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Francisco Beltrão
domingo, 01 de junho de 2025

Edição 8.216

31/05/2025

Joana Knerek Govacki: Algumas variações no nome e muitos anos de vida

Variações em nome e sobrenome acontecem muito. É o caso de Joana, também conhecida por Joanina; o sobrenome de seu pai é Knyrek, mas o dela é Knerek; ela casou com Eduardo Govaski e em seu documento ficou Govacki. O que acontece pouco é chegar aos 95 anos em completa lucidez. E para ajudar a lembrar o passado, além dos filhos, netos, bisnetos e demais pessoas de sua convivência, ainda tem um diário que ela escreveu durante várias décadas.

Joana Govacki com seu diário.

Joana nasceu em Getúlio Vargas (RS), dia 12 de abril de 1923, filha de Anna e João Knyrek. Dia 26 de julho de 1943, casou com Eduardo Govaski, com quem teve sete filhos.
Eduardo nasceu em 26 de julho de 1919 e morreu em 24 de julho de 2003, faltaram dois dias para completarem 60 anos de casados. Em 1976, a mudança da família para o Paraná, abrindo estabelecimento comercial na Linha Doca, interior de Marmeleiro, onde vive até hoje.
No Rio Grande, ela foi professora. “Eu era professora. Estudei na escola das freiras, irmãs de caridade de Cotegipe. Fiquei cinco anos sem voltar pra casa porque não tinha com o quê, eram 70 quilômetros.”
Sua casa fica ao lado da casa do filho Cláudio e da nora Terezinha. Foi ali, rodeada de filhos, netos e bisnetos, que ela concedeu esta entrevista.

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JdeB – É Joana ou Joanina?
Joana – Quando o pai foi registrar, foi Joanina. Lá no cartório, quando fizemos o documento, falei pro escrivão que não precisava colocar como tava no registro e ele disse que tinha que ser, tinha que acompanhar.

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Qual nome a senhora prefere?
Eu assino Joana, mas no registro é Joanina. Na escola e por tudo eu escrevia Joana.

E o sobrenome de solteira, qual que é?
Knerek. Era Joanina Knerek. Antigamente não podia mudar. Na escola eu mudei porque achei feio. Meu pai era João e minha mãe era Ana Knyrek.

No lugar do “e” colocaram “y”.
Mas é que eles não sabiam escrever antigamente. Hoje são tudo estudado e cada um fazia como achava que era. Minha mãe nem sabia escrever. O y não existia no Brasil e o escrivão não sabia. Lá em Beltrão que fizeram meus documentos. O sobrenome da minha mãe era Gempka. Ana Gempka.

A senhora tem Knerek do pai, Gempka da mãe e Govascki por parte do marido?
Sim. Quando casei, peguei o sobrenome do marido no registro de casamento e meu esposo era Eduardo Govaski, mas foi registrado sem o s.

A senhora casou em Getúlio Vargas?
Casei na igreja e no civil no mesmo dia lá em Getúlio Vargas.

Foi o padre Dionísio Basso? E a Igreja?
Sim, e a igreja era Nossa Senhora de Lurdes. Nós casamos dia de semana e, quando fomos dar os nomes, o padre escolheu o Dia de São Joaquim, 26 de julho. Porque eu dava catequese no 40 e ele queria que eu casasse num dia de valor, então, quando fomos dar os nomes, eu queria no sábado, porque era uma vergonha ir com 30, 40 cavalos em dia de semana, era feio! Nós queria sábado e ele disse que não. “Como você sempre trabalha na Igreja, eu vou escolher o dia do teu casamento”, e ficamos assim. “Vocês vão casar no Dia de São Joaquim”, e nós nos olhamos assim “o que vamos dizer agora?”, pedi “que dia vai ser?” “Terça-feira”. Meu noivo ficou meio assim porque era vergonha casar em dia de semana.

Por que era vergonha?
Porque era só nos sábados os casamentos, ninguém casava em dia de semana. O Eduardo disse “padre, eu acho que vamos casar que nem os outros”. E ele disse “não, porque eu não vou ter tempo e quero dar uma bênção especial pra vocês”. Ele disse “vocês vão casar na terça-feira, que é dia dos pais de Nossa Senhora, São Joaquim e Santa Ana”. Daí disse pro padre assim “eu vou falar com meu pai e ver o que ele vai dizer”, porque pensei que eles poderiam não gostar. E o pai disse “se ele quer dar uma bênção especial, vocês vão ir bem. E nós, ali, o que vamos mandar?”. Um dia fomos pro Getúlio e fui na canônica, entrei e conversei com eles e o padre “não, não se preocupa. Eu vô tá esperando vocês na porta.” O que a gente vai dizer? Daí falei pro Eduardo “o padre disse que vai esperar a gente na porta” e ele também, mais vergonhoso que eu, “vamos fazer como o padre quer”. Meu pai disse que ia ajudar a gente e tinha um táxi pra vir buscar e levar. Meu pai foi falar com o taxista – porque só tinha um taxista lá em Getúlio naquele tempo – e o taxista disse “eu vou, eu levo eles e trago na igreja. Deixo na igreja e vou fazer minhas voltas. Depois vocês ficam esperando e venho buscar vocês”. O taxista foi fazer as voltas dele e o padre deu uma bênção especial na cabeça, com uma cruz, e o taxista já veio também. Esperemos o padre terminar a cerimônia e o padre levou nós até a porta da Igreja e o taxista tava esperando, ele abençoou o carro do taxista e nós embarcamos e fomos em casa.

Se o padre tivesse casado no sábado, como a senhora queria, e não na terça, vocês teriam completado 60 anos de casamento?
Sim (risos).

Como foi a festa do casamento?
Não foi muito grande, porque nós não podia fazer. Meu pai queria fazer, mas meu esposo tinha comprado terra e tinha gastado quase tudo o dinheiro, e meu pai disse “vamos fazer uma janta e vamos jantar de dia”. Naquele tempo faziam uma janta pra todos os convidados. Depois da janta ele tocava gaita. E daí ele disse “a sala é grande, juntamos tudo e vamos dançar”.

Dizem que naquele tempo faziam três dias de festa.
Só um dia. Às vezes, depois de meio-dia, porque sempre tinha gaita ou violino. Meu pai e meus irmãos tocavam gaita e nós levava a bandeja. Eles tinham gaita boa. Gente tinha emprestado dinheiro do meu pai e não entregava, e aquela pessoa tinha uma gaita nova, lá em Getúlio, e disse pra minha mãe assim “você não quer levar essa gaita?” “Quero” “Então eu dou”, e o meu pai pegou a gaita. E depois faziam as festas e onde precisava, ele já sabia tocar gaita e nós cantava.

Em polonês?
Em polonês. Naquele tempo a gente não cantava em brasileiro, não sei se não sabiam ou não queriam. Os italianos cantavam também. Depois, com essa gaita do meu pai, quando tinha aniversários na família, o pai, a mãe e os filhos convidavam quem queriam. Onde tinha moça e rapaz, dava uma quantia grande de jovens e de noite, escurecendo, o meu pai aceitava com a gaita e eles entravam e já dançavam e ficavam até a hora que queria. Era bonito! Ninguém tomava pinga e não tinha problema.

Deu bastante dinheiro pros noivos?
Tinha o dinheiro do noivo. Quem fazia o casamento e tinha o gasto ficava com o dinheiro. Porque foi mandado fazer bolo, bolachinha de monte, churrasco e alguma coisa quem queria tomar.

Foram morar junto com os pais?
Nós não ganhamos nada dos pais dele, nada. O Eduardo ficava triste, eles tinham dinheiro e não deram porque não queriam. Eles tinham plantado muito feijão, milho e criavam bastante vaca de leite. Mas a mãe do Eduardo era mão fechada e ruim, dava pra quem queria. Falavam de fazer casamento e meu noivo falava pra mim “o que vamos fazer e com o quê?”. Tinha um comerciante, o Mafessoni, ele dizia “mas fazem o casamento que eu ajudo também”. Daí falei pro meu pai e pedi o que ele achava “o Eduardo não ganhou nenhum pila dos pais dele”, e meu pai disse “não se preocupa, nós vamos fazer a festa com o padre e de tarde vocês chegam aqui e vamos fazer uma janta e vamos receber vocês com a gaita e casados”. Tinha uma sala e aí ele disse pra gente entrar dançando, eu tocando gaita e todos os padrinhos dançando.

A senhora dava catecismo?
Sim. Eles faziam o curso pra nós em Passo Fundo e a matriz pagava e a gente ia fazer. Eu dava catecismo desde solteira e depois, quando trocaram o papa, ele mudou um pouco a catequese. Dava catecismo, visitava os velhos, os doentes, que antigamente não sabiam rezar em brasileiro, os poloneses rezavam em polonês, os italianos em italiano e os negros não sabiam rezar. Na nossa capela formou oito catequistas, porque os antigos não sabiam rezar em brasileiro. Os poloneses rezavam o rosário e de Nossa Senhora e depois iam pra casa e em italiano rezavam de tarde, os jovens, os velhos, todos se recolhiam e rezavam de tarde. Nós cantava pra Nossa Senhora “Mãezinha do Céu, eu não sei rezar, só sei te dizer que vou te amar. Azul é teu manto, branco é teu véu, mãezinha, eu quero te ver lá no céu”, todo mundo cantava, os homens, as mulheres, idosos e crianças. Achavam bonito as crianças cantando na igreja e eu ensinei aqui no Paraná também.

Quando vocês casaram, foram morar com os pais?
Quando casamos, não ganhamos nada. Fiquemos um ano com meu pai, porque o meu esposo estava preocupado com onde a gente ia morar. Minha mãe, além de não dar nada, ainda tirou meu capital. Tinha aquele comerciante Hermínio Mafessoni, a gente comprava açúcar, erva, tudo que era coisa, pagava fiado e pagava quando recebia. O Hermínio disse assim: “Eduardo, compra aquele casarão de mim”. Aí eu perguntei: “Seu Hermínio, você tá dando essa casa de graça? Você sabe que a gente não ganha nada, vamos pagar com o quê?”. Ele disse “Joana, não tô pedindo dinheiro, tô querendo fazer bem pra vocês”. Eu disse que ia falar com meu pai. Meu pai disse “não se preocupa, se ele tá dando, pegue a casa”. Era pra pagar conforme entrava um dinheirinho. Ele falou que ia conversar com o comerciante, o Guandalin, porque aquela terra era dele, pra fazer uma casa lá, aí, enquanto fosse ganhando dinheiro, anotava nos papel quanto a gente pagou. Falei pro Eduardo e ele ficou muito triste, mas eu disse pra ele não ficar triste, porque Deus tem mais pra dar do que o diabo pra tirar. Falei com o Hermínio e ele disse que, como a gente ia plantar feijão, arroz, quando fosse entrando dinheiro, a gente ia dando, fazia uma nota e assinava. Daí ficou assim.

Como foi pra criar os filhos?
A gente ia trabalhar na roça e levava eles junto, achava uma sombra, levava pelego, uns travesseiros e deixava eles lá, dormindo, correndo, brincando. Eles obedeciam.

Todos os filhos nasceram de parto normal?
Todos. Nenhum no hospital.

Dos sete, a senhora tem cinco filhos hoje? Aquela que morreu com 13 anos, morreu do quê?
Ela já era doente desde pequena, nasceu antes do tempo. Mas viveu 13 anos, era uma mocinha. Dormia pouco, comia pouco e só caminhava por tudo, queria que a gente acompanhasse. Era a Ênia. Ela convidava pra gente rezar e eu dizia que de noite a gente rezava, primeiro tinha que ajudar no trabalho. A gente levava ela no médico, lá no Hospital Getúlio Vargas, mas o médico dizia que não tinha nada. Era uma mocinha bonita, de cabelo comprido. Levamos no médico em Passo Fundo e ele também disse que ela estava boa. Aí ela ficou internada e ele chamou um especialista pra ver o que ela tinha que não dormia. Fiquei uns cinco ou seis dias no hospital e eles não descobriram, aí perguntaram se a gente tinha muito dinheiro, porque ia custar bastante. Disse que, se fosse preciso, a gente vendia as terras. Aquele especialista começou a examinar e, quando chegou na cabeça, ele disse “agora descobri! Ela nasceu antes do tempo”. Daí ele explicou que o corpo desenvolvia bem, mas a cabecinha não. A gente pediu pra curar ela, a gente podia ir pra Porto Alegre, ou algum lugar assim, mas o doutor disse que não adiantava gastar nosso capital, porque ela não ia viver. Voltamos pra Getúlio, até que começou ficar fraca, doente, chamamos os padrinhos dela, os vizinhos e o padre. O padre abençoou e depois ela faleceu.

E a senhora gostou do Paraná?
No começo, não, a gente estava bem lá. Depois veio o Casimiro, que é casado com minha filha, depois o Vicente, que é casado com outra filha. Eles vieram pro Paraná e aqui era só mato, depois veio o Cláudio junto com a gente e toda a família. Lá na Doca, domingo, na igreja, o Oreste disse que quem começou a Doca foi a família Govacki.

 

Como a senhora aprendeu a ler e escrever?
Comecei a ir na aula com 10 anos, era longinho, dois quilômetros, e a gente ficava o dia inteiro. Tinha uns professor da Polônia que viajaram de navio até o porto, daí a piazada pedia por que eles vieram pra Getúlio Vargas. Eles diziam que naquele tempo viajavam numa balsa movida a vento, ela foi vindo até chegar no Brasil. Não sabiam falar brasileiro, só polonês, e queriam chegar no Rio Grande. Tinha um homem que levou eles e de lá se separaram. Um deles era o professor Francisco. Eu já tinha estudado e ele queria que meu pai mandasse a gente pra escola em polonês. Eu chorava, já tinha terminado o curso em brasileiro, mas meu pai apoiava ele. Daí a gente ia lá e esse professor Francisco disse pra eu ir estudar em Curitiba. Só que eu não queria, eu falei que queria ajudar mamãe, que tinha quatro ou cinco crianças pequenas e mais vaca de leite. Meu pai apoiava o professor e daí fui pra Passo Fundo e fiz meus exames lá, tudo por conta da prefeitura. Estudei lá cinco anos e daí criaram um colégio, em Cotegipe, das irmãs de caridade, essas de chapéu, que vieram da Polônia também. Esse professor enchia meu pai pra me mandar pras irmãs de caridade. Tinha um padre lá de Getúlio que trabalhava em Cotegipe, um dia ele foi rezar a missa e insistiu tanto que foi na casa do meu pai pedir pra eu estudar lá. Fui junto com ele, fiquei cinco anos sem voltar pra casa. A gente levava merenda na escola pra comer e eu ficava de tarde pra estudar em polonês. Em polonês tinha toda a história da Polônia, da Rússia e quando os russos invadiram a Polônia e como o presidente brigava. Tenho um monte de cadernos guardados. Teve uma empregada que começou a fazer a limpeza pra mim e ela queimou um monte. Um certo dia eu vi e pedi “por que tu queima isso?” E ela “é coisa velha guardada”. “É pra mostrar pras crianças, pros netos e bisnetos como era antigamente. Não é coisa velha, se fosse velha, seria rasgada ou comida pelos ratos.”

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