filha, é que eu não posso mais trabalhar”. Depois que ele ficou doente, era a grande queixa dele. A vontade que ele tinha de trabalhar, de ir no hospital, de ir na 8ª Regional, que os últimos anos da vida dele foram ali, era isso. Mas ele era bem enérgico. Muito enérgico. Quando eu terminei o ginásio, falei “áh, pai, não quero mais estudar”. Ele disse “filha, muito bem, além de continuar estudando, você vai começar a trabalhar”. Ele me arranjou emprego no dia seguinte. Então, pra ele, trabalho era fundamental. Ele era enérgico, mas a gente não tinha medo dele. Quando ele chegava do hospital, devia estar podre de cansado.

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Alberto – Quando a gente vinha de Porto Alegre passar as férias, saía à noite, chegava mais tarde, daí ele estava em casa, a diversão dele naquela época, isso nos anos 60, 65, por aí, era jogar baralho, canastra. Era o pai, a mãe, o padre Guilherme, o Sebastião Rodrigues, que era gerente do Banco do Brasil, o dr. Scalco e a dona Terezinha e o Abdo José, o Zé do raio x do hospital, jogavam canastra, mas de graça, nunca foi a dinheiro. E o pai, apesar de ser bastante enérgico, exigente principalmente na questão de estudo, era muito democrático. O que era pra um, era pra todos. Eu apanhei uma vez dele. Fisicamente, castigo. Porque eu joguei uma bola de barro na Rosa Maria. Ela tava me incomodando, me incomodando, num dia de chuva, fiz uma bola de barro e poc! Poguei na cara dela. Foi a única vez que ele me deu uns tapas.

Rosa Maria – E eu não apanhei do meu pai, mas apanhei do meu irmão, depois. Porque eu era a única filha mulher e mais nova, apanhei depois, de raiva (risos). Eu, única filha mulher, ele me cuidava, mas nos bailes, a mãe, coitadinha, em Curitiba já, ficava até de madrugada, era ela que ciceroneava eu e as amigas, e o pai, enquanto ele ficava no baile, ninguém vinha dançar comigo, essa que é a verdade. Ele tinha uma autoridade ali que… Mas depois fui ficando mais moça, vinha só nas férias pra cá, então, assim, todos se conheciam, os amigos do Nego e do Mano eram pessoas que eu convivia, eram irmãos das minhas amigas, nós formamos um grande círculo de amizade. Mas quando ele não ia com a cara de um namorado meu, ele me comprava. Me dava joias. “Eu comprei isso aqui pra você, Rosa Maria, mas tem que acaba com o namorado.” Isso foi uma ou duas vezes, depois fiquei moça, já trabalhando, muito pouco ele interferiu. Ele sempre foi muito solícito em tudo que eu precisava, na orientação dos filhos, não gostava quando eu brigava com os filhos, na minha casa não pode fazer isso. Pra mim, ele foi um pai extremosíssimo, em todos os aspectos, na parte física, cultural, emocional, nossa! Quando ele foi preso em Cascavel, a grande preocupação dele, numa carta que ele escreveu pra mãe, era a opinião que os filhos teriam dele por ele estar preso. Ele ficou lá três dias, sozinho, sabe Deus o que passava na cabeça dele e a preocupação dele era “qual a opinião dos meus filhos sobre o pai preso aqui”.

Alberto – Lembranças que eu tenho do meu pai como médico, olha, vou contar um fato. Eu era bem novo, recém-formado e dos filhos eu acho que fui quem mais conviveu com ele, porque além de filho eu fui colega de profissão dele durante 32 anos. Nós trabalhamos juntos, nunca tivemos nenhum desentendimento, e médico é um ser humano complicado, todo mundo tem Deus na barriga, todo mundo acha que é o todo-poderoso e tal. Ele me ensinou muito na questão da humildade, na questão da solidariedade com o doente. Eu vou contar um fato, uma vez nós estávamos almoçando na casa dele, tocou o telefone do hospital, era uma consulta pra mim. E eu tive a maldita ideia de perguntar é SUS ou é particular? Nem lembro o que a moça respondeu. Aí eu desliguei o telefone, ele disse “seu piá de b…, o que que é essa pergunta que você fez? Então quer dizer que se for um cliente do SUS tu vais tomar a sobremesa, depois tu vais tomar um cafezinho, depois tu vais tomar um licor, depois tu vais fumar um charuto e depois tu vais atender o cliente? Que na minha vida, nunca mais na minha frente, tu me faz esta pergunta. Nunca mais!” E, de fato, graças a Deus, nunca mais fiz esta pergunta. Eu vou, porque tenho que ir mesmo. Então, na convivência com ele, além de tudo o que aprendi no aspecto médico, profissional, principalmente na conduta, não só com ele, com outros médicos mais antigos, dr. Mário, dr. Aryzone, dr. Kit, que são exemplos pra nós, mais jovens. Eles são motivo de orgulho pra cidade inteira. E o pai era um homem assim. O trabalho pra ele era qualquer coisa de fundamental. Eu vim saber a dimensão dele – porque no dia a dia você perde, às vezes, os parâmetros -, eu notei a dimensão do tamanho do homem que ele era, da grandiosidade que ele tinha como médico principalmente, depois que ele morreu. As pessoas vinham e comentavam, até hoje, no começo muito mais, me cumprimentam e me contam histórias dele. “O seu pai, depois de trabalhar o dia inteiro, ia na minha casa, ali na Linha Jacaré”, depois foi na casa do fulano que estava com câncer, e vários e vários e vários, e ele não cobrava um tostão. Era assim, ele fazia medicina por prazer e era uma questão de bondade, o cara pode ser bom ou pode ser sovina, né. Ele não era sovina, ele fazia porque tinha como sua obrigação, é minha cliente, foi minha cliente a vida inteira, me pagou sempre, agora que ela está precisando. A dimensão dele eu só fui ver, infelizmente, devia ter visto antes, mas o tamanho dele, a grandiosidade que ele teve como médico, foi depois da morte dele que eu fiquei sabendo.

Rosa Maria – Onde a gente vai tem demonstrações – imagine, vai fazer seis anos que ele morreu – de pessoas de todos os níveis, mesmo fora de Beltrão, em Curitiba vejo muito isso, aonde a gente vai só tem palavras elogiosas. Eu me sensibilizo porque nunca pensei que ele fosse a grandiosidade que as pessoas estão nos provando hoje. A gente convivia com ele e não tinha noção da força de espírito e do desprendimento material que ele tinha, esse era um ponto impressionante.

Alberto – Ele viajou muito, vivia com muita comodidade, viajou o mundo inteiro, então ele aproveitou a vida dele. Ele teve uma vida plena. Ele teve os filhos que quis, a mulher que quis, manteve o casamento a vida inteira, foi político, foi poderoso, foi achincalhado, mas, enfim, a vida dele foi plena, foi muito boa. Claro que a gente sente muita saudade. E uma coisa que eu particularmente sinto muita falta e quase ninguém sabe, ele era um grande churrasqueiro. Ele fazia uma costela que era qualquer coisa de cinema. Acordava seis horas da manhã, temperava costela com salmoura, lá pela uma e meia, duas horas, a gente comia a costela, era maravilhosa. As pessoas viviam pedindo.

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