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Francisco Beltrão
quarta-feira, 28 de maio de 2025

Edição 8.214

29/05/2025

Leite: Gigante do Sudoeste

Trinta anos de produção leiteira transformaram o Sudoeste do Paraná na maior bacia do Estado. Mas as produções que hoje ultrapassam a marca de 1 milhão de litros ao ano se veem ameaçadas, depois de muito tempo, por um inimigo invisível, o coronavírus.

Os planaltos do Sudoeste do Paraná e a gradual ocupação da região por agricultores familiares propiciaram a ascensão da produção leiteira na terra que era vista como prometida. Em trinta anos, a região, de tímida nesse setor, se converteu na maior bacia leiteira do Estado do Paraná e os números mostram uma produção que, em 30 anos, aumentou mais de 600%, segundo dados das Pesquisas Pecuária Municipal (PPM), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Hoje, o estado é responsável por uma fatia de 9% do leite produzido nacionalmente, atrás apenas de Minas Gerais, Goiás e Rio Grande do Sul. Mas, depois de três décadas de ascensão, a produção e todos seus elos começaram a temer pela primeira vez: pelo coronavírus.

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Há 23 anos, o hoje diretor e presidente do Laticínio Alto Alegre, instalado em Verê, Lino Alfeu Zeni, de 55 anos, assistiu os incentivos mudarem o cenário de uma região que sofria com o êxodo rural. Ele mesmo protagonizou essa metamorfose com a instalação do laticínio, a partir de políticas públicas que ajudou a criar. “Não foi fácil não, porque os históricos das associações para industrialização não eram favoráveis, nem os bancos acreditavam em emprestar dinheiro para grupos. No início tudo foi muito difícil, e começou com 60 litros de leite por dia, que era só dos associados”, lembra Lino Zeni, que hoje coordena uma produção diária de 160 litros por dia, aumento de 116% em relação ao início dos anos 2000.

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O que funcionou na época foi o Pacto Nova Itália, instituído dois anos antes, em 1998. O programa, que levava este nome devido ao país italiano ter políticas semelhantes, estimulava a organização de comunidades rurais e projetos de desenvolvimento econômico a partir da qualificação destas mesmas comunidades. O pacto começou na região Sudoeste, com apoio da Associação dos Municípios do Sudoeste do Paraná (Amsop), e também emitia selos de qualidade aos produtores aliados.

Lino Alfeu Zeni, diretor e presidente do Laticínio Alto Alegre, instalado em Verê.

Lino era vereador em Verê na época de assinatura do pacto. Filho de agricultores que vieram do Rio Grande do Sul, foram seus pais que doaram o terreno onde hoje está o Laticínios Alto Alegre para a prefeitura. Na época, o terreno foi usado para construção de uma escola, e Lino não imaginava que o espaço retornaria para ele anos depois.

Do Pacto Nova Itália, Lino estabeleceu o laticínio e deixou a política, assistindo, ano após ano, pequenos produtores se firmarem na região devido à medida. “Teve duas situações: as indústrias que estavam em Verê pararam as atividades, lá pelos anos 2003, 2004. Várias culturas não deram certo e o leite se encaixou. Houve uma demanda do campo para produzir mais leite. E onde tem leite, tem indústria. Era um momento oportuno, e aí deu certo.”

Ascensão histórica: aumento de 200%
Nos anos 2000, os dados da PPM apontavam para uma produção impensável hoje. Eram 283 mil litros anuais na região Sudoeste – pouco mais de 700 litros de leite produzidos diariamente entre os 42 municípios da região. Neste cenário, foi Francisco Beltrão a cidade que despontou, aumentando em 200% a produção a partir daquela década. Em 20 anos, passou de 283 mil litros para 1,043 milhão de litros, 2.581 litros diários.

Evoluções como essa permitiram não só o aumento de famílias dedicadas à produção leiteira, como também a instalação de laticínios. Segundo o diretor do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados do Paraná (Sindileite) da região, Valdomiro Leite, hoje são praticados três modelos de produção de leite no Sudoeste: o extrativismo, composto de barn e sistema free stall. Os modelos vão do menor ao maior confinamento dos animais, sendo o primeiro o extrativismo, com animais em maior liberdade, geralmente junto a vastas pastagens, o segundo com animais criados em uma espécie de pavilhão com serragem no solo (comumente chamado de estábulo com material de compostagem), e o terceiro com maior confinamento, aonde as vacas leiteiras têm “alojamentos próprios”, divididos, geralmente, por estruturas metálicas.

“Com o crescimento da produção leiteira também foram crescendo e se instalando laticínios e hoje a região é a que possui o maior número de laticínios no Paraná. E, lógico, com a vinda dessas indústrias nos diversos municípios do Sudoeste, houve mais competição pela matéria-prima”.

De acordo com dados da Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep), existem 41 laticínios entre as 42 cidades da região Sudoeste. O Sistema Faep não possui dados de quantos produtores existem na mesma região, mas em todo o Estado do Paraná são mais de 6 mil.

Maior bacia leiteira ameaçada pela Covid-19
Como nunca antes na história, o Sudoeste se vê ameaçado por um inimigo comum a todos os setores, o novo coronavírus (Covid-19). É de consenso da categoria que é preciso buscar alternativas e união dos elos, mas Valdomiro Leite destaca que há produtores temerosos diante do fechamento de estradas, medidas necessárias para contenção da transmissão do vírus, mas que impedem o translado de lácteos nos mercados consumidores.

Segundo o presidente da Câmara Setorial do Leite e Derivados, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e vice-presidente do Conseleite Paraná, Ronei Volpi, ainda não foram registrados descartes na região e se tem buscado manter os valores estáveis. “Nós tivemos entre janeiro e março uma estabilidade de preço do produtor. Os valores estavam entre R$ 1,40 e R$ 1,60, com variação de indústria para indústria, do produtor grande para o produtor pequeno. E até o final de abril apresentava estabilidade. Mas os preços começaram a baixar, e nós sinalizamos que em abril não era para baixar o preço. E essa queda é percebida do produtor para indústria e do produtor para o atracado. No varejo você não vê baixa, apenas em algumas produções. Então não se vê queda de preço para o consumidor”, apontou Volpi, que acredita que só a volta da estabilidade, com manutenção das feiras, restaurantes e mercados deva garantir a total normalidade para o setor. Mas pondera que para isso é necessário haver sinalização da Saúde.

A busca por novos mercados, inclusive os exteriores, também está na lista de alternativas defendidas por Volpi. “Em maio, o leite brasileiro se tornou altamente competitivo. Então nós vamos ter que trabalhar, fazer as empresas se preocuparem para, além do abastecimento do mercado interno, ter a exportação. Está na hora do setor lácteo ir para exportação. Isso eu vejo como uma oportunidade. Hoje a exportação é praticamente nula. Talvez tenha alguma coisa, mas sem volumes expressivos. O Brasil ainda é um importador de lácteos.”

Produção afetada, revezamento na produção industrial
Lino Zeni vê vários cenários criados pela pandemia do coronavírus. Desde que trabalha no setor, nunca sentiu o abalo nas produções, como nos últimos meses. “O que está acontecendo hoje é que já se tem mais produção do que consumo. Se a pandemia continuar e o consumo não melhorar, aí vai ter um excedente do leite. O que pode acontecer? O Estado tem pensado em comprar leite para fazer um trabalho social, repassar para escolas, para o pessoal do Bolsa Família e para outros fins sociais. Com o aumento do dólar, existe a possibilidade de vender leite em pó, porque flui bastante, a cada 10 litros de leite, você consegue fazer um litro de pó. Quando se fala de exportação, seria um volume enorme de leite que estaria ecoando. Se nada disso acontecer, infelizmente, vai sobrar leite no mercado”, avalia.

O laticínio conta com 140 funcionários. Desses, entre março e abril, apenas metade seguiu em produção. Foram feitas duas equipes – segundo Lino Zeni –, os trabalhos foram intercalados a cada 15 dias. Ou seja: em uma quinzena trabalhava um grupo de 70 e, na outra quinzena, outro grupo de 70.

A linha do tempo traçada pelo diretor do laticínio vem desde meados de março, quando o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, deu os primeiros anúncios pelo isolamento social. O resultado imediato foi a saída de leite longa vida das prateleiras. Lino acredita que houve famílias que estocaram leite para até 60 dias, pelo volume dispensado, o que causou uma leve aumentada no preço do longa vida, que ficou em baixa no mercado por cerca de 30 dias. Nesse período, Lino passou a ver a saída do leite spot.

Segundo o diretor do laticínio Alto Alegre, essa saída equilibrou as contas, diante da queda de produção da mussarela. Para se ter uma ideia do impacto, o laticínio chegava a produzir 17 toneladas de mussarela por dia, e, de repente, apenas 30% desse volume estava sendo mantido. Não só a mussarela, a nata teve a produção 100% paralisada, e a manteiga manteve apenas 30% da produção. “Isso porque os restaurantes estavam fechados, então não teve produção. Inclusive, devolveram o que compraram, porque, com o fechamento e a qualidade curta, os produtos foram devolvidos”, pontua.

Luz no fim do túnel
Após a saída do leite spot, entre março e abril, a aposta se manteve no soro de leite, que subiu de preço e não diminuiu o consumo. Hoje, 80% do soro produzido pelo laticínio Alto Alegre tem destino certo: uma fábrica da Nestlé, em Carazinho. Além disso, o início da produção de manteiga com foco em mercados do Nordeste e Rio de Janeiro mantiveram as contas ativas.

“Estamos voltando a produzir normalmente”, disse Lino no início de maio, quando a mussarela retomou a 100% da produção e a manteiga subiu a 40%. “Todo o leite que fica aqui está sendo produzido. O preço sinalizou aumento e me parece que os preços estão se encaminhando. Ainda não dá para dizer que voltou a normalidade, mas já dá pra enxergar uma luz no fim do túnel.”

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