Analista em Socioeconomia da Embrapa Gado de Leite aponta alternativas para produtores de gado leiteiro durante pandemia, mas alerta para futuro do setor: “É certo que teremos um cenário bastante desafiador”.

As incertezas da pós-pandemia chegam ao setor de lácteos em um momento em que já se teme o descarte dos produtos. Embora a região Sudoeste do Paraná ainda não tenha registrado perdas volumosas, o medo aparece ao lado da queda dos valores no atacado e varejo e coloca em xeque a manutenção de produtores.
Para o zootecnista e mestre em Economia Denis Teixeira da Rocha, analista em Socioeconomia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Gado de Leite, o momento exige equilíbrio na cadeia produtiva, sobretudo porque não há prazo para a pandemia acabar: “Mas já é certo que teremos um cenário bastante desafiador, principalmente para aqueles produtores e laticínios que já vinham com dificuldades financeiras antes dessa crise, além do fato que a renda da população irá reduzir e consequentemente impactar o consumo de lácteos no futuro”.
Em entrevista à Gente do Sul, Rocha analisa estes impactos e elenca alternativas para os produtores frente ao cenário nebuloso causado pelo novo coronavírus.
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No relatório “Mudanças no consumo de lácteos no Brasil durante a pandemia”, a Embrapa aponta que, durante a pandemia, aumentou a procura por lácteos locais. Esse comportamento pode ser justificado pelas amplas campanhas que pediam o fortalecimento da economia local aproximando consumidor de produtor? Como o mercado reage a essa mudança de comportamento?
Denis Teixeira da Rocha: Esse é um comportamento de valorização dos produtos locais que vem ao encontro de tendências também verificadas em outros países durante esse período de pandemia. Alguns estudos sobre comportamento de consumidores têm indicado que poderá haver uma mudança na atitude dos compradores migrando de produtos de consumo global para o local.
Na região Sudoeste, entidades sinalizaram que há a preocupação de que alguns produtores tenham que descartar leite. Isso já está acontecendo em alguma região? Ou a manutenção da venda dos derivados pode segurar o setor?
No âmbito nacional, a produção de leite nas fazendas e sua captação pelos laticínios está sendo mantida até o momento, não havendo relatos relevantes de descarte de leite. Contribuem para isso o aumento do consumo domiciliar de muitos produtos lácteos durante a pandemia que compensou em parte o fechamento dos canais de food service (alimentação fora do lar) e uma certa reorganização do setor de captação com empresas com problemas na comercialização principalmente de queijos, direcionando seu leite para industrialização por outras empresas maiores focadas em leite em pó e UHT que tem mantido melhor desempenho de vendas. Mas essa situação pode se agravar com o prolongamento da quarentena, visto que os estoques dessas empresas maiores têm aumentado recentemente e, com a queda da renda da população, não se espera recuperação no consumo de lácteos no curto prazo.
Qual impacto disso na cadeia produtiva?
A cadeia leiteira vai ter que se reorganizar considerando um cenário de menor demanda, seja pelo atual fechamento de importantes canais de venda ou pela redução da renda da população que terá um efeito mais duradouro. Esse cenário é agravado pelo aumento dos custos de produção nas fazendas que vem desde o final de 2019 somada a problemas de seca, principalmente na região Sul. Pelo lado dos laticínios, também houve aumento de despesas com captação, industrialização e distribuição devido às exigências desse período de pandemia, e a valorização inicial de preços de alguns produtos lácteos já perdeu força, reduzindo suas receitas. Será necessário chegar a um novo equilíbrio de preços, ao longo dos seus elos, que permita a manutenção na atividade dos produtores e empresas de laticínios, o que será uma tarefa complexa e que exigirá muito diálogo das partes.
A região Sudoeste do Paraná possui uma produção dividida entre agricultores familiares e grandes produtores. Como cada grupo pode ser afetado neste momento e quais alternativas existem para evitar um cenário negativo?
Essa crise acaba impactando todos os produtores de forma geral. O que vai ser determinante nessa diferenciação será a saúde financeira do produtor e como ele conseguirá fazer ajustes em sua produção para adequá-la a esse novo momento. Sistemas que já vinham com dificuldades de caixa e com alto endividamento terão mais dificuldades em superar esse momento. Mas não podemos esquecer outra questão importante que é para quem esse produtor entrega seu leite. Laticínios que tiveram suas vendas muito afetadas com a quarentena podem ter mais dificuldades em remunerar o produtor pelo leite e até cumprir os pagamentos devidos, o que pode inviabilizar o produtor, independente da eficiência de seu sistema de produção.
Quais as orientações para os produtores neste momento olhando para o mercado e para um futuro em que ainda não há a previsão de normalidade?
Pensando dentro da fazenda, agora é fundamental o produtor refinar sua gestão para aumentar a eficiência do seu sistema de produção. Uma alternativa é tentar fazer ajuste nas dietas dos animais, tendo em vista que alimentação é o item que mais pesa no custo de produção. Como milho e farelo de soja estão com valores bem acima dos praticados no ano passado, pode-se buscar substitutos que apresentem melhor custo benefício. Outra opção é fazer ajustes no rebanho, focando principalmente nos animais menos produtivos e naquelas categorias que não geram receita, como animais de reposição, aproveitando-se dos preços valorizados da arroba.
Em nível externo, mais do que nunca será necessário buscar uma maior organização da classe produtora e buscar sempre o diálogo com seus fornecedores e compradores entendendo que todos estão no mesmo barco.
“Mais do que nunca será necessário buscar uma maior organização da classe produtora e buscar sempre o diálogo com seus fornecedores e compradores.”