Vigilante parece ser profissão só de homens, mas não é só deles. Lúcia já teve vários outros trabalhos. Há quatro anos tornou-se vigilante, realizando um sonho da infância “de fazer alguma coisa nesse ramo de segurança”. Mãe de quatro filhos, diz que se sente realizada tanto na família como na profissão e, mesmo falando e repetindo que a vida de vigilante não é fácil, não pretende outra ocupação, porque está fazendo o que sempre quis.
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Lúcia Pume nasceu em Planalto (24-2-1980), onde viveu os primeiros anos da infância. É a quinta dos oito filhos de Izolde Icelzer e Garibaldi Pume, que mudaram para Francisco Beltrão quando ela estava com 5 anos. Começou a trabalhar com 9 anos, cuidando de crianças. Aos 15, casou com Vandair Santos de Oliveira e, com ele, teve quatro de seus cinco filhos: Alessandra, Elizandra, Alisson (pai de seu neto Otávio) e Ana Carolina (mãe do neto Joaquim). De um segundo relacionamento, nasceu a Isabela, que está com 7 anos.
Lúcia trabalhou na BRF e escritórios, até fazer o curso de vigilante e iniciar esta nova profissão, há quatro anos. A primeira empresa que lhe deu uma oportunidade foi a Weber Segurança Privada, de São Miguel do Oeste (SC). No dia desta entrevista, prestava serviços à Siton (empresa que está iniciando a abertura de um túnel para conter as enchetes do Rio Marrecas) e, através da empresa Master, atende a Concen.
Como conseguiu tornar-se vigilante ou profissional de escolta armada?
Lúcia – Eu fiz um curso, me preparei. Não foi fácil passar no curso, porque eu me machuquei nos treinamentos, na prova física. Pra mim não voltar em outra turma, adiar o curso, fazer em outra ocasião, eu resolvi continuar machucada mesmo. Aí não foi fácil, eu tive uma unha arrancada na hora de manusear as armas. No começo eu queria muito aquilo, mas foi bem difícil pegar o jeito, porque tu sai na estrada temendo qualquer trabalho. Quando tu inicia é diferente. Pra mim foi uma experiência boa, porque dali pra frente fui progredindo.
A primeira escolta que a senhora fez foi de onde até onde?
Foi de São Miguel do Oeste ao Rio Grande do Sul, viajamos pra várias outras cidades. Foi uma viagem bem tranquila. Claro que sempre fica aquela tensão de ser a primeira vez de você estar com uma arma, você vai ter que agir na hora certa.
Quando aconteceu o primeiro problema?
Na verdade, problema assim a gente teve uns suspeitos na estrada, mas nada de troca de tiros, nada de ação ou coisa assim. Na escolta, assim que você saiu da empresa, tem que tá atento, até mesmo sobre a munição da tua arma, se tem que conferir a tua arma, tipo saiu dali, tudo é um processo muito… você tem que tá atento, você sai da base, tem que ser o primeiro que sai, vai fazer a vigilância da área, se não tem nenhum suspeito fora da base pro outro sair com a viatura. Ali a gente embarca e segue pra buscar nosso alvo, no caso, um caminhão de explosivo, dali a gente vai saber na verdade direito quando você tá na estrada. Falei pro meu parceiro: “Ó, amanhã nós vamos pra tal lugar”. Esse meu colega de trabalho vai comentar com o pai, ou com a mãe, ou com o irmão, que vai passando a informação, e talvez seja aí que ocorre o processo de acontecer na estrada o roubo de carga, de agentes mortos. É aí que a gente tem que ter um jogo de cintura e saber trabalhar. É um trabalho sigiloso. Você saiu dali, tem que saber o que fazer.
Não pode contar onde você vai?
Não pode contar. Somente o que vai fazer o relatório; e o motorista só vai saber, quando pegar a estrada, porque vai tá com o relatório, pra saber onde vamos. Até mesmo que eles não passam nada, somente “esteja aqui na base, tal hora, hoje, que você vai saber pra onde vão viajar”. E na estrada a gente vai sabendo aonde ir, pelo relatório.
Se for escolher pra ficar de vigilante ou na escolta armada, qual a senhora prefere?
Eu prefiro ficar na escolta, porque assim, eu tô no negócio da portaria, também é um trabalho novo que eu nunca tinha feito. Como eu falei, iniciei fazendo escolta num caminhão e preservação num túnel. Portaria é um trabalho novo pra mim; eu gosto de fazer, faço pela empresa Master aqui, só que o meu é escolta. Eu gostaria de estar na rua já, mas quem sabe daqui mais uns dias. Tem novidade aí pra escolta e eu vou de volta, de repente, estar fazendo o que eu gosto de fazer.
A escolta não é a mais perigosa?
Sim, hoje em dia você corre perigo em qualquer lugar. Se for pra morrer de tiro, de acidente, a gente acaba morrendo.
A senhora perdeu colegas de trabalho, como foi?
Na verdade, eles pertenciam a outra empresa de escolta, eles tavam indo levar o alvo deles quando foram abordados, e um deles veio a óbito. Essa escolta, tu tá indo, de repente chega alguém do lado ou frente e você tem que ter visão de tudo, você tá em escolta, tem que estar atento, porque às vezes do nada um carro pode passar por você, tu pensa que é um carro normal e, de repente, tá ali o negócio. Escolta é um trabalho muito perigoso. Você tá ali correndo vários riscos.
E na viagem não pode cochilar?
De jeito nenhum. Ali tem que ir muito atento, tem as trocas de motorista também, quando um cansa o outro pega. Os policiais têm que ser todos habilitados. A nossa função não é brincadeira. Também mostrando o lado da mulher que na escolta armada era só eu em São Miguel do Oeste, e aqui na Master também sou só eu de mulher. A gente tá mostrando que pode ser o que a gente quiser ser. Mulher tem muita força, nós temos potência, podemos prosseguir cada vez mais, basta a gente querer e acreditar que você consegue. Eu consegui chegar e fica a dica pra todas.
A senhora conhece outras mulheres que trabalham com vigilância ou escolta?
Sim. Em Xaxim existe a empresa Weber, ela tem filiais em várias cidades. Lá em Xaxim e em outras bases da mesma empresa, tem várias mulheres na escolta, mas em São Miguel do Oeste só tinha eu. Eu comecei nessa escolta e estamos aí de novo buscando a escolta. Tentar uma base mais tarde, é tudo projeto e, se Deus quiser, vai dar certo. Vamos mostrar meu trabalho aqui em Beltrão também.
A senhora gosta dessa atividade? Não pensa em outro trabalho?
Não, enquanto tiver oportunidade, eu vou continuar nesse. Eu não me vejo trabalhando… Eu tô trabalhando em outro lugar, só que assim, eu me sinto um peixe fora d’água. Eu quero a escolta, pra mim, sei lá, eu sempre tive essa vontade desde criança, de fazer alguma coisa nesse ramo de segurança, de policial. Até mesmo consegui de vigilante, e estamos aí, buscando mais.
E é um trabalho como os outros, que tá sempre exigindo aperfeiçoamento. Nesses cursos, o que vocês aprendem?
Aprende os primeiros socorros, sobre a brigada de emergência, incêndio, essas coisas; aprende a atirar com vários calibres de armas. Vai pro mato, faz treinamento com paintball, simulação de ataque à viatura, como evacuar a viatura, quem sai primeiro, quem é o último a sair, tem toda uma preparação. Esse curso é um conhecimento muito bom, é bastante exigido do agente, porque caso aconteça um imprevisto, o agente tem que tá preparado. Nessas escolas, a gente tem instrutores que já estão há muitos anos, profissional na área, pra estar fazendo essas coisas. Tivemos bastante treinamentos com policial. A gente vai ter um conhecimento de tudo nessa área, o que você precisar fazer, vai estar preparado, se tiver um incêndio, você já vai estar preparado em todas essas áreas. Por isso que eu digo pra quem tem vontade de ser, tem que ter vontade de fazer e querer buscar isso. Porque a área de vigilante não é fácil não, tu tem que gostar do que faz, e fazer um bom trabalho também. De repente, tu vai lá fazer um curso pra ganhar bem, se você não fizer um bom trabalho, não adianta. Conheço pessoas que fizeram o curso bem antes que eu e até hoje não conseguiram nada, um emprego fixo. Então, não adianta tu querer ir lá pra aprender alguma coisa e já sair trabalhando. Tem uns que vão por malandragem mesmo, pra aprender alguma coisa e usar de outra forma. Eu fui já querendo, eu sempre quis, acreditei em mim e venci até mesmo machucada, eu segui em frente e fiquei. Tô nesse ramo há quatro anos já.
A senhora tem cinco filhos, e se considera realizada como mãe, como é no trabalho também?
Sim. Nas duas áreas. Meus filhos foram uma bênção de Deus, tão todos criados, com muito sacrifício e na minha área também, tô fazendo uma coisa que eu sempre quis fazer. Me sinto realizada nessas duas partes.
A senhora faz mais turno durante o dia?
Já fiz muito durante a noite, mas agora tô meio revezando, às vezes à noite, às vezes de dia, talvez substituir algum colega, tem que fazer à noite.
A noite não é mais perigoso?
À noite é mais, tem que ficar mais atenta, mas prefiro trabalhar mais à noite. Porque de dia é mais quente, à noite já é mais calmo o movimento, tu tá mais calmo. De dia tem controle de excesso, carga chegando, tu não tem parada. À noite já é um pouco mais sossegado. Tem mais perigo, mas eu prefiro.
Em Planalto, viveu até os 5 anos? Como foi a infância lá?
Eu lembro bastante da infância assim, lá de Planalto. Aí viemos pra Beltrão, aqui em Beltrão a partir dos 9 anos de idade eu já comecei a trabalhar. Eu cuidava de uma outra criança, na verdade, era próximo da casa dos meus pais, mas eu desde menina já trabalhava, tinha a minha renda.
E estudava?
Estudava. Estudava e trabalhava. Com 14 anos eu conheci o meu ex-marido, o pai das meninas, aí tivemos quatro filhos, moramos um pouco em Beltrão o outro pouco em Barracão, Bom Jesus, pra lá, aonde a gente teve família, começou a vida. E teve uma época que a gente separou, eu fiquei com as crianças pequenas. Então batalhei bastante pra chegar onde cheguei, aí surgiu a vontade de ser policial, vigilante ou alguma coisa nessa área. Eu resolvi fazer curso de vigilante, fiz o curso e logo em seguida fiz a extensão de escolta armada. Aqui em Beltrão eu não tive oportunidade de entrar numa empresa de escolta armada, aí surgiu uma vaga em São Miguel do Oeste, Santa Catarina. Fui pra lá, pela Weber Segurança Privada, lá que foi a minha primeira oportunidade de ser registrada e reconhecida pelo meu trabalho. Iniciei num túnel que eles estavam fazendo, meu turno era à noite. Passei um pouco de cada coisa, medo — porque era longe, 28 quilômetros, longe de cidade, longe de morador — até mesmo foram vigilantes homens, três, e nenhum ficou. Eu fui, bati o pé e fiquei lá até o final do túnel. Terminou o túnel e meu chefe falou “agora você vai fazer escolta”, até porque como eu já trabalhava armada, fiz um bom trabalho, eu passei pra escolta armada. Eu viajei pra várias cidades também; atuei na escolta lá por dois anos e assim, foi um trabalho muito bem feito, aí decidi voltar pra minha terra natal, que é Francisco Beltrão. Chegando aqui, conheci a Master, que me deu oportunidade como vigilante.
De onde veio essa vocação para vigilante? Por influência do pai?
Na verdade, tem essa influência do pai, tem os familiares também militares.
Seu pai é militar?
Não, meu pai é segurança secundário e privado, trabalha dentro da Prefeitura. Neste ano ele se aposenta por tempo de trabalho. E eu, desde menina, sempre quis ser policial, investigadora ou delegada. O meu gênio era forte, eu tinha vontade de seguir essa área, aí, como eu não pude concluir uma faculdade, alguma coisa pra você ser policial civil, federal ou qualquer um, você tinha que ter um ensino superior, e como eu não tinha, resolvi seguir essa outra área que não exigia tanto.
A sua formação escolar é…
É o segundo grau incompleto. Como eu tinha pouco estudo, eu decidi seguir essa área que também era um pouco parecida com a de policial. Com o tempo, eu fui fazendo mais cursos, tendo mais conhecimento nessa área e tô aí batalhando, porque não é fácil, tem que ser guerreira pra tu correr atrás das coisas, tem que ter muita coragem também de enfrentar os perigos da rua. Estamos aí, em busca de mais cursos, eu também pretendo fazer o VIP também. Tem que procurar sempre estar melhorando se tu quer seguir essa área, tem que estar sempre renovando os cursos, fazendo mais pra você poder ter uma renda boa e você fazer o que você gosta.
Como que é o dia a dia de um vigilante?
É bem puxado. Às vezes os outros olham e pensam que a vida da gente é fácil “Ah, o vigilante fica lá parado.” “O vigilante ganha bem pra ficar parado.” O nosso dia a dia não é fácil, enfrenta perigos. Tem pessoas mal-educadas que chegam e não sabem falar com você, porque você está ali com a maior educação, fazendo o seu trabalho e tem pessoas que chegam e te desacatam. Tu tem que ter um baita jogo de cintura pra ser profissional naquela hora, e não é fácil não, principalmente escolta armada, desde a saída da base ao retorno da base é bem complicado. Você saiu da base, tem que estar atento em tudo pra preservar a sua segurança e a segurança dos demais. Então, a vida de vigilante não é fácil, é só pra quem ama a profissão mesmo. E estamos aí, sempre buscando mais, igual eu falei: Eu não pretendo parar por aí! Eu quero ir em frente ainda, enquanto eu tiver força, vamo lá.
Qual a diferença de vigilante e escolta armada?
Na escolta armada de vigilante, por exemplo, agora estão fazendo um controle de acesso. Tipo pesar carga que chega, pessoas que chegam, então controle de acesso à portaria, no caso, na Concen.
Como foram as noites que a senhora trabalhou pela Siton, na abertura do túnel do Marrecas?
Ali é um lugar de difícil acesso, um lugar que fica aonde é meio afamado, como diz o outro, porque já aconteceram várias coisas ali e eu sempre procurei fazer um bom trabalho, porque a gente tem ali, como tem em outros lugares, pessoas diferentes, tem pessoas boas – pra resumir – e pessoas ruins também.
Essas ruins querem o que? O que elas incomodam?
Na verdade essas ruins, ali é um lugar que vamos falar que é a “área” deles, o lugar deles. Eles querem que a gente respeite a área deles é tipo a gente tá lá, mas sempre tem gente cuidando o que tá fazendo, é lugar, digamos, um pouco arriscado. Mas tem que ter um jogo de cintura em todos os lugares, senão tu não consegue fazer seu trabalho.