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Francisco Beltrão
sábado, 14 de junho de 2025

Edição 8.226

14/06/2025

Jaime Jacir Guzzo é o mais novo cidadão honorário e um dos mais antigos moradores de Dois Vizinhos

Descontando o tempo de estudante e alguns meses que residiu em Pato Branco, dr. Jaime é duovizinhense desde 1953. Nestes 62 anos, foi prefeito duas vezes, fundador e presidente da Cooperativa Camdul durante cinco anos, presidente vitorioso do Clube 7 de Setembro por 15 anos, advogou, presidiu a OAB, criou uma família de cinco filhos que já lhe deram netos e bisnetos, tornando-se uma das pessoas mais conhecidas do município e de todo o Sudoeste do Paraná. E agora recebe o título de Cidadão Honorário de Dois Vizinhos.

 

Jaime Jacir Guzzo, um dos moradores mais antigos do município, é o mais novo Cidadão Honorário de Dois Vizinhos. Ele recebeu o título, aprovado por unanimidade pela Câmara de Vereadores, prefeito e vice, junto com o também veterano do município Valdir Luiz Pagnoncelli. Guzzo é advogado, mas se destacou também na política (foi prefeito em duas gestões), no esporte e no trabalho comunitário pelo povo duovizinhense e do Sudoeste do Paraná. 

 

Pode-se dizer ainda que ele trabalhou como agricultor, seleiro e cortumeiro e também conhece, pela vivência, como é a vida das pessoas mais simples; pode-se dizer que ele presidiu a comissão do 50º aniversário do município; pode-se dizer que ele foi o primeiro presidente da Amsop. Seu currículo é vasto, sem falar de quanto é conhecido Brasil afora.
Aos 78 anos, continua advogando e com muitas atividades familiares e comunitárias. Seu escritório está num prédio que ele construiu no centro da cidade, em frente à Praça Ari Müller, o pioneiro que doou o terreno para seu pai, Guilherme Guzzo, em 1952. Duas paredes forradas de livros, que já foram muito utilizados e hoje servem mais para ornamentação, porque foram substituídos, em grande parte, pelo computador que o leva, através do “Dr. Google” como ele diz, a riquíssimos e práticos arquivos que uma vez eram quase inacessíveis.
Como se vê, é um profissional que está sempre se atualizando. E quando alguém fala que ele deveria se candidatar a prefeito, novamente, no ano que vem, seus olhos brilham. Continua cheio de vitalidade e disposição para viver e realizar projetos seus e da comunidade.
A semana foi agitada, mas doutor Jaime reservou um tempo para esta entrevista ao Jornal de Beltrão, na terça-feira, dia que recebeu em seu escritório também seu amigo Valdir Luiz Pagnoncelli, que seria              homenageado junto com ele na noite de quinta-feira, 10 de dezembro, com o título de Cidadão Honorário de Dois Vizinhos (a entrevista com Valdir sai nas próximas edições).

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Currículo de Jaime Guzzo

Filho de Guilherme e Otilia Guzzo, nascido em Paim Filho (RS) dia 3 de setembro de 1937, Jaime Jacir Guzzo tem cinco irmãos: Jairo, casado com Geronides Galvan; Gelci, casada com Deonildo Bagatini; Gelcira, casada com Valério Stela; Valdair, casado com Neusa Dalpasquale; e Antonio Carlos, casado com Glaci Casagrande.
Em 1940, sua família mudou para Pato Branco, onde o pai foi seleiro e cortumeiro, depois agricultor em Ipiranga, voltando a ser seleiro e cortumeiro quando se estabeleceu em Dois Vizinhos, no ano de 1952.
De 1947 a 1951, Jaime estudou no Seminário Seráfico São José de Veranópolis (RS), dos padres Capuchinhos. De 55 a 65, estudou em Curitiba, formando-se advogado pela Universidade Federal do Paraná.
Ainda quando estudante, em 18 de maio de 1963, casou com Heda de Mello Guzzo, filha de Zaira Lunardi e Guarany Correa de Mello, primeiro juiz de paz de Dois Vizinhos. Jaime e Heda têm cinco filhos: Viviana, casada com Walmor Lemke, ambos são médicos cardiologistas em Curitiba e pais de Ângela e Ana Julia; Silvana, defensora pública e advogada em Dois Vizinhos e mãe de Mariana, Luiza e Emerson; Adriana, é surda de nascimento, professora de Libras e mãe de Fernanda e Leonardo, que nasceu surdo e recebeu implante coclear, sendo que ouve perfeitamente e “fala mais que o homem da cobra”; Jaime Jr., advogado em Rorainópolis (RR), convive com Ana Karine da Silva Costa e são pais de Jaime Guzzo Neto, nascido em 24/07/2015; e Luciana, que é técnica em enfermagem, convive com Luiz Yung e é mãe de Ana Laura. 
Jaime foi prefeito de Dois Vizinhos em duas gestões. Em 3 de outubro de 1965, elegeu-se pelo PTB, com 1.686 votos, tendo Emílio Guareschi como vice (derrotou Ervelino Coletti, que fez 1.500 votos); exatos 31 anos depois, dia 3 de outubro de 1996, elegeu-se prefeito novamente com 6.462 votos, tendo Ovídio José Constantino como vice (derrotou José Ramuski Júnior, que fez 5.453 votos, e Luiz Fernandes da Silva Litro, que fez 5.339 votos).
Dr. Jaime foi o primeiro presidente da Associação dos Municípios do Sudoeste do Paraná (Amsop), na gestão 1968/1969.

JdeB – Em 75 anos de Paraná, as suas primeiras lembranças são de Pato Branco?

Jaime – De Pato Branco, exatamente. Eu estive lá esses dias, dia 9 de novembro, porque estava fazendo uns exames lá, fiquei andando pela cidade e uma coisa que me chamou muito a atenção, primeiro: Pato Branco está com uma feição de cidade grande. Segundo: Pato Branco está muito limpa, muito organizada, gostei demais. Fiquei uma hora sentado na Praça Getúlio Vargas, o meu primeiro escritório foi de fronte à praça, em cima da casa Rádio Técnica Sonora Ltda., onde o Porto Alegre trabalhava e o Venignos Eligius Vinkelman, que era o Nico da rádio daquela época. Eu e o Dr. João Cardoso, compadre, nos formamos juntos e ficamos ali. Hoje não tem mais o terreno lá, tá vago, é bem do lado do grande hotel de Pato Branco. E passei a pé exatamente onde meu pai comprou e construiu uma casa muito grande, bem onde está hoje a Pizzaria Pancito, na Avenida Tupi. Existia essa casa que o pai comprou, uma casa pequena de madeira, e fez um casarão grande de madeira, com porão, uma parte no nível da rua e mais um andar em cima. Depois tirou até umas fotografias da casa, nós na frente e tal. Uns dias depois queimou tudo, eu tinha uns cinco pra seis anos e eu tenho essa lembrança. Uns 20 anos atrás ou mais, eu levei minha mãe a Pato Branco e diz ela assim “escuta, Jaime, esses lotes aqui estão vazios, será que não são nossos ainda?” (risos). Coisa de 70 anos atrás. Também passei por onde nós moramos em seguida, que erguemos a casa, onde está o banco Itaú hoje, tenho até uma fotografia no escritório dessa casa que o pai comprou do seu Juvino Formigueri, eu era criança, mas eu lembro disso, e quem ajudou o pai comprar foi o seu Juvenal Cardoso, que foi o nosso professor em Pato Branco. E daí trabalhamos no Getsop há muito tempo, trabalhamos no GTC, morou em Curitiba, fundou o centro pato-branquense em Curitiba, naqueles áureos tempos, há mais de 50 anos, e esse Juvenal, quando queimou a casa, ele saiu na vila fazendo uma arrecadação e arrecadou oito mil reis. Com esse dinheiro, o pai conseguiu comprar essa casa do seu Juvino Formigueri. Recordei das duas vezes que morei em Pato Branco, uma há 75 anos e outra há 50 anos, de janeiro a junho de 1965. Aqui não era comarca então eu fiquei em Pato Branco, tinha um tio chamado Ezidio Chioquetta, que construiu uma casa pra mim e disse que era para eu ficar lá e me deu a casa de verdade, graças a Deus, perto da casa dele. Depois devolvi pra ele porque eu fui um sobrinho ingrato, em vez de ficar ali vim pra Dois Vizinhos. Nesse período que eu fiquei em Pato Branco, seis meses, eu fui eleito presidente da Sociedade Esportiva Palmeiras. Fiz um júri também, foi meu primeiro júri, dum peão do seu Mezarroba. Numa briga no baile no último do ano, se desentendeu com o irmão e matou o irmão. O crime aconteceu em 1° de janeiro, em maio já fizemos o júri e eu absolvi ele, meu pai levou um ônibus de gente daqui a Pato Branco pra assistir o meu primeiro júri.

Como o senhor conseguiu absolver?

Tinha argumento, nós usamos muito a legítima defesa, o réu foi agredido, tinha umas provas que ajudaram a fazer a legítima defesa, eu e o João Cardoso, até o João não falou nada, mas ficou me assessorando com livros pra cá e pra lá. Com isso também começou a criar a minha posição de renome aqui por Dois Vizinhos, “ah, o Jaime é um bom advogado”, daí foram me buscar e vim pra cá já em julho (de 1965).

Já veio como candidato?

Cheguei aqui e na mesma noite teve convenção do PTB do Getúlio Vargas, já saí candidato a prefeito, e me elegi prefeito, com 27 anos.

Em Dois Vizinhos o senhor começou a advogar só depois da primeira gestão de prefeito?

Depois da primeira gestão, exatamente. Advoguei muito intercalado, porque depois da primeira gestão nós fundamos a cooperativa (Cooperativa Mista Duovizinhense Ltda. – Camdul) e eu fui presidente durante quatro anos, então tava muito envolvido com a cooperativa, não tinha muito tempo pra advogar. Advoguei durante mais de 10 anos quase só de graça, porque essa história de ter sido prefeito o pessoal “ah, mas eu lhe ajudei, o senhor podia me ajudar?”. E eu, sempre de bom coração, fui, por isso que eu nunca consegui fazer patrimônio de grandes capitais, porque na minha profissão eu sempre procurei ajudar as pessoas sem cobrar esses honorários que, hoje, têm muitos advogados iniciando a carreira e já ficam ricos porque sabem cobrar, eu não sei cobrar.

51 anos depois, qual a diferença de advogar naquele tempo e hoje?

Ah, muita diferença, é demais, primeiro porque naquele tempo em Dois Vizinhos só tinha eu, daí chegou o dr. Nereu, daí o Zipin em seguida, depois o João Mário, ficamos só nós quatro durante quase 20 anos, era uma advocacia meio caseira. Nós atendíamos essa região do Iguaçu de Três Barras, de Quedas do Iguaçu. Existia muito crime naquela época, fazíamos muito júri. A diferença é que naquela época os advogados eram diferentes, o advogado era mais procurado como um verdadeiro defensor, hoje você procura o advogado mais para resolver os problemas que você tem e quer ganhar dinheiro, principalmente com indenizações. A grande maioria das questões hoje são ações de indenização por danos morais, por danos materiais, não são mais ações que fazem com que o advogado se torne um advogado reconhecido e tal.

Mudou também o sistema. O senhor tem uma sala aqui cheia de livros, mas não usa mais, e naquele tempo usava muito?

Usava muito esses livros, qualquer consulta que tivesse que fazer, qualquer ação, tinha que ficar dias fazendo consulta, examinando, procurando, pesquisando, pra depois montar a ação, era difícil mesmo. Não tinha um modelo da ação, não tinha onde buscar algum grande advogado que tivesse feito aquele tipo de ação. Hoje não, vai na internet, esse Dr. Google faz tudo, vai lá, procura teoria, é uma facilidade tremenda. Outro aspecto também, você fazia ações tudo datilografado e era com quatro, cinco vias, com carbono, daí você errava uma palavra tinha que ficar apagando com a borracha, era a coisa mais difícil do mundo, ficava cinco dias fazendo aquele pedido inicial, aquela coisa que iria para o juiz depois de um trabalho muito extenso. Aí terminava, levava pro fórum, na semana seguinte vinha outra ação igual e tinha que fazer tudo de novo, uma semana batendo a máquina, praticamente igual. A internet trouxe uma facilidade muito grande.

Vamos voltar um pouco, o incêndio na casa do seu pai não foi o único naquele tempo de construções de madeira.

O pai tinha uma casa bem grande e no fundo tinha um quarto que ele alugou pra um dentista e, como a casa era de dois andares, três até, porque tinha o porão, e no nível da rua era a selaria, na casinha velha do lado era a sapataria e ainda na casa grande, aqui do lado da sapataria, tinha uns quartos pra alugar, e ele alugou um quarto pra um dentista do Estado, ele funcionava mais em Clevelândia e vinha uma vez por semana em Pato Branco. Bem nesse canto do quarto dele tinha um furinho no assoalho que era pra pôr o chuveiro, que embaixo era onde tomava banho no porão. Mas, como o pai fez o chuveiro noutro lugar, aquele quarto embaixo, onde era o chuveiro, foi utilizado pra depósito de palha pra encher os bastos dos arreios de cavalo. Acredita-se que esse dentista chegou de madrugada, fumando e o cigarro foi, porque começou o fogo bem no canto da casa, aquele feno pegou fogo e queimou toda a casa.

Foi à noite e vocês dormindo?

Dormindo, quase queimou. Somente nós fomos acordados porque foi num sábado à noite e logo à frente da nossa casa, onde era antigamente a delegacia de polícia, um soldado tinha saído pra cuidar de um baile e a família dele morava na delegacia, e a mulher de vez em quando ia na janela pra ver se ele vinha vindo, e numa dessas que ela foi na janela ela viu aquele fogo na frente, saiu correndo gritar. Bem na frente da nossa casa morava o seu Atílio Biavati, que é pai da Beatriz Biavati, ele era um gaiteiro, boa gente, ele que foi acordado por essa mulher aos gritos e veio lá e socorreu nós, quase que morremos tudo queimado. E naquela época, não tinha banco, não tinha nada, e tinha um amigo dele, um tal de Cumin, irmão do Erdino Cumin,  foi servir em União da Vitória e tinha 21 contos de réis, isso em 1942. Deu pro pai guardar e o pai colocou na gaveta de uma escrivaninha e, quando deu o incêndio, ele pisou pra ir na sala pegar, caiu o assoalho. Sorte que conseguiu voltar, senão ia cair no porão no meio do fogo. Então perdeu todo o dinheiro. Se foi tudo e o pai tinha muita moeda, ainda temos hoje guardado aqueles patacão, 400 réis, 200 réis, 100 réis, depois eu fui lá juntar no meio das cinzas esses patacão da queima da casa.

 

O senhor que acompanhou toda essa história, as serrarias transformaram a nossa riqueza em madeira, de pinheiro principalmente, industrializaram. O que ficou de patrimônio daquilo tudo?
Pois é, eu tenho até falado algumas vezes nos colégios, que eu vou fazer uma palestra sobre a história de Dois Vizinhos. Eu falo um pouco sobre os ciclos econômicos que nós passamos. O primeiro que nós tivemos aqui foi o da madeira. O povo chegou aqui em 1950, um pouquinho antes, mas já tinha umas casas aqui, tinha uma vila onde nós tava. Esse povo estava aqui porque tinha uns que haviam fugido da justiça do Rio Grande, de Santa Catarina e tinham se embrenhado nas florestas aqui por água, pelo Rio Chopim, pelo Iguaçu, moravam na costeira dos rios que nem o Padilha, o Maleski, várias pessoas que tinham fugido. Não que fossem criminosos, foi gente excelente que morava aí no mato e que começaram realmente a povoação. Em seguida que vieram por terra os que vieram tirar sítio, marcavam uma área grande de terra, começaram a vender a troco de espingarda, cachorro, cavalo, carroça, porque não existia dinheiro. Esses sítios começaram a ficar pequenos e aumentou o número de gente aqui com uma facilidade muito grande, então praticamente povoou todo esse nosso resto de Dois Vizinhos, mas ninguém queria onde tinha pinheiro, tinha peroba, coisa mais difícil de serrar, de cortar. Todo mundo queria onde tinha mato branco pra poder fazer roça, porque era uma terra melhor, terra gorda, vamos dizer. Somente depois, lá por 1960, é que começaram as serrarias e aí começou a derrubar tudo. Vieram algumas serrarias pequenas no começo, como o seu Orides Machado, a primeira aqui do Perin Galvan, muito pequeninha com motor tocado a querosene, mas se você queria fazer uma casa na serra, tinha que ir a Pato Branco buscar querosene. Depois que vieram os Dalpasquale, os Nicaretta, logo em seguida nós tínhamos mais de 100 serrarias em Dois Vizinhos e acabaram com todo o nosso pinhal, acabaram numa rapidez tremenda. Esse povo todo, só os Nicaretta e os Dalpasquale tiveram algum aproveitamento material porque usaram isso no Mato Grosso. O resto dos madeireiros passaram miséria até, não capitalizaram mesmo, então ficou uma situação muito ruim. O nosso ciclo da madeira foi muito rápido, muito passageiro. 

E depois?
Em seguida veio o ciclo do feijão, do suíno, todo mundo tinha na sua propriedade seus chiqueirões com o ciclo completo, desde o nascimento até a engorda, existiam aí vários caminhões do Pagnoncelli, do Montagner, do Orbem, do Bigaton, uma infinidade de caminhões só pra transportar porco gordo pra São Paulo, pra Minas Gerais, pra Ponta Grossa, então teve uma época muito grande o ciclo da suinocultura. Junto com isso veio o ciclo do milho e do feijão, um ciclo muito bom na nossa região, excelente, que até hoje continua, só não de feijão, mas de milho sim. Daí veio a soja e com isso entrou a Sadia. Entrando a Sadia, junto com a agricultura, entrou a bovinocultura de leite. O leite foi pra nós uma coisa maravilhosa. Quando eu fui prefeito pela segunda vez, juntamente com o Itamar Boaretto, que era meu secretário de Agricultura, nós fomos ao Uruguai comprar umas novilhas, ele comprou 80 novilhas e nós entregamos para a agricultura do nosso município e começou efetivamente um cuidado mais específico na genética, no aperfeiçoamento do gado leiteiro, tanto verdade que hoje o Sudoeste diz que é a maior bacia leiteira do Paraná. Então nós temos orgulho de ter participado, há mais de 20 anos, do começo, fazer com que o agricultor tivesse uma experiência com orientação técnica, isso era muito bom.

Qual a diferença de quando o senhor chegou em Dois Vizinhos e quando chegou em Pato Branco?
Quando eu cheguei aqui, eu tava com 16 anos, eu vim a cavalo as primeiras vezes de Pato Branco pra aqui, porque o pai, o Jairo e o tio Ernesto já estavam aqui há um ano, mais ou menos, tinham vindo antes montar uma selaria e sapataria, porque meu pai sempre foi seleiro. Já em Pato Branco, quando queimou a casa, ele tinha 17 empregados, aquilo em 1940, imagina, era que nem uma agência de automóveis, porque não existia carro, só existia cavalo, o caboclo ganhava dinheiro com feijão ou matando os bichos do mato e levando o couro pra trocar por apeiro, lá encilhava o cavalo da melhor forma possível. Era fila de cavalo sendo encilhado na selaria do meu pai. Aqui aconteceu a mesma coisa, tinha muito bicho no mato. Os caboclos matavam os bichos, vinham com os couros, entregavam pro meu pai e o meu pai encilhava os cavalos com apeiro, com arreio, com badana, com peçuelo, um monte de coisa. O pai tinha uma selaria muito grande, foi efetivamente um industrialista de primeiro nome em Dois Vizinhos. Num primeiro momento, foram eles que vieram aqui, então eles vieram e eu vim de Pato Branco, que nós morávamos no Ipiranga ali, e vinha a cavalo pra trazer um pouco de farinha, um pouco de sal, um pouco de açúcar, porque não tinha nada aqui. Uma vez eu vim numa mula bem grande, eu e o seu Ernesto Müller, irmão do Ari Müller, foi a primeira viagem que eu fiz. Tinha chovido muito, todos os rios, do Ipiranga até Dois Vizinhos, era tudo a vau, só o Santana que tinha balsa. No Lajeado Grande tava muito alto o rio, nós tentamos passar assim mesmo e eu tinha trazido uma bolsa de farinha dobrada em duas e, ao passar o rio, molhou as pontas da bolsa. Quando cheguei aqui de noite, o pai ficou brabo comigo, quase quis me surrar “onde já se viu não cuidar disso e tal”. No dia seguinte ele foi tirar a farinha do saco e não tinha molhado nada, só tinha molhado uma crostinha em roda na bolsa. 

E a história do caminhão que tombou?
Meu pai comprou o primeiro caminhão de Pato Branco, um ano depois que queimou a casa já tinha se refeito e comprou um Ford 1946, vindo dos Estados Unidos. O caminhão chegou em União da Vitória de trem, e daí teve que ir buscar, mas não tinha motorista, convidou um cunhado dele de Sananduva pra ser sócio e ser o chofer do caminhão. Ele veio, andava com o caminhão novo em Pato Branco e daí foram a Paim Filho buscar uma mudança, a mudança do velho Bortot, que era sogro do tio Atílio Guzzo, irmão do meu pai, e do Avelino Guzzo, de Itapejara, os dois irmãos eram casados com duas irmãs, a Eulália e a Ideli. O meu pai foi buscar a mudança do sogro dos meus tios, o Jairo, meu irmão, foi junto, a Gelse do tio Atílio também foi junto pra visitar os tios no Rio Grande. Carregaram a mudança que no dia seguinte iam sair cedo e tal, o pai disse “mas, peraí, o caminhão é meu, eu que vou dirigir”. Chegando em Erechim deu um problema, tava meio molhada a estrada, tombou o caminhão e morreu três pessoas: morreu o meu tio, que era o motorista, irmão da minha mãe; morreu a dona da mudança, a velha Bortot; e morreu uma filha dela. E o Jairo quase morre também porque caiu um baú em cima da perna dele, quebrou uma perna e era perto de um banhado e na água ele tava quase afogando. Meu pai não tinha carta de habilitação e foi preso, daí um deputado ajudou a tirar ele da cadeia, foi bem complicado. O meu pai tinha muito em Pato Branco, toda aquela baixada bem no centro, indo à direita ali na Tupi, entre a Tupi e a Guarani, tudo era do meu pai, teve que dar tudo aquilo para os Bortot em indenização e o caminhão também. 

Ficou sem nada?
O pai ficou sem nada, vendou a casa também ali no Itaú, foi morar perto do Penso, que tinha um matadouro de suínos na saída de Pato Branco, o pai dele, seu João Penso, o Florindo era um piazão naquela época, tinha uns dez anos a mais que eu, e o pai morava na frente, dali o pai veio morar no Ipiranga, e no Ipiranga ele ficou uns três anos de agricultor. Se acabou totalmente, primeiro com a queima da casa, depois com o tombo do caminhão, mais as mortes e tudo. Do Ipiranga que ele veio pra cá, o seu Fiorelo Zandoná, que era compadre dele, morava ali no Ipiranga, tinha um cunhado que morava aqui, o Ari Müller, sempre dizia “ah, lá em Dois Vizinhos é um lugar bom, vamos lá”. Daí o Fiorelo um dia pegou um jipinho e vieram,  o pai se entusiasmou e o Ari disse “se você vier aí, compadre, eu te dou dois lotes pra construir, um pra você e um pro Ernesto”. E deu esse onde eu tô aqui pro meu pai e esse aí do lado pro seu Ernesto; e daí deu a praça toda ali pra fazer a igreja, ele era dono de tudo aquilo ali, e o Perin Galvan era dono lá pra cima. E o meu pai voltou a ser seleiro e cortumeiro em Dois Vizinhos.

E o caminhão do Jairo que queimou?
O Jairo começou a ser motorista. Uma vez, eu estudando em Curitiba já, ele vinha voltando de Curitiba com o caminhão, era um caminhão a gasolina ainda, isso em 1960, 59, e tinha levado um caroneiro, seu Benvindo Colla, era um dentista que tinha aqui, amigão dele. Carregaram o caminhão com coisas pra servir aqui, porque o pai tinha um bodegão assim de secos e molhados, e quatro tambores de gasolina atrás do caminhão também. Ali nos campos de Palmas diz que os caminhões vinham que vinham, e saía uma fumaça. Foram lá ver, tinha pego fogo, queimou o caminhão inteirinho, toda a mercadoria que tinha em cima  e quase queimou o Jairo e o carona.

E seguro não tinha também.
Não tinha nada. E o Jairo chega lá de volta, chegou chorando no meu apartamento, eu morava numa quitinetezinha, “queimou o caminhão na estrada, e agora, o que eu vou fazer?”. E foi lá e comprou outro caminhão devendo aquele, e pagou os dois. Naquela época, o Jairo era um piazão, tinha uns 21, 22 anos.

O seu pai usava couro de animais silvestres?
Sim, usava; eu também trabalhei muito com couro de anta, couro de pardo pra fazer badana, couro de lontra usava muito pra fazer cinto. Tem um rapaz, chamado Hermes Walschak, ele tem uma cinta de couro de lontra que meu pai fez, ainda e usa, se exibe com aquela cinta. Era o couro com uma pelezinha maravilhosa, a lontra tem uma pele muito boa. Bom, essa aí tem mais de 50 anos e o cara tá usando a cinta ainda.

Aqueles couros de animais silvestres eram consumidos aqui?
Não era consumido todo, só a lontra, a anta, porco do mato alguma coisa, a maioria desses couros o pai levava caminhonadas pro Rio Grande nos curtumes de Erechim e Bento Gonçalves e vendia lá. A cada seis meses, ou menos até, ia uma caminhonada de couro pra lá. Era muito bicho. Eu trabalhei como seleiro aqui em 54, vivia trazendo couro, mas um monte, e continuou mais uns anos assim ainda.

São 51 anos de advogado e 52 anos de casado, dr. Jaime, o seu casamento deu certo?
Deu certo, graças a Deus. Eu namorei a Heda durante uns 10 anos, foi bem de criança ainda, eu vim pra cá e ela também veio, morávamos vizinhos, ela morava nos fundos da minha casa. Quando eu vinha do colégio de Curitiba, eu sempre encontrava ela ali por casa. Começamos um namoro assim de piazada e foi indo. Mesmo estudando, resolvi casar, estava no 4º ano de Direito. Fiquei dois anos com ela em Curitiba, minha filha Viviana nasceu em Curitiba e a Silvana nasceu em Pato Branco, nesses seis meses que eu fiquei em Pato Branco, nasceu em abril de 65. Viemos pra Dois Vizinhos e tivemos mais três filhos aqui, a Adriana, o Jaiminho e a Luciana. Meus filhos, então, têm dois em Curitiba, Viviana e Adriana, o Jaiminho está de advogado em Roraima e a Luciana e a Silvana aqui em Dois Vizinhos. Luciana é enfermeira e Silvana é advogada. A Silvana trabalhou muito tempo na defensoria pública. Ela era advogada do Estado da Secretaria de Justiça, agora trabalha na penitenciária central de Francisco Beltrão. Eu tenho esses cinco filhos, todos já encaminhados, graças a Deus, tenho nove netos. Em julho nós fomos em Roraima porque nasceu o meu neto que vai levar o meu nome, o Jaime Guzzo Neto.

Em 78 anos de vida, oito anos foram dedicados à prefeitura.
Pois é, num primeiro momento eu fui prefeito meio sem saber até o que era, era meio piá demais. Eu tinha tido uma experiência, nos tempos de faculdade, nos grêmios estudantis, mas nunca uma experiência na política externa, política de município. Cheguei aqui, me jogaram uma prefeitura na mão, uma prefeitura que, na época, o seu Germano Stédile era muito contra o governo Nei Braga, o governo deu até uma motoniveladora pra cada município quando foi criado Marmeleiro, Ampere, Renascença, Santa Izabel, Realeza, Vitorino, Mariópolis. O Germano disse “não, eu não quero, se vem do Estado pode ficar pra você”. Ficou uns dois anos a máquina em Ampere porque ele não quis aqui (risos). O governo deu a máquina e 500 mil cruzeiros, para pagar as contas e instalar o município, também não quis. Daí construiu as escolas públicas municipais, “Escola Pública Municipal, construída pela Administração Municipal sem o auxílio do Governo do Estado” (risos), as placas diziam assim. Quando eu assumi a prefeitura, tava bem ruim a cidade, não tinha nada. Ele já tinha autorizado fazer casa no meio da rua, aqui estavam começando a medir a cidade, eu que terminei. O seu Domingo de Fábris tinha uma licença pra construir o barracão da oficina dele no leito da rua. Quando eu soube, fui lá tirar ele, ele disse “não, senhor, olha aqui, chefe, tá aqui minha licença pra construir no leito da rua”. Como é que eu ia tirar? Demorei dois anos pra tirar. Mas o pior não era isso, o pior é que não tinha pago os funcionários há mais de seis meses, e os funcionários recebiam um empenho da prefeitura. Pegava esse empenho na prefeitura e ia trocar nas bodegas, nos centros de comércio, nas serrarias, trocava e pegava madeira e os comerciantes ficavam com os empenhos nas mãos. Quando eu assumi, foi mais de seis meses para eu recuperar os empenhos que tinha nas casas de comércio. Foi muito difícil mesmo, eu tive a sorte de ter uma equipe boa. Quando eu assumi, ele me entregou a chave, “essa é a chave do nosso jipe, o único carro que o município tem”. Era um jipe de duas portas com capota de aço, ele disse “o jipe não tá aqui, tá lá no meio do pinhal do Florindo Piva, em Nova Prata, que o Ivaldo foi visitar a sogra dele ontem e estourou tudo os pneus lá, então tem que ir buscar”. O Ivaldo era o fiscal da prefeitura, me deu só a chave (risos). Mas você veja, eu assumi dia 28 de novembro de 65, em setembro de 66 eu já tinha em Dois Vizinhos um trator importado da Itália. No outro ano, em 67, eu já tinha outro trator importado da Itália, tenho até aqui os documentos do trator,  ele chegou em Gênova em 5 de setembro de 1966, e em 20 de setembro eu já tinha ele no porto de Santos.

 

 

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