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Francisco Beltrão
quinta-feira, 05 de junho de 2025

Edição 8.220

06/06/2025

Ernesto e Gelci Gusso: Dois Vizinhos do tempo que era puro mato

Em Dois Vizinhos, uns assinam Guzzo e outros Gusso. Mas são todos da mesma família. Ernesto conta que seus pais, Antônio Guzzo e Ana Bággio Guzzo, vieram da Itália e, no Brasil, tiveram oito filhos. Os sete primeiros – Ambrosina, Júlia, Guilherme (pai do dr. Jaime), Atílio, Olga, Avelino e Oneide levaram o nome de Guzzo. E ele, o último, foi registrado como Gusso.

Em Paim Filho (RS), onde nasceu, Ernesto casou com Gelci Lourdes Zandoná, filha de Vitório e Angelina Zeni Zandoná, casal que depois também mudou para o Paraná e se estabeleceu em Mariópolis. Ernesto e Gélci têm seis filhos, todos nascidos em Dois Vizinhos: Moacir, Itamar, Tânia, Gilmar, Ivan e Tatiana. Ele está com 81 anos, ela com 76. No mês passado, comemoraram 57 anos de casados.

Seu pai morreu quando ele tinha apenas oito anos. Aos 18, mudou para Pato Branco, onde aprendeu selaria e sapataria, com o irmão Guilherme. Em 52, junto com Guilherme, mudou para Dois Vizinhos. Já nos anos 60, passou a puxar porco com caminhão, junto com o sobrinho Jairo Guzzo. Depois, numa “invernadinha” de Santa Terezinha, começou a criar gado. Nos anos 70, teve lavouras, junto com o sobrinho Jaime. Também teve terras em Guarapuava. Hoje, perto dos 82 anos, passou as terras para os filhos e vive tranquilo em sua bela casa, no centro de Dois Vizinhos, sempre acompanhado da esposa Gelci (pronuncia-se Gélci), que também respondeu perguntas da reportagem.

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Gélci e Ernesto Gusso, em sua casa, em Dois Vizinhos, no dia desta entrevista.

JdeB – Por que os outros escrevem o nome Guzzo com “z” e o seu é Gusso com “s”?
Ernesto – Isso aí aconteceu desde o dia que eu nasci. Meu pai foi me registrar, e eu acho que tinha tomado umas pinga, e em vez de dizer Ernesto Valentino Guzzo, me registrou Ernesto Valentino Gusso, com dois esses. Naquele tempo, as letras eram a mesma coisa, se você fizesse com z ou com s, tudo era o mesmo. No Banco do Brasil eu tô ainda com z! Eu não tinha nada, o meu pai não me deixou nada, coitadinho, deixou uma terra lá, mas devia tudo. Depois, quando eu casei e tinha 27 anos, o Moacir (seu filho advogado) não era formado, ninguém era, nós assinava com dois esses, com dois zes, com todo o tipo, tanto fazia, e aceitavam. Quando eu casei, o próprio escrivão, que era o Sílvio Toti, o mesmo que me registrou fez meu casamento, lá em Paim Filho (RS), Ernesto Valentino Gusso, com dois esses. Quando o Moacir foi fazer os documentos dele e tal, disse: “Pai, mas tá errado. Pai, agora o senhor é Gusso e Guzzo”. Aí eu já estava com umas terras encaminhadas, sabe o que, meu filho, não tenho nada de herança, fico Gusso mesmo, e ninguém me dá nada (risos). Então, se os Guzzo querem ficar parente, tudo bem, ficamos parente, não tem problema, Gusso e Guzzo é a mesma coisa, mas não é a verdade. O próprio mesmo seria Guzzo. A família do Guilherme é tudo Guzzo; a família do Avelino, é Guzzo, que nós era em quatro irmãos homens: o Avelino, o Atílio, o Guilherme e eu.

JdeB – E o que o senhor lembra do seu pai, que veio da Itália?
Ernesto – Olha, isso eu lembro muito pouco, porque meu pai faleceu eu tinha 8 anos. Me lembro ainda que ele disse que vieram de navio e veio ele e o vô, pai dele, e a mãe. O pai era Pelegrino, mas era Guzzo. Ele foi capitão lá de Veranópolis, eu era daqueles. E quando eles estavam vindo, ele tinha dois filhos, o Antônio Guzzo e o Benjamim Guzzo. O Benjamim morreu no navio, e tiveram que jogar no mar. Fazer o quê? Ele chegou em Veranópolis só com um filho, o Antônio. E aí ele completou a família, depois nasceu o Valentino Guzzo, o Ernesto Guzzo, que é de Veranópolis, e aí vieram três mulheres. O meu avô eu conheci ele, a avó não. Ela já tinha morrido. O dia que morreu meu pai eu fui a Veranópolis, me levaram porque sabiam que ele ia morrer. Eu com 8 anos. Meu avô estava vivo.

JdeB – Seu pai morreu antes que o avô?
Ernesto – Antes, com 53 anos. E aquele tempo não sabia, tinha câncer, foi lá em Paim Filho, pra ver se tinha cura, um tal de Gastão, ainda me lembro o médico, o doutor Gastão, muito bom. Isso foi em 1938, abriu, pra ver se dava pra salvar.

JdeB – Quando o senhor começou a aprender a sapataria?
Ernesto – Na sapataria, aprendi com o Guilherme que tinha uma sapataria e selaria. Me ensinaram a trabalhar como sapateiro, solador, cortador, tinha diversos. Depois de Pato Branco ele tombou o caminhão, se acabou, coitado, ficou sem nada e de lá ele foi no Ipiranga, fez uns negócios lá e depois Dois Vizinhos. Aqui que nós aprendemos. Fazia bota, sapatão, chinelo moreninha.

JdeB – O que que era essa moreninha?
Ernesto – Era um sandalinha, de tira, com uma fivelinha na frente. Vendia de tudo, naquele tempo não tinha esse negócio de fábrica de calçado. Fazia de diversos tipos. Bota, fazia bota de meio cano, bota de gaita, comando, que nem esses comandos que tem hoje, eu fazia de diversos tipos. Sapatão, tamanco, chinelo, o que aparecia eu fazia!

JdeB – E qual dava mais resultado? Qual dava mais lucro?
Ernesto – Era tudo a mesma coisa porque mais ou menos a gente calculava, um tanto por cento, se custava 80 vendia por 100, se custava 100 vendia por 120, 130, tinha alguma coisa às vezes vendia a preço de custo também. Também fazia consertos. Consertava de tudo, bota, sapato, sapatão, todo o tipo.

JdeB – A dona Gelci disse que vocês ganharam a vida fazendo bota.
Gelci – Claro que foi, porque imagina, a gente nunca pensou em vir pra cá assim, a gente trabalhava com bota. Eu ajudava a fazer comida pra cinco, seis, sete, oito peão com a barriga cheia. Sofrida minha vida que tá loco.

JdeB- E a filha que a senhora perdeu, no tempo da Revolta?
Gelci – Pois é. Eu tava com a tábua de pão nas costas, as formas cheias de pão. Eu fui atravessar a rua e, no meu portão, tinha uma borracha bem forte, porque tinha cabritos no vizinho e eles empurravam meu portão e entravam pro lado de baixo, e eu corri pra fora, e começou gente no meio da rua e gritando que era Lupião, e eu corri pra trás e botei o pé pra abrir o portão e o portão deu na minha barriga, aí aconteceu que perdi a menina.

JdeB – Mas ela chegou a nascer?
Gelci – Sim, chegou a nascer. Na hora da missa, ela morreu. Porque no dia até eu tava de aniversário, e no domingo a minha mãe, coitada, morava lá em Mariópolis, naquele tempo se usava as dedicatórias, porque não tinha telefone. Então mandou meus irmãos. Eu não vi nada, mas meus vizinhos contaram.

JdeB – Ela mandou a dedicatória pelo rádio?
Gelci – Mandou, sim. Daí foi ligado pro Jairo, não sei pra onde que ele ia com a carga de produto. E daí eu mandei ele ligar pra uma tia minha em Pato Branco pra mãe vir porque eu tinha perdido uma filha e aí a mãe veio, ficou uns dias comigo, e ela disse “meu Deus, minha filha, você com a menina morta e eu te ligando, mandando a dedicatória”. Ela não sabia.

JdeB – E como era quando o senhor chegou em Dois Vizinhos?
Ernesto – Era só mato. Tinha uns dois, três comerciantes ali e estavam construindo a igrejinha ali na praça. Mas era de madeira. Serravam a madeira com serrote, o poleiro, sabe, não tinha serraria. E depois disso veio uma serraria, a do Zé Perin. Quando eu ia construir a minha casa, ia a Pato Branco buscar uma lata de querosene, duas, pra poder tocar a serraria e fazer a madeira (risos). Naquele tempo não tinha, a serraria era a única, do José Perin. Daí pra frente começou e serraria, serraria, serraria, até que acabou o pinheiro! E era pinheiro puro!

JdeB – E por que mudaram de Pato Branco pra Dois Vizinhos?
Ernesto – O problema era o seguinte: eu não tinha nada, morava lá, nós era sócio, tinha uma casinha com um pedaço de terra, e daí comprou um terreno, nós tinha um terreno lá fora, de Pato Branco, mas aquela terra tinha pinhal então diz que não dava nada derrubar pinheiro pra plantar. Daí meu irmão disse: “Se vocês concordarem, vamos vender essa terra aí”. E o Avelino, que era sócio do Atílio, disse: “Vamos vender essa terra aí e comprar lá no Ipiranga, tem um sítio lá que é só mato branco, uma terra muito boa, e nós vendendo aqui e compramos lá e sobramos dinheiro”. Vendemos em Pato Branco e compramos no Ipiranga. E esse Atílio foi morar no Ipiranga, o Avelino casou, também era seleiro, ele foi morar no Ipiranga. E eu um dia trabalhava na sapataria, um dia trabalhava na roça, e assim ia indo. Depois trabalhei na sapataria um tempo, o Guilherme no Ipiranga, mas eu já era sapateiro de Pato Branco, e do Ipiranga viemos a Dois Vizinhos.

JdeB – Lá também o senhor tinha sapataria?
Ernesto – Sim, sim. Era do Guilherme, eu trabalhava com ele. Depois chegou meu tempo de servir, mas eu queria servir em Santa Maria ou Rio de Janeiro, não queria Palmas. Eu fui, fui passar a inspeção de saúde em Clevelândia, só que quando o médico mandou a gente se pelar eu me pelei bem rapidinho, e disse: “É pra já!” e fiquei com a meia no pé (risos). E o doutor: “Moço, você nasceu de meia?”. Eu “não senhor!” “Então tire!” (risos). E eu tirei, passei. Depois fui chamado em Palmas, fiquei 30 dias em Palmas. Eu já era metido, saía junto com os caminhoneiros, tinha dois caminhões, jipe velho, e eu saía carregar, descarregar, querendo pegar no volante, ia comer fora de hora. Quando foi os 30 dias veio a fila, me lembro como se fosse hoje, acho que tinha uns 100 na fila pra almoçar, veio a hora do despacho pra nós ir embora que tava despachado, não ia servir, báh, saímos bem loco, não almoçamos nem nada, peguei um caminhão de carga lá em Palmas e viemos até Pato Branco.

JdeB – E como foi o namoro com a dona Gelci?
Ernesto – A Gelci, eu conhecia ela de muito nova, mas nem pensava em casar com ela, eu tinha uma irmã casada com um tio dela, irmão do pai dela. Vim embora pro Paraná, e ela ficou lá, mas ela vinha visitar a minha mãe, porque o pai já tinha falecido. E a minha mana vinha visitar a mãe dela e essa aí (Gelci) ia junto, a cavalo, na garupa, e eu ia tirar ela da garupa do cavalo, era pequenininha, tinha 5, 6 anos eu acho, ou menos até porque eu tinha 10 anos. Eu tirava ela do cavalo mas nem pensava em nada. Era criança. Depois eu vim embora, ela ficou lá, e visitava minha irmã cada volta e meia, e demorei bastante, fiquei alguns anos sem ir pra lá. Quando comecei ir pra lá, eu já estava com uma idade mais ou menos, 22, 23, e tinha uma irmã doente em Aratiba. Fui visitar essa minha irmã, que era a Ambrosina, e a Oneide. E daí essa aqui foi junto com a Olga visitar minha irmã, que a Olga era irmã também. Mas ela tinha namorado, e eu tinha namorada também aqui no Paraná, daí a minha irmã metida que Deus o livre, me arrumou um lugar pra sentar junto com ela, e daí nós começamos a conversar no ônibus, e tal e coisa, mas eu nem pedi em namoro, só conversamos isso e aquilo, que ela tinha namorado, mas não merecia aquele porque isso, porque aquilo, eu fui passando a conversa nela (risos), porque eu já gostei, e depois foi, um dia meio encabulado pedi em namoro. Daí ela deixou do namorado e eu continuei.
Gelci – Bem dizer o casamento foi a tia Olga que fez, a irmã do meu pai, e o tio era irmão do meu pai.
Ernesto – É, bem dizer foi ela, porque eu, por mim eu não iria daqui pra lá, e bem no fim fizemos o casamento.

JdeB – O senhor diria que fez um bom casamento ou se arrependeu?
Ernesto – Não, um bom casamento! Fora de sério, Deus o livre! Eu acho que se ela me deixava aquele tempo, nossa senhora! (risos)

JdeB – Continua gostando dela?
Ernesto – Se eu continuo gostando dela? Também, 57 anos juntos! E sofremos, pobre, graças a Deus hoje estamos bem, mas é o trabalho, não comprei nada que não pagasse, onde devia um tostão paguei tudo! Comprei terra, comprei tudo!

JdeB – Como foi a festa do casamento? Um churrasco?
Ernesto – Foi um churrasco lá fora. Eles tinham balsa no Rio Forquilha. Meu sogro e meu tio. Seu Aurélio Zandoná era meu tio que era irmão do meu sogro (risos). Nós ficamos, veja bem, tio, cunhado e compadre também, então depois de casado nós ia jogar baralho, e ele era brabo. E ele dizia que eu roubava, me expulsou uma hora da mesa, digo “mas tio, você é tio, cunhado, compadre, e ainda vai me expulsar do jogo? Onde é que se viu?” E nós tomava uma pinga lá e ficava tudo bem.

JdeB – Como foi o tempo de namoro de vocês, porque o seu Ernesto estava aqui e a senhora no Rio Grande. Como namoravam?
Gélci – Ah, não sei quantas vezes ele foi lá, umas duas, três vezes. Dois anos?
Ernesto – Não, um ano e pouco. Eu até digo; “Você foi louca! Não conhecia nada aqui!”

JdeB – E como foi sua chegada em Dois Vizinhos?
Gelci – Ah,soltaram foguete, a piazada, o Jairo, o Jaime, dos Guzzo. Ih, fizeram uma bagunça.
Ernesto – Um ônibus velho, com a estrada cheia de buracos!
Gélci – Deus o livre! Era cada soco, cada soco! E quando nós chegamos ali, nós morava numa casa só, mas o Guilherme não tinha vindo de mudança ainda, então ele ficou lá em casa, ficou acho uns seis meses. Quando nós fomos dormir a cama cheia de tamanco, porque era palha, sabe aqueles colchão de palha de antigamente. Cheio de tamanco machucando nós, daí levantemos tirar os tamanco!

JdeB – Ah, de sacanagem?
Gelci – É, de sacanagem! Só pra judiar a gente (risos)
Ernesto – Os empregados lá da serraria, tinha oito empregados.
Gelci – Já pensou? Eu tinha oito homem, e o meu nove, mais o Guzzo dez, dez peão eu tinha, pra fazer comida, lavar roupa. Tinha que lavar a roupa lá no seu Ari Müller, pra fazer a comida tudo era difícil porque não tinha carne, nem carne pra comprar! E eu no Rio Grande, meu pai era bem de vida. Lá tinha marmelada que a gente se fazia, de uva, de figo, de tudo! Que até hoje a gente vende lá, que já mandei fazer, vou pra lá agora logo e vou trazer. Então nossa, eu sofri bastante.

JdeB – E qual foi a sua primeira impressão de Dois Vizinhos?
Gelci – Foi mais ou menos.
Ernesto – Chorou bastante! Quantas vezes eu ia lá na cozinha e ela tava chorando na janela.

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