Loacir chegou em 1961, mas iniciou sua empresa em 1967, mesmo ano em que a futura esposa, Lurdes, estabelecia-se na cidade. Os dois sempre tiveram atividades profissionais diferentes – a loja dele; a Acarpa e, depois, o conservatório musical dela. Em comum, um casamento que deu certo, com três filhos. Hoje, eles curtem os netos e viajam mundo afora, levando para bem longe o nome de Francisco Beltrão.

Foto: Arquivo Pessoal
Se chamados somente pelo sobrenome, poderiam ser, simplesmente, o Celso e a Rosa. Porque Lurdes Henriqueta é filha de José Rosa e Flora Granemann Rosa. E Loacir é filho de Antonio Pereira dos Santos e Adelina Celso dos Santos. Ele recebeu o nome de Loacir, “Celso” como sobrenome da mãe e “dos Santos” como sobrenome do pai.
Loacir nasceu em Caçador (SC) dia 30 de março de 1948. Lurdes é natural de Ipomeia (SC), nasceu em 11 de fevereiro também de 1948. Ainda menina, mudou com a família para Caçador, período em que foi colega do Loacir na escola.
De Caçador, Loacir mudou, em 1961, direto para Francisco Beltrão, onde residia sua irmã Celi, casada com Enestor Benetti. A família de Lurdes mudou para União da Vitória. Ela ainda residiu em Castro, antes de se transferir para Francisco Beltrão como pio-neira em assistência social da Associação de Crédito e Assistência Rural do Paraná (Acarpa), atual Emater.
Logo que chegou, numa conversa entre amigos ela falou que havia perdido uma luva quando criança. Loacir lembrou da história e aí começou um namoro que continua até os dias de hoje. O casamento aconteceu em 5 de setembro de 1970. Para casar, Lurdes teve que deixar a Acarpa e passou então a formar sua escola de música. Com a vinda da pro-fessora Cláudia Iná Cirino, as duas criaram o Conservatório Musical de Francisco Beltrão, pioneiro em toda a região.
Loacir sempre na loja, a Ótica Princesa, que começou em sala alugada em frente à Praça Virmond Suplicy e depois se estabeleceu em prédio próprio, na Avenida Júlio Assis Cavalheiro, na primeira quadra à direita de quem sai da Concatedral Nossa Senhora da Glória.
Dia 25 de março deste ano, teve festa para comemorar os 50 anos da Ótica Princesa. Nesta entrevista, Loacir dá mais detalhes sobre a história da empresa.
Loacir e Lurdes têm três filhos: Sandro Fabiano, advogado que atua em Curitiba; Gustavo Fasciano, também advogado, atua em Beltrão; e Tangryane, odontóloga, atua em Joinville. Cada filho lhes deu dois netos, respectivamente: Bruno e Giulia, Ava Cristina e Vinícius, Benjamim e Joaquim.
Nesta primeira parte da entrevista, concedida em seu apartamento do Edifício Residencial Dona Leony, eles contam um pouco desse meio século de sucessos em Francisco Beltrão.

Foto: Ivo Pegoraro/JdeB
Como vocês se conheceram?
Lurdes – Essa história que o Loacir contou é que nós brincávamos juntos. Eu não sabia que ele era Loacir e ele não sabia que eu era Lurdes. A gente brincava porque tinha a mesma idade, na mesma época e no mesmo lugar e éramos vizinhos. Mas na verdade a gente veio se conhecer em Beltrão mesmo. Eu vim pra trabalhar na Acarpa. No Hotel do Comércio parava toda a turminha e foi ali que eu conheci o Loacir. É engraçado porque a Marli Weber (colega de Acarpa) que chegou primeiro, foi apresentar a turma que almoçava, no dia que eu cheguei, 22 de maio (de 1967). Ó, esse aqui é o Severino (Sartori), esse aqui o Sinval, esse aqui o Celito, esse o Jorge Camilotti, esse o Idair Guancino, esse o Dinarci Menon. Me apresentou todos e tinha uma cadeira vazia na frente. Nós almoçamos todos e o Loacir, como tinha fundado a loja nesse ano, estava num pique de trabalho violento e chegou por último porque não fechava a loja pro almoço. Ele chegou e sentou na cadeira na minha frente e falou “bom, já que ninguém me apresenta, eu vou me apresentar”. Daí a Marli disse “essa aqui é a Lourdes que veio pra trabalhar co-migo na Acarpa”. Esse foi nosso primeiro contato e ali começou uma amizade.
O namoro começou logo?
Lurdes – É, acho que no final do ano de 1967. Na Fenafe nós já tava noivando. Colo-camos a aliança. Foi aí que você me pediu em casamento [risos].
Loacir – Foram três anos entre noivado e namoro.
Como foi sua vinda pra Beltrão?
Lurdes – Eu entrei na Acarpa. Fiz o concurso e passei designada pra cá. Foi meu pedido porque meu pai já tinha fixado residência em Nova Prata (do Iguaçu), já tinha os negócios dele ali e ele não queria que eu ficasse trabalhando tão longe de casa. Quando abriu a região, eu fui a primeira que pedi transferência. Então, minha chegada aqui foi em 22 de maio de 1967 e a gente construiu todo um trabalho aqui, no interior principalmente, que era nosso principal objetivo na Acarpa. Fizemos o levantamento da realidade rural na época e trabalhei com o Lauro Danzmann, que era o engenheiro agrônomo que atendia os colonos e eu ficava com as famílias atendendo, selecionando as comunidades pra trabalhar, pois foram cinco em Francisco Beltrão, e formando as lideranças: Nova Concórdia, Rio do Mato, Jacutinga, Seção Progresso e Rio Tuna. Pegamos como comunidades polo pra desenvolver a parte de saneamento básico, alimentação, com hortas es-colares. Foi um trabalho muito bonito e deu um resultado excelente! Depois desse meio tempo, conhecendo o Loacir e namoramos e aí fui promovida pro escritório regional, fizemos um trabalho a nível de Sudoeste e partindo pra uma assistência – como nosso trabalho deu um resultado muito bom pra central em Curitiba – e a gente levou esse trabalho realizado aqui para o Estado inteiro. Fui convidada, também, pra ir pra central em Curitiba e coordenar o Paraná, mas como já estava noiva e me ajeitando pra casar e como na época não poderia ficar uma supervisora casada, era uma norma da empresa, eu optei pelo casamento.
Foi um período fértil, fez muita coisa.
Lurdes – É, paralelamente, chegando a Beltrão, o pessoal sabia que eu tocava e come-çaram a me procurar pra dar aula de música. Trabalhava na Acarpa e atendia aqueles alunos que me procuravam e foi nascendo uma escola. Até nos casarmos em 1970, eu ta-va dando aula particular, daí aumentou o número de alunos e já virou uma escola organizada e não tinha registro ainda. Em 1975, quando nasceu o segundo filho – Gustavo – eu já estava com 40 alunos na escola e não tinha condição de cuidar do filho e estava atrás de professor. Como na época já tinha alunas mais adiantadas, como a Tânia Penso e a Isabel, falei pra elas me ajudarem a dar aula enquanto eu tinha neném, pelo menos para os principiantes. Depois chegou uma professora, a Cláudia Cirino, e fomos fazer uma vi-sita pra ela, pra ela vir dar aula e ajudar nessa época de neném. Ela também estava grávida, do Wellington [o hoje tetracampeão da Fórmula Truck], que nasceu na mesma épo-ca e ela veio dar aula pra nós – e deu tudo muito certo a partir deste momento, porque se a gente conseguisse harmonia e trabalhar no mesmo ritmo, a gente ia registrar o conservatório. Registramos e fizemos uma sociedade que durou quase 40 anos e uma amizade e companheirismo muito grande. Nos gostamos e convivemos juntas até hoje.
O conservatório foi pioneiro aqui?
Lurdes – Foi pioneiro no Sudoeste, porque recebíamos alunos da região inteira, até do Oeste de Santa Catarina. Formaram-se e já têm hoje suas escolas. Todos bem-sucedidos. E, paralelamente, com o Loacir, ele trabalhava na loja e eu com a música nessa vida de casamento. Ele sempre me apoiou e eu, como não sou comerciante e não sei vender, me dediquei à música, mas ele me apoiou e sempre esteve do meu lado e só consegui fazer tudo o que fiz nesse período por ele. Até que com o casamento, o crescimento dos filhos, os netos chegando e a vida seguindo, achamos que devia parar. Eu parei com o conserva-tório há cinco anos – a Cláudia saiu um pouco antes por causa das corridas do Wellington e eu fiquei mais um tempo até formar os alunos.
Por que mudou de Caçador pra Beltrão, com 13 anos?
Loacir – Eu já tinha uma irmã, a Celi, morando aqui, recém-casada, e me convidaram pra vir, pra fazer companhia. Vim por causa da irmã e também em troca de aprender uma profissão. Era comum, na época, as pessoas precisavam aprender porque não tinham acesso à faculdade. Vim pra cá aprender a consertar relógios e ajudar ela com as crianças. Com o passar do tempo, pensamos na necessidade de uma ótica aqui na região, porque a pessoa precisava de óculos, a ótica mais perto daqui era em União da Vitória ou Cascavel. A partir daí começamos a fazer cursos e nos preparar para confecção de óculos. Foi aí que iniciamos a relojoaria, em 1967. Fizemos uma sociedade, eu, minha irmã Celi Benetti e o Sinval Cardoso – que hoje está em Barracão – e foi aquela luta. Começamos em três e com o passar do tempo fui comprando. Alugamos uma sala em frente ao Liston, na praça, e ficamos ali por aproximadamente uns 22 ou 25 anos e fui comprando a parte dos meus sócios e posteriormente compramos o terreno do Valdir Foleto, que era um armazém tradicional na cidade, e construímos ali onde estamos até hoje. Nesse período houve muita mudança, a loja já foi reformada há quatro ou cinco anos. Agora mantemos essa questão de acordo com o crescimento da região e modernidade dos fatos. Eu lembro que na época não tinha médico oftalmologista e vinha de Curitiba e ficava três dias por mês na Policlínica e as pessoas que tinham deficiência visual faziam a consulta com ele.
Era o seu caso? Usar óculos desde moço?
Loacir – Não, passei a usar depois dos 40 anos.
Seus olhos eram bons então, porque trabalhar com conserto de relógio exige bastante.
Loacir – Principalmente naquela época. Nem tinha usinas (hidrelétricas) naquela região porque era do Camilotti – e era uma dificuldade. Depois passou pra Prefeitura. Em certos períodos tinha que quebrar uma peça da usina e ficava uns 30 ou 40 dias sem luz, consertávamos os relógios no escuro.
Gostou da atividade?
Loacir – Gostei, porque naquela época a gente não escolhia a profissão como se esco-lhe hoje. Foi o que tive acesso, mas fui muito feliz porque foi uma coisa que me realizei profissionalmente e continuo até hoje gostando. Já estou com 69 anos e não penso em parar, me sinto bem e é a coisa que mais gosto de fazer, o meu trabalho.
Hoje o seu gosto mais é pelo empresarial ou consertar relógio?
Loacir – Há muito tempo não faço mais isso, mais a parte da administração.
O que mudou? Naquele tempo o relógio era mais difícil de comprar, as pessoas tinham menos e procuravam mais o conserto. Hoje pra substituir é mais fácil.
Loacir – Hoje, grande parte dos relógios são descartáveis. Mudou muito daquela época pra cá e hoje até os mecanismos são diferentes. Hoje já não são mecânicos, são eletrônicos.
Hoje tem centenas de opções de oferta.
Loacir – Na época era uma necessidade e hoje é um acessório, é moda. Mudou completamente. Poucas pessoas usam pra ver hora e 90% usam como acessório.
O que mudou? Naquele tempo o relógio era mais difícil de comprar, as pessoas tinham menos e procuravam mais o conserto. Hoje pra substituir é mais fácil.
Loacir – Hoje, grande parte dos relógios são descartáveis. Mudou muito daquela época pra cá e hoje até os mecanismos são diferentes. Hoje já não são mecânicos, são eletrônicos.
Hoje tem centenas de opções de oferta.
Loacir – Na época era uma necessidade e hoje é um acessório, é moda. Mudou completamente. Poucas pessoas usam pra ver hora e 90% usam como acessório.
Quando vocês começaram a sociedade, a tendência e o faturamento que tinha era em cima do relógio ou era outra atividade?
Loacir – A loja foi aberta com o sentido de ótica mesmo, pela necessidade. O relógio, como as pessoas usavam pouco óculos e tinham pouco acesso, mas se vivia de joalheria, relógio e joias.
Qual proporção do que seria naquele tempo? Ótica, relojoaria e o faturamento da empresa?
Loacir – 20% ótica e 80% joias e relógios.
E nessa divisão entre joias e relógios qual prevalecia?
Loacir – Vendia mais relógio do que joia. Até porque não tinha tanta opção de joias.
E hoje o que o relógio representa?
Loacir – Acho que 10%.
E joias aumentou?
Loacir – Joias uns 30% e 60% a parte de ótica. Ótica somos referência. A gente se especializou, se manteve atualizado. Não que a parte de joias não tivesse, mas pela necessidade e por termos nos tornado uma referência na região na parte de óculos a gente acabou dando mais atenção e se especializando mais.
O Loacir viveu em Caçador e aqui. Teve alguma fase em que pensou em mudar de Beltrão?
Loacir – Não. Uma época recebi convites pra mudar pra Cascavel como empresário, naquela fase dos anos 80, porque Cascavel estava crescendo enormemente. Recebi como empresário, no ramo de ótica, pra mudar pra Cascavel. Mas como sempre gostei muito daqui, acabei me enraizando cada vez mais e depois vieram os filhos e as coisas foram ficando mais difíceis. Mas estou feliz e realizado de ficar aqui.
E essa coincidência de ter aparecido aquela coleguinha de infância que nem sabia e casou?
Loacir – Foi uma feliz coincidência. As coisas são traçadas de uma forma que não muda mesmo. Foi uma coincidência muita grande e positiva.
Lurdes – Vai fazer 47 anos de casado esse ano.
Loacir – Unidos para sempre mesmo!
Lurdes – Bem vividos! Lutamos juntos, crescemos juntos.
Encaminharam os filhos juntos?
Loacir – Tivemos a felicidade de ter três filhos que a gente adora, seis netos que somos apaixonados. É uma história feliz.
Lurdes – Graças a Deus.
E vocês cresceram com Beltrão! Comparando Beltrão, hoje, quanta coisa aconteceu!
Loacir – É, Beltrão mudou bastante.
Lurdes – Você chegou aqui quando? 1961?
Loacir – É, 1961. Lembro que Odósio Dalla Maria foi comprar uma Kombi na agência da Volkswagen mais perto que tinha de Beltrão, e era em Caçador. E a Volks tinha começado a fabricar Kombi no Brasil e ele foi lá buscar essa Kombi e eu vim de carona na Kombi.
Quando veio pela primeira vez veio de carona?
Loacir – Sim. Com o Odósio Dalla Maria e chegando ali em Marmeleiro choveu bastante e caiu e a ponte. Tivemos que deixar a Kombi do outro lado, passamos de bote o rio e pegamos um jipe, esses Willys – tinha muito na época – completar nossa viagem.
Lurdes – Nossa viagem não foi diferente! Quando nós estava em Nova Prata e estudando lá, minha mãe já estava preocupada que ele não queria que nós viesse pra Nova Prata visitar ele. Num inverno ela disse “nesse mês de julho é férias, eu vou te visitar” – “vão ,mas olhem primeiro pro céu, quando tiver uma semana de sol, vocês vão”. Nós pegamos o ônibus do Kovalerski e viemos – olhamos uma semana pro céu e tava firme e viemos. Quando subiu a serra de União da Vitória começou a chover e a viagem pra chegar a Nova Prata durou três dias!
Três dias!
Lurdes – Com muito custo chegamos a Pato Branco, pousamos lá. Estávamos na empresa pra pegar o ônibus do Caramori, foi aí que conheci o Caramori. Chegamos em Pato Branco e não tinha mais tráfego pra Beltrão e posamos em Pato Branco. No outro dia saímos pra Beltrão, não deu pra chegar em Beltrão e paramos em Marmeleiro. Saímos no outro dia de Marmeleiro pra Beltrão e tinha um jipe, que ia pra Nova Prata, esperando pra fazer lotação em Nova Prata de jipe. Quando ele viu nós chegando só faltou ter um ataque! “Eu falei pra vocês pra olhar pro céu”. Nós olhamos e começou a chuva”. Foi em 1965 essa história, antes de vir pra cá. Quando vim em 1967 pra Beltrão, o calçamento tava saindo da praça até o hospital do Kif ali e nas laterais do Banco do Brasil, era só o que tinha. Era tombo nas ruas, corrente nas botas. Tudo isso eu cheguei a pegar em Beltrão.
Loacir – Eu lembro que as pessoas chegavam a pedir óculos porque tinham necessidade, mas não tinham necessidade de comprar um par de óculos para leitura. Eles queriam pra tirar um espinho no pé, pra cortar a barba. E como na época a gente não tinha acesso à tecnologia e essas coisas, não tinha médico, nós mesmo fazíamos e íamos experimentando um óculos ou outro até que dava certo.
Iam provando um ou outro?
Loacir – Isso. Era o que tinha disponível, porque o médico mais próximo era em União da Vitória e era uma viagem que não sabia se chegava no dia seguinte ou em três ou quatro dias. Eram essas as dificuldades que a gente tinha! Foi aí que começou. As pessoas chegavam, pediam óculos e nem sabiam que precisavam ir no médico fazer uma consulta e fazer a refração. Ia experimentando um e outro.
Lurdes – Papo pitoresco!
Loacir – Você veja como a própria agricultura melhorou. As pessoas não liam e não tinham acesso a informações, era só um radinho na Guaíba e olha lá, quando tinha luz.
Você aprendeu por uma necessidade. Hoje como é a formação do pessoal? Já vem pronto ou são formados por você?
Loacir – A equipe é formada por nós mesmos dentro da empresa. Mas hoje tem curso técnico que prepara profissionalmente as pessoas. Na minha equipe, a maior parte, é preparada pela gente mesmo. Nesses 50 anos, a gente teve uma porção de ex-funcionários que hoje são empresários também. Mas 30 ou 40% das óticas do Sudoeste foram de pessoas treinadas dentro da minha empresa. É um histórico legal e bonito porque são pessoas que tiveram oportunidade de crescimento e profissionalizar dentro da empresa, então ela não ficou só dentro da sua atividade exclusiva, a gente preparou pessoas que hoje são profissionais competentes e reconhecidos. Apesar que hoje a gente continua sendo uma referência pelo tempo e pelo trabalho feito, mas temos bons colegas que se formaram dentro da nossa empresa.
Lurdes – Você já teve na loja quando veio aquelas máquinas antigas em que eram feitos os óculos? Naquela época? Eu falo pro Loacir que ele deveria fazer um museu. Aquelas panelas enormes que mexiam pra preparar a lente. Hoje a lente vai e vem com uma modernidade!
Vocês mesmos que faziam a lente?
Lurdes – Faziam tudo.
Loacir – Na ótica nós fazíamos a lente.
Lurdes – Tudo. Se você ver aquelas casas de ferreiro com curvatura.
Loacir – Gastando o cristal, coloca o grau, depois o formato.
Vocês faziam os óculos?
Loacir – Só não fazia a armação, mas os óculos sempre foram feitos na loja.
Lourdes – Se chegar num balcão e pegar uns óculos, mas se fosse ver de onde tinha vindo. É uma coisa fantástica de ver. Lá embaixo, a produção de uma lente.
Loacir – Com a tecnologia, hoje, as coisas são bem diferentes. Nós acessamos a internet aqui e temos um laboratório em Curitiba que funciona 24h. Então a gente acessa e passa os dados da receita e da armação e tá na empresa.
Por que o grau vai dentro do vidro, né?
Loacir – A diferença de curvatura é que dá o grau.
Isso que vocês faziam? Vocês faziam sob encomenda ou faziam e a pessoa experimentava pra ver qual era o certo? Como era?
Loacir – Não, a receita a gente pegava e copiava. Quando não tinha a receita a gente comprava um óculos comum, pronto e ia experimentando.
Lurdes – Esse era feito na máquina?
Loacir – Esses eram prontos porque o Brasil não fabricava em grande escala e era importado.
Mas às vezes gostava da armação e..
Lurdes – Mas a tua questão de fazer aquela lente?
Loacir – Esses óculos não se tinha opções. Era um modelinho nos anos 60/70 e 80 e não tinha opção com diversos graus. E a pessoa ia colocando “esse aqui consigo enxergar as coisas miúdas”. Falava-se muito também “o médico me deu a receita e preciso ler a bula do remédio, quais os dias tenho que tomar” – então era o que a gente ouvia muito. A necessidade do óculos.
Lurdes – Essa fabricação tua de óculos veio até que ano? De quando você fundou aquela panelagem que tem lá? Porque nunca vi tanto material! É imenso.
Loacir – Não teve um ano específico. As coisas foram mudando e vieram máquinas mais modernas, acessíveis e com produção melhorada e até com qualidade melhor. Na época era muito artesanal e até com segundo plano e então as coisas foram mudando. Até que, nesse mundo da internet, as coisas facilitaram. Tem esses laboratórios grandes que atendem a nível de estado e região e passam ali no programinha do computador e tu passa o que precisa e eles captam lá todos os dados e o que você precisa. Vem, você encaixa e vende. Naquele tempo nós ficávamos um dia ou dois fazendo uma lente. No que você leva cinco minutos hoje, levava um ou dois dias antigamente.
Você derretia o vidro?
Loacir – Não, esmerilhado. Comprava os blocos de cristal e dava o desgaste até polir para dar a transparência.
E o grau?
Loacir – Na diferença de curvatura. Interna pra externa.
Conforme o tipo do vidro?
Loacir – Como se fosse fazer uma lente de dois graus, colocaríamos uma curvatura de diferença externa nessa lente, tipo curvatura seis, parte seis e interna quatro. Essa diferença de dois na curvatura dá os dois graus.
Ah!
Loacir- É como quando você pega uma vidraça de janela com diferença de curvatura e você nota uma certa diferença do grau. Uma deficiência do vidro. É na diferença que dá o grau necessário.
Professora Lourdes, como foi a sua relação com a loja? Só depois que fechou o observatório porque antes não tinha muito tempo.
Lurdes – Nunca tive muito contato com o comércio porque não aprendi. Nessa época que o Loacir tava a mil, investindo, trabalhando eu estava, paralelamente, na música. Foi muito pequena mesmo.
Loacir – A participação da Lourdes foi o apoio nas épocas de festa que ela fazia os arranjos, no Natal, por exemplo.
Lurdes – Decoração da loja, vitrine, pacote. Isso eu fazia porque gostava e sabia. Gosto de criar e gosto de fazer um pacote bem feito e diferenciado. Dia das Mães, Natal e datas assim, festivas, eu tô lá. Eu que compro o papel, a fita e determino como vai ser aquele ano. Como vamos decorar as vitrines. Mensalmente elas me chamam pra ver como vamos fazer. Esse é o lado que eu apoio no trabalho na loja.
Loacir – Naquela época não tinha horários e não tinha disciplina de horário pro comércio. Eu lembro que nós ficava no Natal até a hora que o pessoal entrava pra missa – missa do galo – e nós começava a fechar a loja. Era puxado! Então a participação dela era ficar esperando em casa, as crianças esperando um presentinho de Natal. Uma participação e ela ficava aguardando e esperando e sempre soube entender.
Lourdes – Parece que não existia uma igualdade porque eu fazia uma coisa e ele outra, bem diferente. O Natal pra mim era festejado no dia 24 e nós não podia festejar porque ele chegava 11 horas ou meia-noite.
Loacir – Hoje tem horário! Às 4h da tarde você fecha.
Lurdes – Quando tavam fechando a loja, entrava o pessoal que já tinha feito o seu Natal e já tava indo lá trocar ou apertar o relógio ou apertar o anel, encurtar corrente.
Risos
Lurdes – E ele ainda não tinha saído.
Loacir – Trocar o óculos que ia viajar no dia seguinte [risos].
Lurdes – Foi duro até que aprendi a respeitar esses horários e o tipo de trabalho. Falei “não, eu tenho que me adequar e dizer pra fechar a loja” – era uma fase que a gente precisava trabalhar pra garantir o pão de cada dia. Então eu tive que aprender a conviver com ele. Hoje tá tudo melhor e tem horário pra fechar e abrir. Isso foi uma grande conquista pro comércio, essa disciplina de público e atendimento.
No outro lado, a participação do Loacir no Conservatório?
Loacir – Carregar piano. [risos]
Lurdes – O Loacir sempre foi companheiro porque nunca me desanimou. Até que, quando nós casamos, tem um fato pitoresco, que nós fomos comprar as malas pra fazer a viagem de lua-de-mel e quando cheguei lá no meu trabalho na Acarpa, que era viajar, viajar e viajar e o meu pai também tinha isso, esse sangue cigano. Viajava muito e me levava e eu gostava. Chegamos na loja pra comprar as malas e pedi qual ele gostou e ele disse “escolha do teu gosto, compra a mala que você quiser, porque eu não vou usar, eu não posso sair da loja e viajar porque minha profissão não permite. Compre pra você pra viajar quando quiser ” Então, antes de casar, ele já me deu livre-arbítrio pra isso. Comprei a mala que gostei, viajamos poucas vezes. No começo muito pouco e eu ia. Eu ia todo verão pra praia e pensei “será que casei com a pessoa certa? ” E eu ia sozinha e ele nunca me disse “não vá, fique. Agora que você é casada continue a vida do teu jeito” – então eu fui tendo essa liberdade, começou indo me buscar e levar. Depois vieram me procurar pras aulas e eu não tinha piano e a procura maior era piano. Então ele começando não ia tirar um dinheiro pra investir na música que pra mim era tudo e ele tava focado no dele. “Poxa, não tenho piano pra dar aula, se não eu daria. Tenho acordeon, tenho violão e os outros instrumentos. ” A dona Anita foi uma pessoa que deu muito apoio pra mim na época ” eu posso dar aula pra Isabel, ” porque ela foi embora e deixou os alunos e eles começaram a vir, pra mim ” não posso pedir pro Loacir comprar um piano. Se vocês conseguirem uma média de 20 alunos pra eu comprar o piano, eu dou aula” e acabou vindo 40 alunos. Comprei um piano, depois comprei outro piano e o Loacir sempre apoiando. Sempre do meu lado, nunca me privou do meu trabalho porque sabia que a minha profissão era música, sempre foi. E sempre me acompanhou em tudo. Ia nas apresentações, nos cursos e nas provas. Aonde andei ele andou do meu lado.
Loacir não era de tirar férias?
Lurdes – Não.
Loacir – Era o conceito da época, era muito difícil. Por um lado a empresa era pequena e não tinha com quem deixar e fechar o estabelecimento comercial, nunca se usou no Brasil. Era 24 horas por dia de disposição. Era o que os empresários e lojistas da época faziam e hoje tem uma disciplina, a pessoa mudou. Tem horários, direito a férias. Mudou muito. De um tempo pra cá mudou, no preparo de administrar uma empresa à distância.
Mas sempre pra quem tá começando, mesmo hoje, é difícil.
Loacir – Na época era difícil e hoje ainda é difícil. Não existia o que tem hoje mas existia um número pequeno de empresas que conseguia se manter. Hoje, abre um ano ou dois anos e não é atual. Na época já existia isso. O atual é a tecnologia e a modernidade.
Lurdes – Mas hoje você consegue tirar férias. Até depois que fechei a escola e pensei que eu vou fazer se só fiz música? Ele falou “teus netos vão crescer e você não vai conhecer eles – porque a preferência era sempre a orquestra, a escola, os alunos – parei e ele disse pra eu fazer outras coisas e não ficar triste. Vai fazer cursos, informática, inglês, informática. Conversar com as amigas. Quando parei a escola eu fiz isso, fui pra informática, pro inglês e a gente começou a intensificar, depois que saí da casa, as viagens. Esse ano estamos completando 40 países visitados, sabe. E ele agora tem o mesmo pique que eu pra viajar e tem vontade.
Agora ele escolhe as malas também.
Lurdes – Cada viagem é uma mala! A gente já se programa pra sair umas duas ou três vezes por ano. Agora vou pra Malta e vou sozinha, vou ficar dois meses fazendo cursos.
Loacir – Depois eu vou buscar.
Lurdes – Tá muito bom. Nós estamos em uma fase que estamos curtindo o que a gente construiu. Construímos juntos e aproveitamos juntos.
Loacir – O que a gente planejou tá conseguindo colocar em prática. Fomos muito felizes.
Lurdes – A loja tá bem e cada vez melhor.
Loacir – Tem uma equipe muito boa que dá pra sair e deixar e eu sempre fui de dar autonomia pra economia pra tocar e administrar e então dá pra ter mais liberdade. O que a gente planejou tá acontecendo.
Lurdes – A gente só pede saúde pra aproveitar! [risos] Agradece e pede.

Foto: Arquivo Pessoal