Geral

Na edição do dia 11 de dezembro de 2001, o Jornal de Beltrão anunciava na capa: “Médico morre em acidente na PR 483”. E a notícia: “O médico Vadeson Sabadin, 28, morreu ontem num grave acidente na PR 483, entre Francisco Beltrão e Manfrinópolis (próximo à Churrascaria do Frizzo). O acidente envolveu três automóveis e, conforme a polícia rodoviária, teria sido causado por uma ultrapassagem de um dos carros.”
Vadeson Sabadin virou nome de rua em Beltrão.
Vadeson era casado com a então estudante de enfermagem Aline Becker. Filho de Ivaldino e Neide Sabadin e tinha quatro irmãos: Arilson, Anderson, Ana e Cristiane. A Cris é jornalista, já trabalhou no Jornal de Beltrão e hoje está em Balneário Camboriú.
De lá ela enviou dois textos sobre seu irmão, seu confidente, seu melhor amigo. E a maneira como ela recebeu a notícia do acidente fatal.
Deco: 19 anos de saudade
Não há como esquecer o dia 10 de dezembro de 2001.
Era cedo ainda, acho que o relógio marcava umas 8 horas da manhã. Imagine só uma segunda-feira, dia perfeito para uma estudante de jornalismo dormir até tarde, sem quase nada de preocupações. Mas a vida se encarregou de fazer aquela segunda ser diferente de todas as outras.
Fui acordada com a notícia mais triste da minha vida. Lembro pouca coisa daquele momento. Só recordo de levantar às pressas, esfregar os olhos e, meio sem entender direito, ter que encarar o fato: algo grave tinha acometido minha família.
Como assim? Logo as pessoas ao meu redor me explicaram o acontecido. Mas a notícia foi dada em doses paliativas. “O Deco sofreu um acidente de carro”, “está no hospital”, “parece que não está nada bem”, “infelizmente, não resistiu”. No meio de tragédias, soa engraçado como as pessoas que lhe dão essas notícias tentam amenizar a dor, sempre na melhor das intenções. Mas a verdade é que a gente já sabe de tudo antes mesmo deles começarem a falar. O coração sente!
Fui ao banheiro, liguei o chuveiro, deixei a água escorrer, numa tentativa de camuflar o choro. Ainda insistia em não acreditar, apesar de saber, aos 23 anos, e grávida do primeiro filho, que a morte é a única certeza que temos na vida!
Mas essa não é uma carta fúnebre. Até porque todo mundo sabe, ou um dia saberá, como são os velórios de nossos entes queridos. Nesse artigo especial para o meu irmão, preciso falar do Deco que eu tive o privilégio de conhecer. Um cara único, cheio de qualidades, alguns defeitos e um coração que não cabia no peito.
Se eu pudesse resumir a saudade em uma só palavra, certamente seria “irmão”. Mas não aquela saudade ruim, que dói no peito e faz as lágrimas escorrerem pelo rosto.
Eu me refiro a uma saudade boa, que esquenta o coração, acolhe, aproxima mesmo quando a distância física é irreversível.
A essa saudade eu dou o nome de irmão, de Deco, o Vadeson. O irmão do meio, antes dos gêmeos Mino (Anderson) e Ana chegarem à família. Meu melhor amigo? Sim. A gente era tipo confidente, das coisas boas e ruins.
Quando penso na minha infância, não tem como não pensar no Deco. Vivíamos grudados. Ele era calmo, prudente, paciente, e muito diplomático, é verdade.
Eu toda metida a princesa da casa, espoleta, queria atenção e teimosa ao extremo. Mas mesmo com tanta diferença, tínhamos uma afinidade incrível. Meio rara até.
Tem uma história sobre o Deco que eu preciso compartilhar com vocês. Ele ficou gago, se não me engano, aos sete anos.
Por muito tempo, minha mãe revezava visitas ao psicólogo e fonoaudiólogo. Só no ensino médio, pouco antes dele encarar a faculdade, conseguiu vencer essa batalha. Não foi fácil. Ele sofria muito com o medo e reprovação dos outros, eu notava, apesar de ser pequena naquela época.
Mas comigo não tinha tempo ruim. Ele falava sem gaguejar, numa boa. Talvez porque a gente se entendesse tão bem, não sei. Ou porque eu era a irmã mais nova, menina, e ele se sentia mais forte diante de mim. Pode ser. Mas eu prefiro acreditar na primeira versão.
O tempo passou, a gente cresceu. Aí vieram as confidências, as parcerias e uma amizade que nem eu mesma sei explicar. O Deco perdia tempo comigo. Ele adorava literatura, era leitor assíduo.
Costumava sentar na espreguiçadeira no gramado em frente a nossa casa e ficar horas e horas lendo, quieto, como se estivesse em outro mundo. E pensando bem, acho que estava mesmo. Adorava música, e música boa.
Depois veio a faculdade de Medicina, e o Deco foi pra longe, lá em Pelotas, no Rio Grande do Sul, realizar seu grande sonho. Voltou formado, era a alegria e o orgulho dos meus pais, que dedicaram boa parte de suas vidas na construção desse sonho junto com ele.
O Deco se tornou pediatra e voltou para casa. Casou com a mulher que amava. Estava feliz, começando a carreira, com o mundo inteiro pela frente.
Quando meu amigo e jornalista Ivo Pegoraro me convidou para escrever um pouco sobre o meu irmão, caiu a ficha que já se passaram 19 anos de sua morte. O tempo não para mesmo. 19 anos e tanta coisa aconteceu.
2020. Ano de pandemia do novo coronavírus. E às vezes fico imaginando como seria se o Deco estivesse aqui, cumprindo sua missão como médico. Sem dúvida, estaria no consultório ou nos hospitais ajudando as pessoas, o que ele amava fazer. Uma profissão interrompida cedo demais, mas que ele desempenhou com dedicação e, principalmente, carinho e respeito por cada pequeno paciente.
Sim. A vida passa, a gente muda, e cá estou com 42 anos. Mas não tem tempo pra saudade. Ela permanece imutável, no mesmo lugar, com as mesmas lembranças que ficaram de tudo de bom que se viveu.
Vadeson Sabadin. Filho do seu Ivaldino João Sabadin (em memória) e de Neide Maria Sabadin. Irmão do Arilson, da Ana Cristina e do Anderson (o Mino). Quase 20 anos se passaram, muita coisa mudou. Mas, como diz Rubem Alves, “a saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar”.
Te amamos, além da vida!
Jornalista Cristiane Sabadin
