Geral
Marcos* seria pai pela primeira vez aos 27 anos. Seria. A gravidez da esposa foi interrompida em meio ao isolamento domiciliar em meados de junho. Embora sua esposa não tivesse contraído Covid-19, ela precisou tardar os exames para ficar em casa. E eles ainda pensam que, se pudessem ter seguido com a vida normal, o bebê poderia ter sido salvo.
“Ela tinha todos os exames marcados quando eu peguei Covid e acabou de a gente ficar em isolamento. Depois que fomos liberados para voltar às atividades, ela foi dar início aos exames” — e faz uma pausa, como só os assuntos importantes pedem —; “talvez tenha sido uma má-formação”.
Marcos é vidraceiro e motoboy. Durante o dia, trabalha com uma equipe. À noite, trabalha só. Dizer onde contraiu a Covid-19 é tarefa difícil para quem trabalha com outras pessoas. Sobretudo quando se usa protocolos de segurança. Álcool em gel, distanciamento e máscara eram parte da rotina. Até o dia que apresentou febre e foi testado.
“Eu tive uns sintomas em dois dias, mais ou menos, e fui me consultar. Logo fizeram o exame e me deram atestado pra ficar em casa. Só depois veio o resultado positivo. Quem me fez procurar a rede de saúde foi a minha esposa. Ela estava grávida nessa época. Acabou perdendo. Mas eu procurei (médico) em cuidado a ela. Porque, quando pego algum resfriado, eu raramente busco atendimento”, conta Marcos, que, além da febre, disse ter sentido fadiga e perda do olfato.
Quebra financeira
Apesar de apenas Marcos ter feito o exame (sua esposa fez após o fim do isolamento e testou negativo), o casal precisou ficar isolado. Faz parte do protocolo. Mas ele, que depende de uma renda flutuante com os bicos e o trabalho de motoboy, viu que, na tempestade da Covid, não estão todos no mesmo barco.
De repente, as contas apertaram e foi preciso priorizar, ao menos naquele mês, algumas despesas diante de outras. Em valores, o rombo mensal foi calculado em cerca de R$ 2 mil. Fora isso, disse que ouviu mais de uma vez da chefia do trabalho que fazia corpo mole em permanecer em casa em vez de se manter no serviço.
Isso acontecia, diz Marcos, porque, após os primeiros sintomas que o levaram a fazer o teste, sentiu-se bem. E há um imaginário que não crê que alguém “bem”, assintomático, possa estar com uma doença altamente transmissível. “Apesar de dar a ‘raça’ pela empresa por anos, foi um baque. Diziam que eu me preocupei demais comigo e que estava esquecendo da empresa. Mas era uma questão de lógica. Eu vou cuidar de mim, da minha família e depois do meu emprego.”
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Recuperação
Em casa, embora assintomático, a realidade era limitada aos portões. Marcos contou com ajuda do pai, que ia ao mercado. Fora isso, buscou manter a saúde mental. Coisa nem sempre fácil quando as contas atrasam, os patrões pressionam e se está com uma doença que pode atingir estágios graves. “Você acha que vai acontecer com todo mundo, menos com você. E eu pensando dessa forma, mas aconteceu comigo. Agora digo para as pessoas sempre redobrarem os cuidados e cuidar, principalmente, de quem está próximo, ainda mais do grupo de risco. Para mim não foi algo grave. Para outras pessoas foi. Não se pode pensar que é uma doença qualquer.”
*O nome foi preservado