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Francisco Beltrão
quinta-feira, 05 de junho de 2025

Edição 8.220

06/06/2025

Idolinda Bianchin Pegoraro: História de uma vida registrada em diários

Na manhã de quinta-feira, dia 10 de fevereiro, dona Idolinda Bianchin Pegoraro recebeu o Jornal de Beltrão com chimarrão e bolachas em sua casa em Dois Vizinhos. O motivo da visita: seria ela a próxima entrevistada para o Paraná Sudoeste. Mãe de sete filhos – Ivo Antônio, Luizinha, Nilo Sérgio, Helena, Ana (4.3.60 a 30.12.77), Alberto e Marcos, dona Idolinda festejou ontem seu aniversário de 80 anos. Hoje, sábado, acontece a grande festa na sede do Lions Clube em Dois Vizinhos, após missa, obviamente, às 19:30, na capela São Francisco de Assis. São oito décadas de uma vida que ela faz questão de festejar junto com familiares e amigos.
Uma vida cheia de histórias fascinantes, de uma mãe dedicada, esposa companheira, boa amiga e saudosa professora. Dessa longa caminhada, dona Idolinda não deixa nada para trás: tudo fica registrado na memória através de um passatempo que começou pequeno, mas hoje se transformou em documento histórico: os diários. Ela tem tantos que não sabe ao certo o número, mas acredita que passam de 100. Com uma caligrafia impecável, Idolinda coloca em cada dia da semana – há pelo menos 33 anos -, a história dos sete filhos, 15 netos, sete bisnetos e dela mesma. Capricho e dedicação que impressionam. Segue parte da entrevista. (CS)

JdeB – Pra começar, como foi a sua infância?
Idolinda – Eu nasci em Paim Filho (RS). Quando eu tinha 9 meses, meus pais foram morar em São José do Ouro, era um lugar ali perto que pertencia a Lagoa Vermelha. Meu pai era marceneiro, ele trabalhava com móveis. Lá ficamos até que eu tinha 9 anos. Eu fui na aula, e na aula naquele tempo não usava livros nem caderno, eu tinha lousa, e o lápis era da própria lousa, que a gente amarrava assim na lousa, era um quadrinho. Depois fomos pra Lagoa Vermelha. Chegando lá, fui pra escola, a professora me voltou, em São José eu tava no terceiro, lá era primeiro! Não sabia nada! (risos)

JdeB – Do terceiro voltou pro primeiro?
Idolinda – Voltei pro primeiro. Daí fiz o primário, ali fiz até o terceiro. Mas daí eu fui passando, sabe, eu fui aprendendo, e o quarto e o quinto ano eu fiz no Colégio das Irmãs, era aula de manhã e de tarde. Nossa, era bom! Como eu tenho saudade daquele tempo! E parou ali, não tinha mais nada. Eu ajudava minha mãe na costura, aprendi bordado, aprendi pintura, e a mãe não tinha empregada, nós que fazíamos toda a lida da casa, e tinha irmãos pequenos. Eu que sou a mais velha da família.

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JdeB – Quantos irmãos ao todo?
Idolinda – Somos em sete (Idolinda, Adelmo, Orlando, Orli, Marlene, Eroni e Evani). Três mais novos que já morreram (Adelmo, Orlando e Marlene). Então não é a idade que leva, né… E daí eu trabalhava muito, eu era da Juventude Feminina Católica, sabe, tem sempre trabalho pra juventude na igreja, era tempo de missões e tinha que ajudar na igreja e fazer tanta coisa. E naquele tempo os namorados às vezes não iam direto falar com a namorada, mandavam o que chamavam de fonograma. Eu tinha duas amigas que já namoravam dois professores. Eu estava com 18 anos. Mas eu já tinha tido namorado muito velho, meu pai queria que eu casasse com ele! A minha nona dizia: “Não, Idolinda, depois você vai dizer ‘Nono, vamos dormir!'” (risos). Eu sei que meu pai ficou brabo quando disse que eu não queria ele. Daí eu recebi um fonograma do meu (futuro) marido, do Luiz, até deixa eu mostrar, dizendo que ele queria falar comigo e tal. Eu peguei e guardei e depois mostrei pra mãe, e ela disse: “Mas eu conheço! É lá de Paim Filho, conheço os pais dele! Responda!”. Daí eu respondi, e no dia do encerramento das missões, domingo à tarde, eu e a Branca, minha amiga, fomos pro cinema e quando vi, ele chegou do meu lado: “Onde que vão? Posso ir junto?” Ali começou o namoro. Era costume do namorado não chegar na casa na primeira vez. Mas ele chegou, conversou com a minha mãe e a minha mãe disse que conhecia o pai dele e já ficou faceira.

JdeB – Você tinha 18 anos.
Idolinda – Comecei com 18 e casei com 20. Casamos em Lagoa Vermelha. Até uma coisa que eu fiquei sentida é que naquela época fotógrafo não era toda hora que corria atrás da gente, não teve fotógrafo na igreja, só depois, no almoço, porque nós casamos de manhã. Mas ainda que deu pra tirar foto.

JdeB – Quando vocês vieram pro Paraná?
Idolinda – Pro Paraná viemos em 1964. Já tínhamos seis filhos. Faltava o Marcos. Viemos pra Realeza, no meio do mato, trabalhar na roça. Era cobra, cobra, cobra que dava medo! Pergunta pro Ivo. A gente tinha um primo que morava lá, ele e os guris foram ajudar arrancar feijão, o Ivo foi pra pegar o pé de um feijão e um baita de um urutu ali. Nossa, os homens iam pra roça com facão, com espingarda! Era um mato virgem. Uma terra fértil até de animais.

JdeB – E quando a senhora começou a lecionar?
Idolinda – Quando nós casamos, ele era professor, foi nomeado numa escola do interior, Butiazinho, em Cacique Doble, e ele precisava de um auxiliar. Naquele tempo eu só tinha o primário, mas como eu fiz dois anos com as irmãs, já era considerado mais. Daí eu que entrei de auxiliar dele, no ano 52, só que depois nós deixamos, quando viemos pro Paraná, não foi logo que a gente lecionou, mas eu lecionei em Lagoa Vermelha, além de Cacique. E quando a gente estava ali em Realeza, conhecidos nossos do Rio Grande, que moravam em Verê, foram nos buscar, disseram que precisavam de um professor bom e o Pegoraro era o que eles queriam. A gente veio pro Verê em 1966, eu também lecionava com ele, era pouco, mas nós trabalhávamos na roça também. Daí o doutor Flávio Miranda, um médico, e outros disseram “olha, está na hora de criar um ginásio aqui em Verê”. E foi criado o ginásio (Ginásio Humberto de Alencar Castelo Branco), e propaganda pra quem queria se matricular e aquela coisa. Eu sei que o Ivo estava carpindo e eu fui lá falar pra ele “olha, Ivo, o pai vai matricular você, a Luizinha e acho que eu também vou. Só vocês dois de noite, eu também vou estudar.” Ele disse “mãe, eu não vou”. “Mas por que que você não vai?”. “Mãe, eu vou passar vergonha, eu não sei nada”. Digo  “Ivo, mas é por isso que você vai!”. Quando terminamos a sétima pra fazer a oitava (série), eu engravidei do Marcos. Daí os professores disseram que eu podia ir só fazer as provas, digo não, eu quero estudar, não quero só fazer as provas. E aí eu já tinha o Marcos.

JdeB – Depois foi levando os outros também?
Idolinda – É. O Ivo e a Luizinha se formaram em 1971. E eu em 1972, porque daí eu já tinha o Marcos. Hoje eu digo pra ele “você atravessou o meu caminho”. “Ah mas que bom que a mãe me quis”, diz ele.

JdeB – E depois que a senhora terminou o ginásio, continuou estudando?
Idolinda – Daí eu terminei o ginásio e vim fazer o magistério aqui (em Dois Vizinhos). Porque tinha uma amiga que a gente fez o ginásio junto, o marido dela tinha Kombi, ele trazia uma lotação, a maioria eram mulheres, viemos então três anos. Três anos de magistério fizemos aqui. Eu lecionava de manhã, de tarde vinha aqui e à noite fazia trabalho e coisa e tal. Tinha as meninas em casa, a Helena e a Ana, mas elas também estudavam. Então era uma função que nossa!

JdeB – E como é que foi educar os filhos nessa época?
Idolinda – Por sorte que a gente estava junto de noite sempre nas refeições. E eles sempre diziam que a mãe era muito braba. Então eles também procuravam ficar na linha. Você sabe que desde pequenos, eu e o meu marido educamos eles assim pra rezar, obedecer, não fazer nada mal feito, obedecer o pai e a mãe, a escola, gostar de estudar, amar os professores, porque tem gente que diz “ah, eu odeio meu professor”, e eu digo que não pode. Você precisa do professor, não é ele que precisa de você. Você tem que amar o professor mesmo que não goste da matéria, procure gostar. Então a gente não teve tanta dificuldade. Morava em lugar pequeno, eles tinham bons amigos.

JdeB – Nessa fase das crianças irem pra escola, o que marcou mais pra senhora? Foi nessa época que a senhora perdeu a Ana?
Idolinda – Não, a Ana o Marcos já tinha cinco anos. Ele nasceu em União da Barra, depois a gente veio morar no Verê. Porque também os professores crescem conforme o grau, porque lá a gente lecionava no interior e daí o meu marido foi convidado a trabalhar na prefeitura e ele foi candidato a vice-prefeito. E eu fui lecionar na Escola São João Batista de La Salle do Verê. Depois eu trabalhei os últimos anos, uns 15 anos, na pré-escola. Que a dona Elisa, mulher do dr. Nereu (Pasini) que era prefeito, ele não ganhou aquela vez que meu marido era vice junto com ele, mas ele ganhou depois. Ela disse que Verê merecia uma pré-escola. Ela disse “pra começo de história, eu vou com você pra Curitiba pra gente fazer um curso”. Fomos pra Curitiba e eu sempre gostei mesmo de trabalhar com criança. Ela já mandou construir o prédio, a gente foi no começo do ano e no seguinte já começou a escola. E lá eu fiquei. Meu Deus, eu lembro só com saudade daquela minha escola (De Colores). Eu tenho um caderno aqui com o nome e as datas dos meus alunos que eu tinha lá, eu fazia festa que nossa.

JdeB – A senhora guarda tudo registrado? Sempre foi assim, desde pequena?
Idolinda – Eu disse pros meus filhos, “por favor, quando a mãe morrer, não queimem as coisas antes de ler, vocês têm muita coisa para ler”. É que eu faço diário em tudo, em tudo eu escrevo.

JdeB – A senhora tem o diário dos filhos, dos netos? A senhora que faz?
Idolinda – Eu que faço. Eu acho que é o gosto de conversar.

JdeB – A senhora conta tudo nesses diários, o que acontece no dia?
Idolinda – Não, tudo não é pra contar, né. Esse aqui, por exemplo, aqui eu converso com meu marido. Aqui, por exemplo (mostrando), é uma foto do tempo de missões no Verê, o padre abençoando, aqui ó, ele está aqui e eu estou aqui. Veja o que eu escrevi aqui. (Lendo) Luiz ,que beleza de filhos, são únicos. Então eu falo com ele, Luiz Sylvio, eu dedico a você o novo diário de 2011, juntos vamos lembrar de passagens de nossa longa e variada caminhada de 57 anos que nós ficamos juntos. Essa foto da direita foi a festa dos 70 anos dele. Porque quando ele completou 70 anos, eu achava que era uma idade máxima, e eu tô completando 80. “A gente fez uma festa que convidou todos os parentes. Você, Luiz, ainda viveu mais 13 anos e 356 dias, faltando só 9 dias para 84 anos. Que beleza de vida você teve.”

JdeB – Como começou o primeiro diário que a senhora fez?
Idolinda – Desde que eu estudava nos meus cadernos eu fazia anotações do momento. Por exemplo, o professor isso, fulano tal, ciclano está vestido assim. Foi mesmo depois que a minha filha morreu que eu comecei de verdade.

JdeB – Daí a senhora pegou, separou um caderno pra ser o diário de alguém?
Idolinda – Sempre, sempre, sempre. E não vou dormir sem escrever. É sempre tempo.

JdeB – Foi assim que começou também o diário dos alunos?
Idolinda – Tenho uma caixa cheia de diários deles. É uma pena que hoje é muito celular e mesmo nessa lista nova (Guia Paraná Sudoeste) que o Jornal de Beltrão fez não tem celulares, é só o telefone. Ainda ontem de noite eu tinha um aluno, ligo mas não atende, diz que o número não existe. Senão eu ligo pros meus aluninhos, que hoje são homens formados, mulheres e todo mundo fala “como que a tia me achou?”.

JdeB – A senhora não esquece?
Idolinda – Claro que não, eu tenho tudo anotado. Deles eu tenho cartinhas de mães, porque naquele tempo não tinha telefone, era só cartinha. Olha por exemplo essa mãe aqui (mostrando): “Ôi dona Idolinda, olha o Cleiton não está participando das aulas porque ele está doente e não tem vontade para nada, então até ele não melhorar um pouco ele não vai.” Aldair Dal Prá da Silva é a mãe. Era um modo da gente se comunicar. Aqui uma outra mãe, do Dorvalino: “Mando pedir se eu não puder ir, se posso mandar a empregada porque eu estou com uma nora doente. Se ela não melhorar, tenho que levar no hospital”. Era reunião, a Dorvalina, eu mandava convite para reunião e ela tá dizendo que se ela não podia, se podia mandar a empregada. Aí eu respondo “Claro que pode mandar a empregada, ela faz parte da família”. É melhor que nada. Olha, eu tenho desenho deles aqui. O Paulo desenhou a tia aqui. Esses dias eu tive a visita de dois aluninhos, ai meu Deus, eu fico tão feliz se acho um desenho deles aqui. Até mostrei pro pai deles, porque um disse “a tia tem rede?” eu disse “não, não tenho rede”. E ele: “Então vou fazer uma rede pra tia”. Daí ele desenhou as árvores aqui e ele disse “olha a tia está na rede” (risos).

JdeB – Tudo que eles lhe davam, a senhora guardava e montou o diário? 
Idolinda – Tenho muita coisa deles. Depois um outro desenho que ele me deu no Dia do Professor, ele disse “a tia tem carro?” então ele desenhou um carro e me deu (risos).

JdeB- A senhora já perdeu muitos alunos?
Idolinda – Perdi, olha, dois; um Marcos, querido, se bem que toda criança é querida, gorduxinho, ele só falava em lanche. “Tia, tá na hora do lanche, tô com fome”, e de acidente, o pai dele era caminhoneiro, mas ele se acidentou de moto. E o outro primo dele também, o Leandro, morreu de acidente. E um irmão dele não morreu por acaso, mas perdeu uma perna, acidente também. E um aluno meu que vinha do Taquaruçu, era uns quilômetros, ele vinha de ônibus, quando ele desembarcou do ônibus um carro pegou ele, e por sorte esse dr. Francisco estava ali, mas não deu tempo, ele ficou morto ali na hora.

JdeB – E essa história de mãe que prefere filho, existe isso?
Idolinda – Os meus falam “áh, porque a mãe prefere o Marcos”, a Luizinha diz “se a Helena fala isso a mãe aceita, se sou eu, não”. Eu digo “não, vocês pra mim são todos iguais”. Mas eles têm um certo ciúme (risos). O Marcos sempre diz que ele é o mais bonito. “Né mãe que eu sou o mais bonito”. Eu digo “não, todos são bonitos iguais”. Como você vai dizer que esse é mais que o outro? Não, são únicos.

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